Carnaval (Fiuza)

Carnaval

Sou brasileiro, de nascimento, língua, tradição e afeto. Já morei uns tempos fora, mas isso só aumentou minha brasilidade. Considero-me, então, “da gema”. Gosto de futebol, de MPB, de feijão-com-arroz, de literatura brasileira. Portanto, posso ficar à vontade para opinar sobre essa grande tradição da minha pátria: o carnaval.

Acho o carnaval uma coisa muito chata!

Não foi sempre que senti assim, eu até gostava da coisa. Em algumas fases de minha vida eu esperava com ansiedade a chegada daqueles dias de fevereiro. Lembro-me dos bailes infantis, como eu me divertia. Eram nas tardes de domingo e de terça, com o salão do clube cheio de pirralhos querendo brincar ou farrear. Ali aprendíamos a jogar serpentina e confete, que os malvadinhos jogavam na boca dos alegres cantantes. Os garotos poderosos, os que tinham lança-perfume, judiavam das meninas, gelando suas partes descobertas. Os mais sacanas passavam rasteira nos outros, mostrando quem mandava. Era então possível ter um bom momento, mas era preciso ficar atento!

No início da adolescência foi um período terrível, o pior deles. Com a voz desafinando, o bigodinho ralo e os hormônios aflorando, nós nos arriscávamos nos bailes noturnos. Existiam aqueles mais voltados para a nossa idade, mas já havia adulto no pedaço. Eram momentos frustrantes: salão superlotado, bandinha mandando ver as marchas da moda e nós ali, na caça. Nunca conseguíamos. As gatinhas eram todas dominadas pelos mais velhos. Os novos faziam duas rodas compactas em torno do salão e as meninas dançavam no meio, umas com as outras. Nós ficávamos esperando a vez de entrar na fila de dentro, mas quando conseguíamos, faltava coragem para abordar aquelas gatinhas, tão desinibidamente felizes. Ficávamos esperando demais a hora adequada do bote. Perdíamos sempre a vez.

A adolescência tardia foi a melhor fase. Aí descobrimos quem pegava aquelas meninas. Éramos nós! Foram alguns anos de reinado, em que íamos à caça, calibrados pelo cuba-libre e inevitavelmente nos dávamos bem. Acho que foi essa turma que deu fama ao carnaval: bebida, mulher e samba. Antes e sempre: mulher!

Depois veio outra fase terrível: ir brincar de carnaval com a namorada ou a esposa. Essa é de lascar. De um lado, não podíamos nem olhar para aquela colombina que passava nos paquerando de maneira tão descarada. De outro lado tínhamos que evitar o pierrô que, de maneira agressiva, assediava nosso par. Era duríssimo equilibrar entre as possibilidades de dar e a de levar uma surra.

A penúltima fase foi a de pai, tentando ensinar aos filhos como passar da segunda para a primeira roda e às filhas como escapar dos garanhões desalmados. Foi outro momento estarrecedor.

Finalmente vem uma fase longa, muito longa, em que ficamos em casa, incomodados com o barulho da vizinhança. Queremos ver os nossos programas de televisão e só achamos as chatices dos trio-elétricos baianos e dos desengonçados gigantes de Olinda. E como se não bastassem os intermináveis desfiles das escolas de samba cariocas, passamos a ter que assistir também as paulistas. Quero ver filme e futebol!

Quero mudar esta coisa. Vou criar um movimento para abolir o carnaval, um partido anti-folia!

Mas vamos manter o feriado, porque, afinal, ninguém é de ferro!

 

Ronald Fiuza

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