📚 “A maior escritora judia desde Kafka” (Joel)

Singela homenagem à maior escritora judia desde Franz Kafka

UMA APRENDIZAGEM OU O LIVRO DOS PRAZERES

Joel Gehlen

No final do livro anotei a data em que o terminei: 7,7,13. Fiquei na dúvida quanto ao local, hesitei um longo espaço em branco sobre o papel e, com a ponta gasta e grossa do lápis, depus palavras sem cerimônia: “Em algum lugar do céu, entre dois azuis, no infinito anil do espaço que se mescla ao denso cobalto do Atlântico, a onze mil metros do chão, sobre o oceano. E no entanto, tudo é essa Terra que se inclina num arco a incluir a atmosfera diáfana onde o coração aduz um azul prenhe de distância e os olhos lavram o solo da página”.

Li teu livro como quem toma, não um líquido, mas algo sólido, com forma e consistência. E degradável, como a carne no romper do terceiro dia; como a natureza de Lavoisier, em perpétua transformação. Uma hóstia que é trigo maduro e o corpo de Cristo ao mesmo tempo. Um livro que se sorve e que se dissolve na abóbada celeste da boca, sobre o palato, onde as palavras nascem fonêmicas. O teu livro também se dissipa na língua e nos acrescenta de um espírito de fogo, tal o próprio Deus nos fizesse dignos de sua morada e já não houvesse o corpo e a alma, mas o ser místico que se avizinha à simplicidade pastoril daquela manjedoura encimada pelo zênite do Oriente.

Demoradamente li o teu livro, com sofreguidão e algum desespero, para que não chegasse ao fim. Era visto que sairia transformado, como se aquele batista dos tempos bíblicos mergulhasse minha cabeça no Jordão de tuas palavras e do outro lado da leitura já não persistisse o homem antigo que reza. Li o teu livro com o fôlego suspenso e os olhos fechados feito os afogados que voltam a boiar na décima segunda hora depois dos naufrágios. Como um feto imerso em uma placenta de aminoácidos, li o teu livro, conectado ao cordão umbilical. E me nutrias, Clarice, como fazem as mães, com a fartura láctea sem erotismo da Pietá. Li, Lispector, como um analfabeto pode ler, sincronizando os signos secretos, miraculado de sentidos na beatitude da tua escrita. Fecho teu livro e dobro as pálpebras sobre meus olhos com o polegar e o indicador, feito aquele Chico de Minas, então capto sua mensagem diretamente do esplendor, sem travessias, numa teia de sinais que urde a luz inaugural contra toda cegueira que me habitava antes de ler o teu livro, Clarice.

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