A vaca foi pro brejo? (Hilton Görresen)

 

A VACA FOI PRO BREJO?

Hilton Gorresen

 

Esses dias me perguntaram se o correto é dizer “seis pães franceses” ou “seis pães francês”.  Respondi, de cara, levando em conta a norma gramatical: seis pães franceses. Momentos depois (tenho faísca um pouco atrasada), começou a se agitar em mim uma dúvida. Pera aí, o pão não é de nacionalidade francesa, como o perfume ou o champanhe, pois é fabricado aqui mesmo no país. Podemos, dizem alguns, considerar que se subentende a expressão “do tipo”: pães (do tipo) francês. Quem costuma pedir “um chopes e dois pastel”, vai mesmo de “me dá seis pão francês”.

Mas quem, em sã consciência, iria escrever “seis pães francês”? (até meu corretor ortográfico se revolta) Verifica-se aí uma disputa entre a lógica e a gramática, em que a vitória quase sempre pertence a essa última. Se a gramática destoa da lógica, fica-se com a gramática.

A chamada teoria gramatical, que tem mais de 2.000 anos, houve por bem catalogar tudo o que dizemos e escrevemos, e colocar isso em fôrmas já preparadas. Quando esse material não quer entrar nas fôrmas, dá-se um jeito, empurrando daqui e dali.

Digamos que a professora pediu ao aluno para fazer a análise sintática, antigamente conhecida como análise lógica, da seguinte frase: a vaca foi pro brejo. O coitadinho não tem outro jeito: vaca: sujeito; pro brejo: adjunto adverbial de lugar. Não é o que manda a gramática?

Absurdo! Ninguém está querendo dizer que a senhora do boi lamentavelmente deu um passo em falso e se atolou no banhado. O sentido é bem outro. Neste caso, o significado da frase vai para um lado e a vaca, digo, a gramática pra outro.

E se a frase fosse: ele caiu na gandaia? Alguém poderia dizer que gandaia é um adjunto adverbial de lugar? Que lugar é esse? E “Fulano foi pra p.q.p.”? P.q.p. poderia ser um adjunto adverbial de lugar?

A professora poderá argumentar: eu nunca daria uma frase dessas para o aluno analisar. No entanto são frases que estão aí no dia a dia, frases do português. Então só se fornece ao aluno textos selecionados, bem comportadinhos?

Veja outros casos: o bicho vai pegar! Deu com os burros n’água. Somente crianças na fase do pensamento concreto poderiam identificar bicho, no caso, como um animal que vai pegar alguém e achar que os pobres burricos acabaram tomando um banho sem querer.

Voltando à vaca fria, que permanece atolada no brejo, esperando que resolvamos a questão, isso vem provar que nem sempre o significado do que se diz ou escreve está na frase. Como a senhora gramática resolve isso?

TEXTO PUBLICADO NO JORNAL A GAZETA DE SBS EM 15.05.2021

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