Ac. Zabot leu “A invenção da natureza”, de Andrea Wulf
ALEXANDER VON HUMBOLDT
Ler o livro A Invenção da Natureza de Andrea Wulf sobre Humboldt (1769-1859) é algo fascinante. Humboldt, espécie de Marco Polo munido de microscópio e telescópio – como inveterado pesquisador -, assombrou o mundo. De cultura universal – incursionou, quer no campo da botânica, zoologia, química e mineração -, ou nos estudos do cosmos. Pioneiro, considerado o pai do movimento ambientalista. Perfeccionista. Um aperitivo: utilizava o cianômetro para medir o azul do céu.
Poliglota, além do alemão era em fluente em francês e inglês. De suas obras, várias foram publicadas em primeira mão nestes idiomas. Paris e Londres o atraiam. Luzes da ribalta. Paris pela cultura. Eclética. E Londres pelas janelas, especialmente às ciências, e a dinâmica comercial. “Todo o santo dia atracavam no porto cerca de 15 mil navios abarrotados de especiarias provenientes das Índias Orientais, açúcar das Índias Ocidentais, chá da China, vinho da França, e madeira da Rússia”.
A formação de Alexander, assim como de seu irmão Wilhelm foi extremamente severa. Perderam o pai muito cedo, um rico e influente industrial, e a mãe, austera e determinada, moldou-os oferecendo-lhes uma educação esmerada; até obsessiva para os padrões de época. Em razão disso, os irmãos guardavam reservas dela. Questionavam o excessivo rigor, especialmente Alexander, de natureza rebelde.
Wilhelm dedicou-se às letras e ao direito, sendo posteriormente embaixador e ministro da Educação da Prússia, entre outras atribuições. E mecenas das artes. Casa sempre cheia de intelectuais e cientistas. Humboldt, no entanto, inclinou-se para a mineração, forma de andar no campo. Minerar. De curtir a natureza. Praticava como forma de aliviar a tensão, enquanto estudava grego e latim e ciências exatas. Nessas andanças nada escapava de olhos de lince. Questionava. Mensurava. Comparava. Em razão disso, sempre voltava com os bolsos cheios de pedras, plantas e insetos, daí a família chama-lo de “O Pequeno Boticário”.
Cita Andrea: “De acordo com o folclore familiar, um dia o rei Prussiano, Frederico, o Grande, perguntou ao menino se ele planejava conquistar o mundo como fizera seu homônimo Alexandre, o Grande. A resposta do jovem foi: – Sim, senhor, mas com a minha cabeça”.
Exímio observador de corpos celestes. Olhos voltados para o céu. As expedições na Europa, na América e nos confins da Sibéria deram-lhe uma visão privilegiada não apenas do planeta terra, mas do cosmos. Munido de instrumentos, aqueles disponíveis na época, adentrava aos pormenores. Anotava tudo obstinadamente.
Essas observações, mais tarde dispostas em livros, tanto de natureza técnica, quando de cunho popular, ensejaram sua notoriedade não apenas no meio científico, mas também entre as camadas populares. Suas palestras eram brilhantes. Muito disputadas. Falava sem parar, indo de um tema a outro. De temperamento mordaz se provocado. “Um petit sprit malin”, segundo Wilhelm. Mas também extremamente solidário, mecenas das ciências: compartilhava e dividia conhecimento. Ouvia. E ajudou muito jovens a avançar nos estudos e nas pesquisas. Emprestava dinheiro. Solteiro, asseverava que sua esposa era a ciência.
Em síntese: circulou entre os maiores cientistas da sua época. E de cortes. Com Goethe bebeu na fonte – arte e da literatura -, sem desconsiderar a ciência. Pois Goethe, embora famoso escritor, Fausto o consagrara -, incursionava também no campo das ciências, atraindo sumidades da época para longas confabulações. Publicou o livro: “A Metamorfose das Plantas”. Darwin reconhece Humboldt como o grande inspirador de sua trajetória e sua obra: A origem das Espécies”. Darwin leu todas as publicações de Humboldt, inclusive durante o périplo pela América e outras paragens. Levou consigo exemplares. Lia e fazia anotações de certos trechos.
Ah, um detalhe: embora as guerras de então (Humboldt tinha praticamente a mesma idade de Napoleão) – os cientistas, em face daquele cenário beligerante, firmaram um pacto de colaboração, pois julgavam que ciência estava acima das vaidades políticas. “A guerra aos políticos, a ciência aos cientistas”, insistiam. Pairar acima das vaidades humanas, cá entre nós, uma senhora façanha.
Remessas de plantas, insetos, pedras e outras amostras coletadas nas incursões eram enviadas de navio para o Europa, quando interceptados por forças inimigas, como forma de salvá-las, a senha: entregar a um cientista referenciado daquele país. Este cientista encarregava-se de enviá-las ao destino. Todos os capitães de navios, cientes disso, da importância de proteger o material coletado, procediam dessa forma. Emocionante essa solidariedade mesmo em tempo de conflito.
Não cabe aqui detalhar eventos marcantes dessas viagens a serviço da ciência: 1) pelas Américas (1799-1804); Venezuela (1804); e Rússia (1829), mas não podemos deixar de referenciá-lo quanto ao regime de escravidão. Humboldt se opôs violentamente a ela. Cenas macabras que viu na Venezuela, marcaram-no. Daí sua revolta contra o regime escravagista.
E, quanto à independência das colônias espanholas na América, Humboldt influenciou Simón Bolívar. Foram contemporâneos na Europa, quando Bolívar tinha apenas 18 anos.
Sabedores desse espírito libertador, os ingleses jamais concederam autorização que visitasse a Índia, embora o intuito fosse apenas escalar o Himalaia, sonho que nunca pode realizar.
Embora admirador de Simón Bolívar, ao perceber que se tornara um déspota, impondo um regime de força nos países libertados do jugo espanhol, o questionou severamente. Considerava esses atos ilegais e inconstitucionais, um tanto semelhantes aos de Napoleão.
Defendia um regime político onde a liberdade fosse a premissa básica, e não o emprego da coação, da imposição em nome do coletivo.
Mas de todos os legados sobressai a ilação sobre a necessidade de proteger as florestas. Na Venezuela constatou degradações progressivas no Vale de Aragua e no Lago Valência. “Quando as florestas são destruídas, como o são em toda a parte na América por obra dos plantadores europeus(…) as fontes de água secam por completo ou se tornam menos abundante”. Percebeu que o mesmo problema ocorria na região da Lombardia, Itália, e na Rússia.
É considerado o pai do ambientalismo mundial, pois foi o primeiro estudioso a descrever as funções fundamentais de uma floresta para o ecossistema e o clima: “a capacidade das árvores de armazenar água e enriquecer a atmosfera com umidade, sua presença no solo e seu efeito resfriador”.
Humbolt, hoje, empresta o nome a inúmeros topônimos geográficos mundo afora: corrente marinha, rios, e até astros. Em Catarina, a bucólica Corupá, já foi Hansa Humboldt. Hoje, restringe-se ao empertigado rio Humboldt – frágil, mas caudaloso que se desdobra sobranceiro nos recortes da Serra do Mar.
Certamente, um motivo de orgulhos para eminente arauto da natureza.
Joinville, 19 de fevereiro de 2022
Onévio Antonio Zabot
Engenheiro Agrônomo