Ac. Onévio Zabot leu ” História Remota de Santa Catarina, Quatro Séculos de História de 1500 a 1900″, de Raulino Jacó Brüning

 

A SAGA CATARINA

 

Estudar a história de Santa Catarina, é algo desafiador. Verdadeira colcha de retalhos. E vários são os motivos. Senão vejamos.

Fator geográfico: litoral, planalto, serra e grande oeste. Matizes distintas. Povoações dispersas. Presença dos povos originários.  Presença do padroado jesuíta.  E, sobretudo, atividades diferenciadas.

Não há, no entanto, como negar importância da navegação costeira, ponto de partida. E tampouco a relevância das ondas migratórias externas e internas. Sucessivas ondas.  Revoadas humanas.

Num primeiro momento contingentes esparsos: aventureiros, degredados e africanos, e num segundo – se assim podemos chamá-lo -, a ocupação dirigida, organizada via Projetos de colonização. Neste caso, com suporte institucional, embora por vezes falho.   E, sobretudo, atratividades regionais.

E, porque não a influência do poder central – coercitivo e centralizador. Espécie de mão de ferro. Espoliador por excelência;  leva muito, e pouco devolve. E, também, é certo, fortes laços entre os emigrados e suas terras de origem, inclusive nos negócios.

Raulino Jacó Brüning no livro História de Santa Catarina, Quatro Séculos de História de 1500 a 1900, discorre sobre etapas marcantes: 1) Século de abandono (1500-1650); 2) Fundação dos três primeiros povoados (1650-1700); 3) A metrópole desperta (1700-1750); 4) Capitania militar (1750-1882); 5) e, Pilares do desenvolvimento (1822-1900). Antes disso, entretanto, contextualiza sobre a origem de Portugal e o Brasil Colônia, a matriz histórica, e a criação de Capitanias Hereditárias.

E segue o historiador: a zona  costeira –  fase  inicial da colonização -, mais servia de aporte:  abrigo e reabastecimento de embarcações a quem se dirigia ao cone sul. Mais precisamente, o rio da Prata, hoje Buenos Aires. As minas de prata do Potosí atraíam toda a sorte de aventureiros. Alguns a mando do reino espanhol, outros,  os corsários, contumazes saqueadores.

Com a fundação dos três primeiros povoados (meados de 1660): Nossa Senhora do São Francisco por Manoel de Andrade; Nossa Senhora do Desterro, Dias Velho; e Santo Antônio dos Anjos de Laguna, Brito Peixoto, inicia-se um novo ciclo. A inciativa coube aos  paulistas, os vicentinos;   procuravam ouro e metais preciosos, como não encontram, capturavam indígenas, fato que provoca escaramuças com  os padres jesuítas presentes na região.

A ilha de Santa Catarina, antes chamada Baía dos Perdidos -,  abrigava desterrados e fugitivos. Portugal esvazia as cadeias. Daí a denominação: Nossa Senhora do Desterro. O forte de então:  caça às baleias. Surgem as armações. O ciclo, porém, é curto. Sobrexplotação, dizimaram a espécie.

A região somente desperta novamente a partir do ciclo da mineração na região sudeste.  Beneficia-se com a rota de passagem das tropas – bois e muares -,  com destino a Sorocaba. E dali às gerais.

Primeiro cruzavam por Laguna, local de abates de bovinos que,  por mar, despachavam para o Rio de Janeiro. Mas, em seguida, aberto o caminho dos Conventos (1732) que interliga  Araranguá a Lages, seguem por terra. Picadões. A partir de então, por ali haveriam de seguir as tropas.  Nesta época, 1938, é crida a Capitania de SC.

Correia Pinto, paulista, havia se  estabelecido na região  serrana que passou a ser coração da travessia das tropas, pois oferecia fartas pastagens (capim mimoso) e pousadas.   Com isso, Laguna entra em franca decadência.  E Lages, em 1820, é incorporada à  Província de Santa Catarina.

Como capitania militar e a construção de fortes demandava muita mão de obra,  fato que aqueceu a economia local, o entorno,  inclusive quanto à  produção de víveres. Todavia, imperava a escravidão. Havia muito preconceito.  Trabalho braçal era coisa de escravos. Herança lusitana.

Mas efetivamente o estado ganha impulso primeiro com a entrada dos imigrantes açorianos, meados de 1748. Segundo o historiador, malgrado equívoco. Ao invés de jovens casais, como o previsto, vieram muitos meliantes libertos das prisões  de Açores, e até idosos. E poucos profissionais, como pedreiros, carpinteiros, funileiros, tecelões, naturalistas, mestres, técnicos agrícolas, médicos.

A partir de 1822, entra a fase imperial. Revoluções intensas aconteceram. O epicentro de uma das maiores, a Farroupilha, em terras gaúchas, exerce   influência direta em terras catarinenses. Chegamos a ser república. República Juliana.  Arroubos de Garibaldi.

Ah, uma curiosidade: “Vigorava até então o sistema penal inquisitorial: o juiz acusava e julgava, tudo em segredo, nos termos das Ordenações  Filipinas de 1603”. Parece que, com o tempo, pouco aprendemos. Ao contrário, hoje contagia a suprema corte. Nítida violação da Carta Magna.

Com a proclamação da república, 1889,  surge outro  período conturbado. Resistências.  Fuzilamentos sumários.  Muda-se o nome da capital de Desterro para Florianópolis; homenageia-se, destarte, o algoz, Floriano Peixoto.

E, gradativamente o estado adquire a configuração geográfica atual, estendendo-se do litoral à fronteira com a Argentina.

Mas, segundo Raulino Brüning, o grande salto ocorre com a entrada de novas levas de imigrantes: alemães, italianos, poloneses, ucranianos, gregos  e árabes, entre outros. Isso a partir de 1820.

Com essas levas aportaram profissionais qualificados, e isso fez toda a diferença. Ilustrando, cita:  “Otto Blumenau, com formação em farmácia e filosofia;  em Joinville, Otto Doerffel, advogado, que fora prefeito em sua terra natal;  Emílio Jourdan, engenheiro militar belga, Jaraguá do Sul. Giovani Rossi, engenheiro agrônomo, Estação Experimental de Rio dos Cedros. E muitos outros.

De 1900 até os dias atuais muitos fatos ocorreram, entre eles a malfadada Guerra  do Contestado, mas este é outro capítulo. Vitoriosos os catarinenses. Estado pujante. É certo, a boa semente germinou e vem produzindo bons frutos. Claro, nunca faltaram e nem faltam desafios.  Mas com coragem e  ousadia, tudo é possível. A história prova e comprova isso.

Santa Catarina, pelo momento que vive: economia extremamente dinâmica e sustentável, bem que merece um resgate à altura de suas raízes históricas e contemporâneas. O que temos, embora o mérito dos historiadores,  são visões parciais. Entrecortes, cortes e recortes. Retalhos.

Uma visão abrangente e sistemática, urge. Mãos à obra, portanto, ó bravos historiadores, pois o tempo ruge.

 

Joinville, 29 de agosto de 2025

Onévio Antonio Zabot

Engenheiro Agrônomo

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