De saco para mala (Hilton)

DE SACO PRA MALA

Hilton Görresen

Uma das palavras mais desprestigiadas do país é sem dúvida a palavra “saco”. Pelo que sei, é somente utilizada em sentido negativo. Quando o sujeito é chato, é geralmente um “saco” ou um “pé no saco”. Quando é aborrecido ou inconveniente está “enchendo o saco”. Quando se encontra inutilmente em estado de ócio, está “coçando o saco”. Quando pratica, social ou politicamente, o ato encomiástico (dirigir encômios, elogios a alguém) está simplesmente “puxando o saco”.
Os termos acima consignados são semelhantes, mas nem todos pertencem ao mesmo saco (sem trocadilhos). “Puxar o saco” proveio das hostes militares: quando um oficial se apresentava em uma unidade, vinha com uma pesada sacola com seus pertences. E sempre havia um recruta que se encarregava de livrá-lo da incômoda carga, puxando literalmente o saco do superior.
Do mesmo tipo de saco provieram “ser um saco” (ser incômodo) e “encher o saco”, aumentar a carga de aborrecimentos do próximo. Portanto, o saco nesses casos é contraparente de mala. Aliás, modernamente, a expressão “fulano é um saco” tem evoluído para “fulano é um mala”, pois já não se utilizam sacos para o transporte de bagagens. Houve, desse modo, uma mudança de saco pra mala. Para reforçar o grau da dificuldade de aguentar alguns sujeitos, a expressão foi ampliada para “mala sem alça”; aí sim, atingiu o ápice do transtorno.
No entanto, as malas mudaram de forma, hoje têm a forma vertical, com rodinhas, o que vem facilitar sobremaneira seu manuseio. Qualquer dama pode adentrar na rodoviária ou no aeroporto conduzindo graciosamente sua alentada bagagem apenas com uma pressãozinha das mãos. Nesse caso, o termo “mala sem alça” fica restrito àqueles que ainda insistem em conservar os velhos malões horizontais, como, até há poucos anos, este que vos escreve – que não imaginava a distância que se percorre nos aeroportos atualmente –, ou àqueles que não possuem meios para renovar seu “guarda-malas”.
Agora, coçar o saco é aquilo mesmo, refere-se ao movimento lento e cadenciado dos dedos no apêndice genital masculino. Por dedução, as integrantes do sexo feminino poderão às vezes até ser indelicadamente consideradas “um pé no saco”, mas nunca poderão coçar o dito apêndice, por terem nascido desprovidas dele. Insinuar que as mulheres poderiam muito bem coçar outra coisa seria indelicadeza do cronista.
Espero sinceramente não estar enchendo o saco do leitor com esta modesta contribuição para elucidar esta questão tão importante para a humanidade.
TEXTO PUBLICADO NO JORNAL A GAZETA DE SBS EM 11.05.2019

 

COMPARTILHE: