Discurso de apresentação do acadêmico Mário Cezar da Silveira (Bernadéte Shatz Costa)
Discurso de apresentação do acadêmico Mário Cezar da Silveira
Bernadéte Shatz Costa
Senhoras e senhores, autoridades que compõem a mesa, amigos acadêmicos e da Associação das Letras, e todos que nos assistem pela página do Facebook da AJL
Boa noite!
“A falha não deve ser uma decepção para aqueles de aceitam os desafios mais extremos e não se fixam no que é modestamente proporcional: ela é a régua graduada de nossos empreendimentos e não deve ser referida aos nossos sentimentos, nem usada como prova contra nossa realização, que afinal se compõe incessantemente de mil recomeços.”
Esta provocação de Ranier Maria Rilke, datada de janeiro de 1909, foi cuidadosamente escolhida para iniciar a apresentação de Mario Cezar da Silveira a qual entenderão melhor no esmiuçar deste relato.
Em seu primeiro livro Mário conta: “(…) mais uma vez, a vida teimava em alterar nossos planos. Como se não tivéssemos o direito de nos acomodar (…)”
Muitas lutas sucessivas se desenrolaram na vida de Mário, e não foi diferente quando ele e Célia, sua esposa, descobriram a gravidez. Carolina nasceu prematura, depois de um longo e difícil parto. