Como e por que comecei a escrever
Tudo começou com a leitura (ninguém se torna escritor sem ter sido primeiro um leitor). Aprendi a ler muito cedo, por conta própria, revirando a cartilha deixada por uma empregada. Quando iniciei o curso primário já lia bem. Tirava de letra as palavras ditadas pela irmã nas aulas de linguagem no Colégio Stela Matutina. Lembro ainda, daquela época, os livros de história que ganhei em aniversários e na primeira comunhão. O primeiro livro que talvez tenha conseguido ler inteiro tinha o título “A cobrinha encantada”, presente de minha madrinha. Encantei-me com o menino Jorginho, filho de um chefe de ciganos acusado pelo desaparecimento da princesinha. O menino foi atrás e conseguiu inocentar o pai e livrá-lo da forca. Depois vieram “As viagens de Gulliver” e uma edição com as histórias de Bertoldo, um campônio tão feio quanto esperto, na corte dos Lombardos. Mais recentemente, soube que Bertoldo é um personagem consagrado na Itália.
Também desde muito jovem me interessei pelos livros deixados por meu avô – que não cheguei a conhecer – a maioria antologias de autores nacionais hoje esquecidos, mas que abundavam em sua época. Lembro-me da coleção Brasiliense, ou Brasiliana, de capas azuis, com textos de Gonçalves Dias e o discurso de Rui Barbosa no túmulo de Machado de Assis, puro parnasianismo que me encantou.
Devo acrescentar nisso, e muito especialmente, os gibis. A gente não só lia, mas vivia, as aventuras dos heróis do faroeste. Qual o garoto que na época não possuía um revólver de brinquedo para as brincadeiras de “camone”? Encontrava-se facilmente uma coleção denominada “Edição Maravilhosa”, que quadrinizava obras literárias, a exemplo de “Ivanhoé” e “Os Três Mosqueteiros”. Era meu gibi preferido, e assim entrei em contato com vários autores, principalmente romancistas do século 19. Em minha opinião, as histórias em quadrinhos de editoras credenciadas são aulas de bom português. Na adolescência, apaixonei-me pelos livrinhos de aventuras do “Coiote”, um herói californiano, imitação do Zorro. Li-os bastante, pois tinha um tio que colecionava esse livro.
Lia também as revistas de mistério “X-9” e “Meia Noite” compradas por meu pai e cheguei a ensaiar ingenuamente um conto de detetive. No ginásio, minhas matérias preferidas eram História Geral e Português, nessa ordem.
Na década de 1960, acompanhava no jornal as crônicas de Charles D’Olenger, com cujo estilo me identificava, e as de Henrique Pongetti, na revista Manchete. Aí pelos 17 anos lancei-me no estudo de português a fim de prestar concurso público, oportunidade em que pude adquirir uma boa base gramatical.
Até aí a escrita apenas se encontrava latente, em estado potencial. Para mim, escrever não é nenhum dom especial vindo do Alto, mas uma tendência pessoal, como a tendência para o esporte ou para a música. O escritor pode bater uma bolinha, mas dificilmente seria convocado para a seleção, assim como o jogador dificilmente escreveria um livro.
Devo dizer que, após aprovado em concurso, fui requisitado para dar aulas particulares. Com o parco dinheiro assim recebido, pude incrementar minhas leituras, com as poucas obras que encontrei numa recente livraria em São Chico, mas que felizmente eram de autores importantes, como Poe e Shakespeare.
Quando comecei a trabalhar, em Jaraguá do Sul, na metade da década de 1960, os colegas de serviço criaram um informativo a estêncil e achei que poderia colaborar com um texto. Devido ao clima de gozação que imperava em nossos “cafezinhos” e à certa exigência do estilo, só poderia sair um texto humorístico; todos se admiraram que aquele rapaz meio introvertido, de ascendência nórdica, pudesse fazer um texto de tal quilate (para a idade e para a época).
Depois de mais uma ou duas edições do informativo, sugeriram que enviasse um texto para o semanário local, o Correio do Povo. Admiti a ideia e preparei um texto baseado num fato acontecido com personagem da cidade. Não esperava que fizesse tanto sucesso, todos comentavam, queriam saber quem era o personagem (nossos personagens são um pouco de nós mesmos); com isso inaugurei provavelmente a função de cronista naquele semanário. Mas por pouco tempo, logo fui transferido do local.
Por isso, quando comentam que meus textos lembram os do Veríssimo, posso falar: os dele é que lembram os meus, pois comecei bem antes a publicar nesse estilo.
Alguns anos atrás, quando o Sr. Eugênio Schmökel, proprietário do jornal Correio do Povo, ainda vivia, estive em Jaraguá do Sul e consegui, de seus arquivos, cópia de meu primeiro texto, equivalente à moeda número um do tio Patinhas, denominado “O estranho amigo”.
Em 1968 iniciei o curso de Letras na recém-implantada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, em Joinville. Meu objetivo era cursar jornalismo, e para isso ensaiei um pedido de transferência para São Paulo. Às vezes fico pensando que rumos tomaria minha vida se isso fosse concretizado.
Nos exercícios de literatura, meus textos eram elogiados pelo Professor Celestino Sachet, que chegou a sugerir que os publicasse nos jornais. Enviei um texto ao jornal, não lembro se A Notícia ou o Jornal de Joinville, e foi publicado. Passei a enviar textos esporadicamente. Ao mesmo tempo, colaborava no informático “Acadêmico”, editado por Alcides Buss. Num dos números do informativo, apareceu um texto de humor muito apreciado pelos leitores, que o atribuíam a Millôr Fernandes. Quando o peguei para ler, coisa estranha, as palavras me vinham à mente antes de lê-las. Parecia que estava redigindo o texto naquela hora. Só aí descobri que se tratava de um dos textos que publicara no jornal em Jaraguá, uns dez anos antes.
Foi na faculdade que vim a me interessar pelas ciências da linguagem, como a Semântica e a Estilística, estudos que foram intensificados mais tarde num curso de Especialização em Língua Portuguesa. Foi nessa ocasião, ano de 1969, que fui convidado pela professora Iraci Schmidlin a participar das reuniões que visavam implantar a Academia Joinvilense de Letras.
Acompanhei o processo de instalação, mas não poderia, na época, tornar-me acadêmico, por não ter obra publicada e não residir ainda em Joinville (e possivelmente por ser muito jovem). Em 1972, quando do preenchimento das vagas na instalada academia, já morando em Joinville, recebi convite do presidente, Adolfo B. Schneider, para fazer parte do quadro acadêmico. No “renascimento” da Academia (2013), escolhi como patrono o brilhante conterrâneo Carlos da Costa Pereira.
Pelo final da década de 1970 já estava compartilhando uma página semanal em A Notícia com Carlos Adauto e Fernando Sabino e participando das últimas edições da revista Cordão. Foi em 1982 que estreei em livro, na antologia “Feira de Contos, ao lado de Davi Gonçalves, Germano Jacobs, Ives Paz e Luís Carlos Amorim, livro que teve uma continuação dez anos mais tarde, Outros Contos, de 1992. Foram épocas em que era difícil publicar livros em Joinville, cada lançamento era um acontecimento memorável.
Participei com textos sobre linguagem e comunicação nas primeiras edições do Anexo e posteriormente, além das crônicas, mantive a coluna “Mostrando a língua”, numa época de grande fertilidade. Nos anos 2000 é que iniciei a publicação dos até agora 8 livros, com a antologia de crônicas “Com humor se paga”. Consciente de que ainda tenho muito a aprender, continuo tentando me aprimorar, com estudos e leituras.