A eterna cidade dos Príncipes (Paulo Roberto da Silva)
A Eterna Cidade dos Príncipes
Paulo Roberto da Silva
A Rua Nove de Março é considerada a mais antiga de Joinville, pois já existia (ainda que sob a forma de uma rústica picada de caçadores) antes mesmo da chegada dos pioneiros de 1851, sendo sucessivamente alargada e melhorada nos anos seguintes. Era a “Picada Jurapé”.
Por esse motivo, por ter sido nossa primeira via pública, seu nome atual nos recorda a data de fundação da cidade: “Nove de Março”.
Apesar disso, foi a Rua do Príncipe o palco escolhido para alguns dos maiores eventos festivos ocorridos na nossa história, particularmente os desfiles de “7 de setembro” e aqueles alusivos ao aniversário da cidade, que só mais tarde foram transferidos para outras vias públicas, como a Avenida Getúlio Vargas e a Avenida Beira-Rio.
Essa prática de levar grandes eventos para a “Prinzenstrasse”, aliás, já era algo antigo: nos primeiros anos do século XX, por exemplo, quando seguidos navios alemães visitavam o Brasil, após ancorarem em São Francisco do Sul seus marinheiros se deslocavam em embarcações menores para Joinville e, em seguida, desfilavam por aquela nossa rua central acompanhados por banda de música e viva participação popular. Mais adiante, ao término da II Guerra Mundial, em 1945, foi ali, na Rua do Príncipe, que aconteceu o desfile pelo “Dia da Vitória”. Logo em seguida, em 1950, foi na Praça Nereu Ramos (situada ao largo dessa via) que o então candidato Getúlio Vargas fez seu discurso de campanha para aquele que seria seu último mandato. E, em 1951, no Centenário de Joinville, foi ainda naquela rua, engalanada com um grande arco encimado por uma coroa real (a recordar os patronos da cidade, os Príncipes de Joinville), que memoráveis festejos aconteceram.
Por muitos anos foi a rua mais elegante da cidade, palco de alguns dos nossos melhores estabelecimentos comerciais e de construções imponentes, como o Clube Joinville, o Palace Hotel, o Palacete Schlemm, a Minâncora e, em tempos mais recentes, a Catedral, o Edifício Pedro Salles (o primeiro a ter elevador em Joinville, ainda na década de 1950) e o Edifício Manchester (por longos anos o mais alto da cidade, com seus 14 pavimentos). Em diferentes épocas, por ela circulavam os jovens solteiros para fazer o “footing”, na eterna tentativa de encontrar sua cara-metade.
Não bastassem todos esses predicados, era através dela que se ganhava acesso à festejada Rua das Palmeiras, que terminava no Palácio dos Príncipes, hoje Museu Nacional.
Como se pode deduzir, a nossa tradicional rua deve seu nome ao próprio Príncipe de Joinville que, juntamente com sua esposa Francisca de Bragança (que nomeia a “Rua Dona Francisca”), assinou a contratação dos serviços de uma Sociedade Colonizadora criada na cidade de Hamburgo para que aqui, nas terras recebidas em 1843 pelo Casal Real como dote de casamento, fosse fundada uma colônia de imigrantes.
Muito embora os príncipes de Joinville não tivessem estado na cidade que ajudaram a fundar e que, de diferentes modos, auxiliaram no seu desenvolvimento, com o passar do tempo 5 gerações de familiares seus visitaram Joinville, alguns deles se hospedando no Palácio dos Príncipes, sólida construção erigida e mobiliada com verba enviada pelos príncipes para tal fim, eis que essa edificação ocupava uma faixa de terras reservada a eles no centro da Colônia. O primeiro desses familiares, o Príncipe Gastón d’Orléans, Conde d’Eu, era sobrinho do Príncipe de Joinville e aqui esteve em 1884. Após descer a Estrada Dona Francisca, o príncipe e sua comitiva alcançaram a Rua do Príncipe, adentrando pela Rua das Palmeiras, já repleta de populares, estudantes e crianças que o saudavam efusivamente, hospedando-se no palácio de seus tios. De lá, discursou do alto da sacada para o povo reunido e permaneceu na cidade por 3 dias. Era marido da Princesa Isabel (sobrinha da princesa Dona Francisca e filha primogênita do imperador D. Pedro II). Ele retornaria para uma derradeira visita em 1921 na companhia de seu filho mais velho, D. Pedro de Alcântara, sendo recepcionado no Palace Hotel, que existia na esquina da Rua do Príncipe com a Rua XV de Novembro.
