Cidades e pessoas felizes (Vieira)
Cidades e pessoas felizes para sempre
Tenho trabalhado sobre o tema qualidade de vida duradoura, procurando entender como pessoas e cidades podem ser felizes em longo termo.
Modernamente o “estar feliz” é mais entendido como uma emoção, que alguns preferem associar ao prazer, enquanto outroschamam de bem-estar ou qualidade de vida o “ser feliz”.
Várias e diferentes abordagens tem sido adotadas pela filosofia, pela psicologia, mas também pela religião e até pela política, na busca das causas da felicidade ou para definir que tipo de comportamento ou estilo de vida aumenta o nosso nível de felicidade. Um novo ramo da psicologia, a psicologia positiva, estuda as relações entre as emoções e atividades positivas e a felicidade, mais no sentido de sanidade mental.
Interessante é lembrar que, em termos de política pública, há mais de dois séculos a Revolução Francesa estabeleceu de forma precurssora, como uma de suas idéias centrais, que o objetivo da sociedade deve ser a obtenção da felicidade de seus cidadãos e,nada mais nada menos que a Declaração de Independência dos EUA, registra que “todo homem tem o direito inalienável à vida, à liberdade e à busca da felicidade” !
Mas a questão que surge é se seria possível ter felicidade duradoura no mundo de hoje.
Penso que dois aspectos fundamentais para responder a esta pergunta devem ser analisados necessariamente: a sobrevivencia da humanidade frente ao desenvolvimento insustentável que vem causando problemas ambientais de proporções mundiais e a sobrevivencia do ser humano inserido no atual modelo de vida que, pela adoção de uma escala de valores materialista, amplia as suas angustias, as suas desilusões e o seu sofrimento.
O jornalista Washington Novaes, quando esteve palestrando na Assembleia Legislativa, em Florianópolis, afirmou: “Não é precipitado dizer que vivemos uma crise dos padrões civilizatórios. Não se trata apenas de cuidar do meio ambiente, trata-se de não ultrapassar limites que ameaçam a vida no planeta”. Novaes repetiu a pregação de Kofi Annan, ex-secretário geral da ONU, dizendo que hoje o problema central da humanidade não está no terrorismo, como parece, e sim em mudanças climáticas e padrões insustentáveis de produção e consumo.
Na Câmara dos Deputados, tive a oportunidade de perguntar pessoalmnte ao conhecido e admirado líder espiritual e político do Tibete, Dalai Lama, o que mais lhe impressionou em tantos países, contatos e pessoas que encontrou. A resposta foi precisa: “De tudo que vi e ouvi, percebi que, em todos os lugares ou situações e em todas as nações que visitei, somos os mesmos seres humanos, sempre, e todos queremos ser felizes.” Mas adverte, no seu livro “Ética Para o Terceiro Milênio”, que “estranhamente, em paises de grande desenvolvimento material, apesar de toda a sua atividade e diligência, as pessoas são de certa forma menos satisfeitas , menos felizes e, até certo ponto, sofrem mais do que as que vivem em paises menos desenvolvidos.”
A solução apregoada ultimamente para evitar o esgotamento do planeta é que as pessoas, as empresas e os governos devem agir equilibrando o econômico, o social e o ambiental para garantir a infra-estrutura econômica (emprego e lucro), a sociedade (paz e integração) e a base naturall (fonte de recursos e biodiversidade).
Sem dúvida, estas condições materiais são essenciais para a busca fundamental da sobrevivencia, mas cada vez mais se torna evidente que não seremos felizes se não adicionarmos ao trinômio social-ambiental-econômico a dimensão psico-espiritual que olha também para o interior das pessoas e busca garantir os processos intelectuais, sentimentais e espirituais humanos (objetivos e valores).
Caude Cloninger considera que “felicidade” é a expressão que traduz a compreensão coerente e lúcida do mundo; ou seja: a felicidade autêntica requer uma maneira coerente de viver.
Fernando Pessoa falava que “não esqueço de que minha vida é a maior empresa do mundo. E que posso evitar que ela vá à falência.”.
Há mais, como disse minha filha Maria Carolina, com muita propriedade, numa visão espacial muito acertada: “...qualidade de vida é essa pirâmide de base quadrangular na qual em cada ponta estão as condições: biológicas, relacionais, profissionais,afetivo-espirituais, e a ponta lá em cima é a condição cultural, que gerará o olhar e o valor de cada coisa que trará felicidade.”
Assim, a pirâmide que pode guiar a busca da felicidade das cidades, analogamente, deverá considerar como bases as condições ambientais, sociais, econômicas e também as psico-espirituais.
Penso que os governos jamais terão sucesso atuando solitários nessas tarefas. Será preciso muita participação comunitária e tenho a convicção, depois de ter atuado no planejamento municipal e depois no legislativo estadual e federal por muitos anos, que as cidades se diferenciarão umas das outras em termos de qualidade de vida na proporção da ação e da responsabilidade solidária de seus habitantes. Os governos como os conhecemos atualmente, com sua estrutura hierárquica comparimentada, lentae sobrecarregada, atuando com recursos escassos, não conseguem enxergar e atender as necessidades de todos
Será necessário existir um outro “governo”, de baixo para cima, composto pelas pessoas e organizações com espírito solidário, para atender aos excluidos que o governo de cima para baixo não alcança e as situações que exigem o componente psico-espiritual,que só pessoas podem proporcionar a pessoas.
Clarice Linspector coloca em seu poema “Há Momentos”: “A felicidade aparece para aqueles que choram. Para aqueles que se machucam. Para aqueles que buscam e tentam sempre. E para aqueles que reconhecem a importância das pessoas que passam por suas vidas.”