Campanha eleitoral (Hilton)
CAMPANHA ELEITORAL
Hilton Görresen
Nesta época, assistimos pela televisão centenas de candidatos, a maioria para nós desconhecidos, a jogarem no ar seus apressados discursos. Alguns são “macacos velhos”, buscando reeleição, outros são ingênuos bem ou mal intencionados, prometendo o que dificilmente poderão fazer. Parece que houve uma “democratização” das candidaturas, uma espécie de pegue e pague, ao alcance de qualquer consumidor. Todos pretendem dar sua contribuição à cidade. O pior, depois, é o vice-versa: a cidade dar sua contribuição a eles.
Isso me lembra uma história, não garanto que tenha mesmo acontecido. Após seis anos de casamento, tendo conhecimento de algumas “puladas de cerca” do marido, a mulher resolveu separar-se. Além do desgaste que isso provocava, tinha um problema maior: o marido iniciava campanha eleitoral, era candidato a vereador.
A cidade tinha algo de peculiar: a enorme colônia dos imigrantes de Glicéria, país quase desconhecido (duvido, leitor, que você tenha ouvido falar dele). Numerosa, a colônia tinha o poder de decidir uma eleição. E acontece que sua mulher era descendente de glicerinos ou glicerianos, sempre me confundo com esses gentílicos. Não podia separar-se antes de ocorrer a eleição. Estar desquitado, divorciado ou mesmo desamigado de uma integrante da colônia era fracasso na certa. Foi procurar a quase ex, implorou, fez promessas. Que deixasse a separação para depois, precisava acompanhá-lo nos comícios, dar uma palavrinha aos conterrâneos. A mulher acabou concordando. Ficava junto dele até o dia das eleições. Nem um dia a mais. E camas separadas.
Iniciaram a campanha: reuniões, visitas, entrega de santinhos.... Nos festejos em honra do fundador da colônia, aproveitaram para vender o seu peixe. A mulher foi muito aplaudida quando pediu a palavra. Houve um prolongado burburinho quando disse umas palavras em seu dialeto, apontando o ex-marido. Eta, mulher porreta! Levava jeito para se comunicar com os eleitores. Sentiu vontade de não concordar com a separação.
No entanto, perdeu feio as eleições. Ficou abaixo do candidato com menos chance. Motivo: no discurso, ela havia dito aos conterrâneos que ele era um “chilopaque”. Não esclareceu o que era chilopaque. Mas lhe disse claramente: acha que eu ia ajudar um sem-vergonha como você a ser vereador? Além do mais, meu novo love também era candidato.
TEXTO PUBLICADO NO JORNAL A GAZETA DE SBS EM 14.11.2020