Ac. Walter Guerreiro leu “Este doce mal”, de Patrícia Highsmith
ESTE DOCE MAL
Walter Guerreiro
No gênero da literatura policial Patrícia Highsmith foi uma referência como escritora, contista e roteirista cinematográfica, sua obra vai além do gênero por muitos desprezado uma vez que não se aprofunda na realidade, é entretenimento em que o suspense cresce no decorrer da leitura quanto à busca ao criminoso e de sua inevitável punição. Não é o caso dessa escritora norte-americana já que sua obra foi fortemente influenciada pelo existencialismo onde questiona a identidade de seus personagens como é o caso do talentoso Tom Ripley, um anti-herói vingador (e serial killer) pelo qual os leitores torcem considerado um dos 100 maiores personagens desde 1900.
“Este doce mal” (This sweet silkness) escrito em 1960 foge ao gênero ao criar um estudo psicológico do personagem – por isso mesmo pouco apreciado pelos leitores usuais – David é um jovem químico e cientista obcecado por uma ex-namorada e daquilo que ele denomina “A situação”. Vive há dois anos numa pensão onde conhece Effie, uma jovem muito falante e bisbilhoteira através da qual sabemos que ele trabalha como engenheiro-químico numa indústria de plásticos assim como seu amigo Wes, e da rotina da semana. David é um “rapaz único” para a dona da pensão: não fuma, não bebe, nunca recebe mulheres nem antes nem depois das dez da noite… por isso mesmo uma pessoa digna para quem ela tricota malhas para presentear sua mãe. De fato, todos os fins de semana ele passa numa casa de seu amigo William Neumeister com sua mãe numa cidadezinha próxima, aguardando cartas de sua ex-namorada que casara há dois anos, e que assediava com correspondência semanal. Essa é a trama que evolui através das cartas culminando com o marido Gerald indo tomar satisfação, e de um homicídio culposo atribuído ao dono da casa. No fio da trama tomamos conhecimento de que David sofre de Transtorno Dissociativo de Identidade com duas personalidades distintas na realidade, ele mata Gerald e se entrega como sendo William Neumeister e declarando ter sido em legítima defesa.
O romance trata do Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI) sobre quem é David, um cidadão exemplar, e de quem é William, alguém que é ninguém, um fugitivo da justiça após um segundo crime e do qual pouco se sabe. Uma obra brilhante da escritora ao tratar um transtorno mental e de certa forma da paramnésia reduplicativa, dois fenômenos distintos de identificação, de um lado uma fabulação decorrente de um trauma físico com “fantasmas do cérebro”, de outro uma alternância de identidades como escape de uma “situação” e confundido com esquizofrenia.
Uma obra psicológica, talvez para poucos, porém brilhante na manipulação das palavras, concluo: Toda evocação acaba virando uma narração, todo discurso para os outros é simples diário disfarçado.
