Crispim Lira e uma explosão de memórias (Raquel)

AINDA SOBRE CRISPIM MIRA E UMA EXPLOSÃO DE MEMÓRIAS

 Raquel S.Thiago

Ao ler o artigo “Minha pena é minha arma “sobre o jornalista joinvilense Crispim Mira, escrito e publicado pela acadêmica Maria Cristina Dias no site da Academia Joinvilense de Letras, fui assaltada por uma explosão de memórias, ancoradas no fato de ter sido o polêmico jornalista, objeto de excelente estudo apresentado como Dissertação de Mestrado por um amigo e colega do qual guardo gratas lembranças. Trata-se de Edmundo Vegini, irmão de dois outros professores, Davi e Valdir Vegini. Fui colega dos dois na UNIVILLE.   Edmundo fez sua carreira na UFSC.

Conheci Edmundo em Joinville no final dos anos sessenta quando, aos vinte e tantos anos voltava aos bancos escolares      buscando preencher o vazio que me atormentava em razão da falta de estudo e de um ambiente em que pudesse satisfazer minhas ainda modestas ambições intelectuais.

Em centros urbanos de pequeno porte como era Joinville na época, a educação da mulher, quando muito, chegava até o Curso Normal (atual Pedagogia) que as habilitava ao magistério no Curso Primário, assim chamado na época. Eram raras as exceções. Pouquíssimas se aventuravam a um curso superior nos grandes centros. Do meu tempo lembro de apenas uma.   Eu, nem o Normal fizera. Cursei até o ginasial no Colégio Bom Jesus da temida mas respeitadíssima professora Anna Maria Harger. Uma vez concluído o ginásio casei e tive duas filhas.

Edmundo, descendente de imigrantes italianos estava chegando em Joinville, egresso do seminário.  Não querendo ser padre, buscava iniciar sua vida profissional como professor e naquele tempo lecionava no Curso Madureza – atual Supletivo – que possibilitava a pessoas como eu recuperar o tempo perdido, completando o segundo grau em 1 ano. Estudiosa e com responsabilidades de mãe e dona de casa, completei o curso em dois anos. A título de memória:  foi com este curso que o Professor Guilherme Guimbala, fundador da ACE – Associação Catarinense de Ensino – iniciou sua trajetória na educação joinvilense.

Na época o Madureza oferecia duas opções: científico, para quem buscava iniciação em Ciências ditas exatas e o Clássico, destinado aos que optavam pelas Ciências Humanas. Seguindo minha inclinação para humanas, fiz o Clássico, onde conheci Edmundo na condição de professor de Espanhol, uma das opções do curso. Depois nos encontramos no Curso de História da Faculdade de Filosofia de Ciências e Letras de Joinville, recém fundada (1968).     Ficamos amigos para o resto da vida. Reencontramo-nos em Florianópolis no final de 1978 na UFSC quando ambos buscávamos no Mestrado o aperfeiçoamento necessário para a carreira no curso superior.

Fizemos o concurso   para o qual se apresentaram 30 candidatos para 10 vagas. Fomos aprovados e então lá fui eu de mala e cuia com as meninas morar na capital. Hoje em dia olho para trás e percebo o quanto fui corajosa … mudar de cidade, de vida, com duas filhas adolescentes…nem sei como dei conta. Para manter a casa tornei-me Representante Comercial da Editora ADCOAS – Advogados Associados, vendendo boletins jurídicos para advogados, trabalho que não me exigia horário fixo, permitindo-me frequentar as aulas na UFSC.  Confesso que foi um dos maiores desafios da minha vida…mas dei conta do recado, ganhando mais do que lecionando em três estabelecimentos em Joinville.

Devo dizer, sem falsa modéstia, que o Mestrado daquela época equivalia, na área de humanas, a um Doutorado na atualidade.  A dissertação era uma verdadeira tese, na qual tínhamos que apresentar “conhecimento novo” baseado em pesquisas que nos atormentavam, uma vez que os métodos exigidos nas humanas em nada diferiam daqueles exigidos para pesquisas nas exatas…

Coordenado pelo historiador Professor Dr. Walter F. Piazza –  a quem reverencio como o meu grande Mestre, apontando-me   caminhos, indicando arquivos quase insondáveis e obras teóricas de real valor –    o Mestrado da UFSC era muito rigoroso, uma vez que o curso havia sido implantado recentemente (década de 1970) e estava na mira do MEC para aprovação.

Nessa época o Professor Piazza estava muito interessado em dois aspectos da história de Santa Catarina: o primeiro era  a prática  política catarinense diante do cenário nacional nos 30 primeiros anos da República, a chamada República Velha, período em que se afirmaria a política de compromissos conhecida como Coronelismo ; o segundo mirava  a inserção de lusos brasileiros na trajetória da colônia germânica Dona Francisca e sua proeminência econômica e política no final do século dezenove até meados dos anos 1920. Havia poucos e rasos estudos sobre o assunto. Assim, sob sua influência e entusiasmados com a perspectiva de realizarmos um estudo até certo ponto original, Edmundo e eu enveredamos nos escaninhos desta história de luso-brasileiros e sua liderança numa colônia germânica.

Antes disso, o Professor Rufino Porfírio de Almeida, assim como Edmundo e eu, egresso do curso de história da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Joinville, também estimulado por Piazza, realizara estudo envolvendo a indústria ervateira e o poderio econômico de luso-brasileiros em Joinville. Em 1979 apresentou sua dissertação sob o título “Um Aspecto da Economia de Santa Catarina: A Indústria Ervateira. O Estudo da Companhia Industrial”, no qual tratou particularmente do aspecto econômico e contábil da empresa. A leitura deste trabalho levou-me a indagar: até que ponto chegava o poder político do grupo majoritário da Companhia Industrial?  Este grupo era formado especialmente por Procópio Gomes de Oliveira, Abdon Batista e Ernesto Canac. Na época quase nada se sabia a respeito.

Foi então que resolvi estudar a trajetória do médico baiano Abdon Baptista que comandaria a política em Joinville e Região durante   quarenta anos. Sob o título Um caso de liderança luso-brasileira na Região de Joinville: Abdon Batista – 1884-1922, apresentei a dissertação em outubro de 1983.

Em aprofundado estudo de mais de 400 páginas em papel A4, fonte Times New Roman, 12, espaço 2 e sob o título Personalidade Histórica de Crispim Mira e a Regeneração Nacional pela Ética Germânica do Trabalho (1880-1827), Vegini apresentou sua dissertação em 1984 no qual trata das diversas manifestações do conceito de trabalho encontradas no pensamento do jornalista.   Para Vegini  esta concepção tem suas origens diretamente vinculadas ao contexto sociocultural teuto-brasileiro onde Crispim nasceu e desenvolveu também suas percepções e experiências mais vitais da infância e juventude. Para tanto, lança   a hipótese da existência de uma relação íntima entre o caráter moral que se observa no decorrer da obra de Mira e o meio do qual brotaram os incentivos que a possibilitaram.

Assim, impactada pela explosão de memórias provocadas pela quase “exumação” de um personagem tão importante, busquei em minha já reduzida biblioteca o trabalho de Vegini, datilografado e incompleto.      Ao reler partes deste primoroso estudo que infelizmente nunca foi publicado, me animei a fazer resenha de alguns capítulos particularmente interessantes e que tratam, assim como sugeria Piazza, da inserção de luso-brasileiros no desenvolvimento de Joinville no início do século vinte.

Deste trabalho me ocuparei nos próximos dias e pretendo publicar no site da Academia    pela oportunidade do momento, inspirado pela minha colega acadêmica e jornalista Maria Cristina Dias.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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