Mais adiante, seu filho D. Pedro de Alcântara retornaria a Joinville em mais duas oportunidades: em 1926, no 75º aniversário da nossa cidade, acompanhado da esposa Elisabeth, ocasião em que inaugurou o busto em bronze em homenagem a sua tia-avó, a Princesa Dona Francisca, e em 1938, acompanhado da esposa e de duas das suas filhas. Em ambas as ocasiões, D. Pedro de Alcântara e família se hospedaram no Palácio dos seus tios-avós, os Príncipes de Joinville.
Por ocasião do centenário de Joinville, em 1951, outro príncipe percorreu nossa cidade e, a partir da Rua do Príncipe, alcançou o Palácio onde se hospedou: D. Pedro Gastão de Orléans e Bragança, sobrinho-bisneto dos Príncipes de Joinville. Participou dos festejos e coroou a Rainha do Centenário em cerimônia ocorrida na sacada frontal do Palácio.
Mais familiares dos nossos príncipes viriam pelos anos seguintes, como foi o caso de D. Bertrand de Orléans e Bragança, sobrinho-trineto dos Príncipes de Joinville, que aqui esteve em mais de uma ocasião, a última das quais por ocasião do 150º aniversário de nossa cidade.
Como se vê, todas as gerações de príncipes que visitaram e/ou se hospedaram em nossa cidade não deixaram de trafegar por aquela que foi nossa rua mais elegante (justificando ainda mais o nome que essa rua recebera), muitas das vezes participando das principais datas de aniversário de Joinville, como nos 75, 100 e 150 anos da cidade, só para citar alguns desses momentos. Desnecessário mencionar, assim, por quais motivos a cidade de Joinville foi honrada, há muito tempo, com o título de “Cidade dos Príncipes”.
Nessa esteira de acontecimentos é que, nos anos 1970, era ainda ali, na Rua do Príncipe, que o aniversário de fundação da cidade era recordado e grandes desfiles comemorativos ocorriam. Foi num deles, a 9 de março de 1977, que uma multidão de joinvilenses se reuniu às margens daquela importante via para festejar nosso 126° aniversário!
O palanque oficial fora montado junto à praça Nereu Ramos, no ponto onde hoje existe um quiosque. Lá, além das autoridades de praxe, como o prefeito Luiz Henrique da Silveira em seu primeiro mandato, podia-se ver um casal muito peculiar: um casal de príncipes!
Desde o dia anterior chegaram ao nosso aeroporto o Príncipe D. Pedro Henrique de Orléans e Bragança e sua esposa, a Princesa Da. Maria Elisabeth (da dinastia von Wittelsbach), sendo ela neta do último rei da Baviera, Ludwig III, e ele neto do Conde d’Eu e da Princesa Isabel, que fora por 3 vezes Regente do Império do Brasil. Na condição de ilustres convidados da municipalidade, participaram de sucessivos eventos oficiais naqueles dias festivos de março, inclusive de uma exposição de aquarelas de autoria de D. Pedro Henrique realizada no interior do Palácio dos Príncipes, fazendo ele a doação para o acervo do Museu de uma antiga litografia colorida retratando sua tia-bisavó, a Princesa Dona Francisca..
O convite a D. Pedro se deveu a sua condição de Chefe histórico da antiga Família Imperial brasileira (seria ele nosso “D. Pedro III”, se a monarquia não tivesse sido abolida), além de ser o parente mais próximo dos Príncipes de Joinville a viver no Brasil. Com efeito, por parte de seu avô paterno, era ele bisneto do Duque de Nemours (um dos irmãos mais velhos do Príncipe de Joinville) e, do lado de sua avó paterna, era bisneto de D. Pedro II (o irmão da Princesa Da. Francisca).
Do alto dos seus 68 anos incompletos, esse simpático príncipe, com seu porte distinto mas afável, os cabelos brancos e os olhos azuis dos Orléans, cativou a todos nos dias em que aqui esteve.
Terminado o desfile comemorativo, ao qual estive presente com meus pais e irmão, vimos o casal de príncipes com sua comitiva descer do palanque e atravessar a praça Nereu Ramos rumo ao Colon Palace Hotel, na época nosso melhor hotel e onde estavam hospedados.
Com o programa dos festejos de Joinville em mãos, estava eu ansioso para ir ao seu encontro e colher um autógrafo! Mas… minha timidez de garoto de 10 anos era maior do que minha vontade! Nisso, encontramos em plena Praça um casal muito próximo de meus pais: Darcy Scholz e sua esposa Úrsula Stachon Scholz. Da. Úrsula era amiga de minha mãe desde a infância, a tal ponto que os casais compareceram um ao casamento do outro nos anos 60 e se visitavam, seja em Joinville, seja na casa de praia, no Grant.
No meio da conversa, minha mãe comentou sobre minha vontade de colher um autógrafo do Príncipe, ao que sua amiga Úrsula anunciou que ela própria fizera o mesmo e fora muito bem recebida, estimulando-me a ir até ele! Foi o que bastou!
Atravessei a Praça e, alcançando a comitiva dos Príncipes, tomei a coragem de dizer: “O senhor poderia me dar um autógrafo?”, estendendo-lhe o programa dos festejos que trazia comigo.
Dom Pedro olhou para a esposa, que sorriu em retorno, fazendo brilhar intensamente seus olhos também azuis. O Príncipe se voltou para mim, então, e emendou: “Claro, meu filho! Mas… você tem uma caneta?”. Aquilo funcionou como um balde de água fria! Na minha ansiedade, eu sequer havia pensado em levar uma caneta! Desapontado, balbuciei ao Príncipe que não tinha nenhuma comigo… Ele sorriu ternamente e completou: “Não tem problema! Eu tenho uma aqui no meu bolso”, sacando do bolso interno do seu paletó a caneta salvadora que, para mim, guardadas as devidas proporções, teve o efeito libertador da “pena de ouro” com que sua avó, a Princesa-Regente Da. Isabel, assinara a Lei Áurea em 1888!
Ele, então, pediu-me para apoiar o programa nas minhas costas, para facilitar o momento do autógrafo. Eu me virei e me curvei ligeiramente, o Príncipe colocou o “folder” de 4 abas nas minhas pequenas costas e principiou a escrever seu longo nome. Mas… que lástima! Eu sentia cócegas por qualquer coisa e, naquele instante, o contato da caneta me fez rir e sacolejar! O Príncipe teve tempo de me dizer: “Não ria, filho! Senão a letra sairá tremida!” Eu me desculpei e, envergonhado, acrescentei que sentia cócegas! Tive tempo de ver a Princesa assistindo a cena e sorrindo para nós, com a ternura de uma avó!
“Feito!”, disse ele! Eu agradeci, cumprimentamo-nos e me juntei aos meus pais, que a tudo assistiram com um indisfarçável orgulho de ver o filho conseguir aquilo que se propôs a fazer.
Quatro anos depois, em 1981, soubemos pela televisão do falecimento de D. Pedro. Mas nunca me esqueci do dia em que os príncipes, sim, visitaram nossa cidade.
Jamais souberam eles que aquele menino de 1977 acabaria se tornando um monarquista, que votou e lutou pela monarquia parlamentarista no plebiscito de 1993 e que, até hoje, guarda na memória aquele momento tão único em que estivera com eles na Praça central da nossa cidade, graças ao desfile comemorativo ocorrido na nossa rua que é repleta de histórias.
O programa autografado? Sim… ainda o tenho! Que dúvida!