A aí da frente (Jura)
A aí da frente
Jura Arruda
– Agora arrumou um papagaio – resmungou a ma?e para o filho que chegara do trabalho.
– Quem, ma?e?
– A ai? da frente – referia-se a? vizinha. O filho deu um gole no cafe? e engoliu o comenta?rio. Na?o havia mesmo muito o que discordar, qualquer comenta?rio seria para ajudar a descer a lenha na mulher da casa da frente. Para na?o falar mal, engoliu.
– Olha como berra!
– …
Quando mudou-se para o apartamento, ela temia os tamancos dos de cima e a intolera?ncia dos debaixo, mas descobriu logo nas primeiras semanas que os vizinhos do pre?dio na?o chegariam nem perto de incomodar o que incomodava a ai? da frente. Aposentada ha? pouco, sofria de cansac?o alheio de tanto que via a mulher trabalhar. Ora recolhia lixo, ora esfregava o cha?o, ora juntava entulho, ora lavava roupa.
– Que agonia! Canso so? de olhar.
Na?o bastava a presenc?a e a labuta da vizinha da frente, o quintal era povoado por tre?s latidos finos e intermitentes. Um bater de asas de borboleta, um pardal no fio de alta tensa?o e a cachorrada fazia um estardalhac?o. Mal se podia ouvir o programa da TV. Carteiro na rua enta?o! latido pra mais de meia hora. Fechar janela na?o adiantava muito, o som insistia, um pouco mais baixo, mas insistia. Isso, unido ao calor da casa fechada era o suficiente para todo tipo de xingamento a? ai? da frente.
Um dia, a filha da mulher pariu rebento. Na?o tardou e o choro da crianc?a era acompanhado de gritos de vo? e ma?e. Mais um pouco cresceu o pobre e mais brado ouvia. Como se tratava de imo?vel distinto, as leis do condomi?nio na?o se aplicavam. Restava aos moradores do pre?dio resmungos e bufadas.
– Agora parou. Vamos ver quanto tempo vai durar.
– Eles colocaram o papagaio pra dentro? – indagou o filho.
– Acho que na?o. O coitado deve viver do lado de fora. E preso na gaiola. O que e? ainda mais triste. Ver o mundo e na?o poder voar. Deve ser por isso que grita tanto. Liberdade meia-boca.
– Um dia eles mudam – profetizou o filho enquanto engolia mais cafe?. – Mudam nada. Voce? bem que podia fazer alguma coisa.
Ele deu o u?ltimo gole no cafe?, deitou a xi?cara no pires e pigarreou. Com os olhos apontou para o brac?o do sofa? onde repousava insuspeito um estilingue.
– No papagaio?
– Nela.