A arte de perceber o que está em volta (Cristina)

A arte de perceber o que está a sua volta

Maria Cristina Dias

Cansei de ouvir as pessoas dizerem que a gente tem que seguir a própria intuição. E sempre me questionei o que é esse mecanismo tão sábio e eficaz capaz de nos indicar direções onde sequer víamos caminhos, de nos tirar das roubadas da vida ou de nos fazer perceber que aquela pessoa não era quem desejávamos que fosse.

A intuição parecia algo místico, um poder mágico que as bruxas possuem (sim, a famosa intuição feminina) e que é quase um dom de alguns escolhidos. Como não sou mística, não acredito em bruxas ou escolhidos e tenho o irritante hábito de buscar explicações para o que parece ser inexplicável, sempre me questionei o que era essa coisa etérea, tão presente, tão misteriosa, que uns tem e outros parecem não ter.

Tenho minhas teses e você, caro leitor, pode discordar se quiser. Ou acrescentar as suas. Para mim, intuição é aquela capacidade que temos de ler o que não está escrito, de ouvir o que não está sendo dito com palavras, de perceber o que não é explícito, embora presente. É como um radar interno que temos, que identifica o que foge aos nossos sentidos.

Dizemos muito mais com o corpo do que com as palavras. Falamos com os gestos, com o olhar, com o tom de voz, com os silêncios, com os arroubos. O que é dito verbalmente é um ponto minúsculo nesse contexto. A fala é a expressão racional, pensada. Mas a comunicação vai muito além disso. Prestar atenção ao que está além da fala, da linguagem explícita pode nos trazer um número imenso de informações que muitas vezes o nosso interlocutor não quer, não pode ou nem sabe transmitir de outra forma.

É uma leitura sutil que a gente nasce sabendo e desaprende a medida em que cresce e é “educado”, polido, enquadrado em padrões de “certo” e “errado”. Criança sabe exatamente quando é amada ou quando a pessoa não está nem aí para ela. Bicho também. Eu chego na minha cabeleireira e o gato dela na mesma hora pula no meio colo e se aloja confortavelmente. Ele sabe que eu gosto dele, se sente aceito, mesmo que eu não faça nenhum gesto. Mas pergunte se ele faz isso com todo mundo. Nada! Ele nem chega perto de quem não gosta de animais – ou às vezes chega só para irritar mesmo, dar uma mordidinha para a pessoa saber que ele também não gosta dela.

Criança é igualzinho. Ela tem um radar que percebe tudo que está a sua volta, se os adultos estão bem realmente ou não, se há alegria, tristeza ou irritação. Com o tempo, porém, a gente (ou pelo menos boa parte das pessoas) perde essa capacidade de perceber o que é dito de outras formas.

Por mais lindo que seja um discurso escrito ou oral, ele traz elementos que vão além das palavras. A própria escolha das palavras é um deles. Por que usamos tal termo? Por que trouxemos um tema à conversa? Por que interrompemos o outro em determinados momentos e não em outros?

Saber identificar esses sinais que todos emitimos – e acreditar neles – é a intuição. É olhar além do que está explícito, ouvir além do que está sendo dito, ler com atenção as entrelinhas, perceber os silêncios, os gestos, o tom de voz do outro. E, principalmente, repito, acreditar no que está percebendo.

Sim, porque muitas vezes a ausência de intuição é falta de vontade ou coragem de acreditar no que está sendo visto. Afinal, se sabemos de algo temos que tomar atitudes. E tomar atitudes muitas vezes pode ser algo doloroso. Nestes casos, culpar o outro, a vida, o destino, o mundo cruel é mais fácil do que enxergar e evitar o que nos faz mal.

Há quem diga que a intuição é uma voz interior. Não deixa de ser, não é mesmo? Se pensarmos que esta é uma observação que vem de dentro, que não é racional e que vai além das convenções, pode, sim, ser chamada de “voz interior” ou algo parecido. O que não pode é ser deixada de lado. Sob pena de andarmos por aí, errantes, quebrando a cara e nos sentindo infelizes ou azarados por não perceber o que está a nossa volta.

 

 

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