Ac. Rodrigo leu “Amor fati”, de Clèmerson Merlin Clève
AMOR FATI
Clèmerson Merlin Clève
Veio a público, recentemente, obra que li quase de uma sentada: Amor Fati, do jurista e escritor paranaense Clèmerson Merlin Clève.
Trata-se de obra em que, entremeando sua faculdade e seu mestrado em direito com incursões literárias, o autor expressa suas angústias e esperanças sobre diversas temas: a morte, a democracia, a liberdade, a fé, o amor. Tudo isso nas vicissitudes de uma jovem existência. São, como diz o subtítulo, “poemas da idade jovem em tempos sombrios”.
Há no texto uma individualidade plena, com aquele trabalho delicado nos meandros do discurso, próprio ao poeta; mas sempre sensível ao fato de que viver, é viver em comunhão.
Há notas de certa poesia concretista:
“colhi aquela flor
e o coração
s
a
n
g
r
o
u!
Na linha de Brecht, questiona-se a história que se pretende heróica, feita exclusivamente a partir de personalidades extraordinárias. Não se pode esquecer
“de que com Alexandre
lutou tropa inteira
ou de que um país
não é feito apenas de
heróis.”
Questiona-se também a história imposta
“pela tendenciosa memória
da memória oficial
(ensinada na escola)
mas que deixa cicatrizes
precisas,
chaga chocante.”
Há ali o gosto amargo de alguns dissabores:
“Daí quando não mais sustento
o peso da consciência,
cuspo na praia
soltando algumas bolhas no ar
como se assim fugisse do ferro armado na mente”
Há a angústia por se viver na ditadura:
“É assim, minha senhora, sou teu servo infeliz;
dou o que dou a bom preço e com dor.
Mas não quero para mim o teu corpo, senhora,
calado e atado, ante os meus sonhos, senhora.”
E também o temor da alienação pela religião, ao passo que se a quer mais profunda e mais atrelada ao mundo:
“Queremos luz, Senhor meu
porque a noite é mistério
e assusta a todos.
Mas concreta luz,
Senhor!
Não apenas a sagrada
dos deuses
mas a dos homens,
Senhor!”
Trata-se da obra de um autor que está meia geração à frente da minha. Que já tinha idade para vivenciar os horrores de uma ditadura que estancou social e culturalmente o nosso país. E cuja herança brutal ainda se revela hoje, na ausência de uma base educacional e de formação política da maioria de seus cidadãos. Mas a obra diz mais que isso. Ela está também em consonância e aproveita diversos movimentos literários e filosóficos que marcaram o século XX.
Nestes tempos perturbadores, de barbárie estabelecida, de renovadas ameaças à democracia e de abandono da razão e dos ideais iluministas, Amor Fati é quase uma profissão de fé. Em especial, se a expressão for compreendida naquele sentido nietzscheano de amor ao destino, ainda que tendo que lidar com as adversidades, com aquilo que há de mais terrível na existência.
Encerro essa breve resenha com a lição de esperança para tempos bicudos como esses em que vivemos, parte do poema Fuga:
Durar a vida sem artifícios,
vivendo-a exaustivamente.
Chorando sua chaga
e rindo sua graça
sem fuga em mente ou
sofrendo convulsivamente
para fazer da (razão da) fuga
o motivo para o enfrentamento.
Rodrigo Bornholdt