Corruptópolis(Marinaldo)
CORRUPTÓPOLIS
Marinaldo de Silva
Natanael queria ser vereador. Natanael queria ser deputado. Natanael queria ser presidente. Natanael queria ser rei, se fosse possível. Ele só não queria era alegoria. Natanael tinha pernas fracas, gostava de trabalhar sentado.
Natanael não acreditava em Papai Noel, mas queria que todo mundo acreditasse. Não acreditava em ladrão, diziam palavras conhecidas. Natanael queria seu nome repetido por aí, distribuía santinhos mesmo antes de filiar-se. Era afilhado de São Jorge, assistia novenas e tinha doutrina, conversava na esquina com a freguesia e o poste, adentrava em rinhas de galo, traduzia a “dolor” de Avalanche: nome do paraguaio lutador que queria ser seu sucessor, se um dia possível fosse.
Natanael era meio farsante, era filho de Falsário, amante de Madalena, irmã de sua mulher, primo de sua cunhada, ator de telenovela ainda não filmada, cria da Rua de Cima nascido na Rua de baixo. Natanael era fogo! Era como cordel. Com ele não tinha drama. Tinha poesia. Ele adorava a frase: A vaca vai com as outras. Nunca explicou o motivo. Não sou eu que darei essa canja.
Ele um dia deu certo. Comprou gravata borboleta. Tirou o umbigo do pano, guardado desde a atrofia. Promessa feita a São Jorge, paga numa igreja do interior de Minas. Agora era doutor, não cobraria mais conselhos! Só ainda não entendia como é que sairia das promessas que havia feito: ele principiante, aliou-se com este e aquilo, prometeu mundos e fundos, suprimiu ensinamentos, dos mandamentos, já tinha infringido 7, nunca me revelou quais foram, ou como ele diria: quais seram.
Em seu discurso de posse, disse assim:
“Povo desta cidade, livros eu li, extraí Eusípedes, desenhei triângulos, nos retângulos eu fiz as linhas retas, nos círculos as curvas, e chegará o dia em que serei visto como um gramofone…mas então, pergunto: o que eu tenho a ver com isso? Tenho ignomínia e zelos, fiz novelos de aventuras, saí de baixo dos cavalos, caí junto com estrelas, sou hedonista por natureza, e halterofilista de cruzes. Povo desta cidade, abrir-se-ão os monumentos, vamos juntos tracejar os pontos, até ver que desenho dá. Vamos ser pontes, acho bonito isso, ouvi uma professora dizendo pra um aluno. Vamos ser pontes! Se de madeira ou de concreto, dane-se, mas que pontes sejamos! Afinal, a família dos Pontes anos e anos sobrevivem de regalos. Sejamos então Pontes; seremos todos mal interpretados?
Povo desta cidade, minha amada cidade onde nasci, proponho fazer um brinde à costura, à usura, à falta de moldura. Façamos um brinde ao…cof…cof…cof…desculpe-me, eu quero dizer, façamos um brinde com coffee, essa marca difícil de falar que é produzida nesta região. Região de argento, de sonhos clepsidráticos, de ninhos claustrofóbicos, de parasitas anfíbios, de claustros insanus, de homo erectus, de lastros desapegados. Como eu amo esta minha terra, minha cidade! Aqui cresci, erva saindo do mato, peixe saindo do rio, pedra saindo do aquário, besta saindo do funil, cobra saindo da pele, gente saindo de dentro, pente saindo do bolso, rosto saindo de fora, nora saindo de casa, asa saindo do pescoço, vento saindo – esse eu fui morando aqui.
Agora quero ajudar. Prometo construir um pomar, fazer a árvore nascer primeiro que a semente, a corrente da água parar pra velhinha beber sossegada, fazer uma pomada que cure a dor de dente pra que o dentista descanse, alguém que balance o braço de quem tem que balançar a criança e esta pessoa está cansada, quero fazer o sol nascer sem se importar se está chovendo na esplanada, quero um coreto tocando sem parar uma zabumba na casa de quem tiver gato ou coelho, cachorro ou papagaio…lugar de bicho é no mato, a gente que é da cidade que se vire. Prometo também uma passagem pro Nordeste, outra pro Norte, pra vocês verem como o verão é fantástico no inverno, vou fazer um terno pra cada morador deixar guardado, tirar uma flor de cada latrina, porque estarei fazendo com amor a minha sina de hoje ser condecorado instalação, homem moderno, caco de vidro em salão de arte conceitual onde não entende o fraco quem é muito subalterno…
– Vamos embora Felipe, não entendo nada que esse merda fala.
– Os tempos são pós-modernos, maninho. A gente não precisa entender. Acho que se entender até piora, porque acho que quando a gente entende, desanda.