As três verdades (David Gonçalves)

 

AS TRÊS VERDADES

David Gonçalves

 

– Filho, vamos dar um passeio.

Era domingo de belo sol. Mas eu estava cinzento, nublado, aborrecido. Completara 16 anos e queria ser alguém na vida, mas, naquele buraco, o que me esperava era foice, enxada e força física. Meu destino estava selado: teria que ser agricultor como meus pais e irmãos, e eu desejava voos maiores. Estava lendo muito e de forma desordenada. Me surpreendi com o convite de meu pai.

De Jeep, subimos o íngreme caminho, e fomos à cidade. Estava curioso. Onde o velho queria me levar?

Paramos na frente do hospital e começamos a andar pelo pátio. Havia pessoas tristes, desesperadas, e de vez em quando chegava a ambulância com doentes. Embarafustamos pelo vasto corredor e, quando havia alguma porta entreaberta, meu pai parava e ficava olhando os doentes em estados agonizantes, dizendo: Veja, filho, tanto sofrimento, tanta aflição… Depois caminhava até a próxima porta entreaberta e a cena se repetia. Dei graças a Deus quando a visita terminou.

De lá, quietamente, ele dirigiu-se a outro lugar: a penitenciária. Muros altos, com arames farpados e guardas armados. Ficamos na entrada observando as visitas, que iam sendo revistadas, depois liberadas. Havia tristeza e desesperanças nos olhares daquelas pessoas, geralmente mulheres e filhos. O pai estava quieto, de vez em quando me olhava, e eu não sabia o que ele queria dizer.

Um domingo de sol perfeito para passear, jogar futebol, me encontrar com os amigos. Estava perdendo tempo com aquelas visitas pueris.

De lá, o pai andou pelas ruas da cidade, e já passava do meio-dia, e o meu estômago clamava por comida. A mãe, com certeza, já havia feito a macarronada e o franguinho na panela de ferro.

De repente, o pai parou na frente do cemitério. Vamos descer e caminhar pelos túmulos, ele disse. Caminhamos nas pequenas ruelas e os túmulos se sucediam. Primeiro, os mausoléus dos ricos, depois dos remediados, enfim as covas dos pobres, com cruzes já roídas pelo tempo. Parece que, aqui, ainda as pessoas acreditam que são desiguais, disse o velho, que havia tirado o chapéu e o colocara debaixo do braço, em respeito aos mortos.

– Bem, vamos embora – ordenou. – Por hoje chega, já está de bom tamanho.

Eu não sabia o que dizer. Estava com fome.

Antes de dar partida, ele me disse, encarando:

– Está curioso, não é? Sabe por que eu trouxe você nestes lugares?

Eu não sabia. Então, ele finalizou:

– Pra você entender a vida. Te levei no hospital pra você entender que nada é tão valoroso como a saúde, o bem maior de cada um de nós.

Eu ouvia.

– Te levei na prisão pra você entender que a liberdade é o bem mais precioso. Ser livre é a condição. Nunca permita que alguém lhe tire a liberdade.

Eu ouvia.

– Por último, o cemitério. O que você viu? Aqui é o fim de todos. Aprenda a valorizar a vida. Tudo se acaba com a morte, até mesmo a própria morte. Orgulho, vaidade, poder, riquezas – nada dizem. Por isso, não jogue fora a vida: faça dela o paraíso desejado.

Deu partida no Jeep e voltamos para casa. O sol começava a inclinar no céu.

Eu estava calado e perdera o apetite.

Hoje, crescido, quero levar meu filho para estes três lugares: o hospital, a prisão e o cemitério. Ele está muito angustiado e com medo do futuro. Quem sabe, posso ensinar-lhe algo.

COMPARTILHE: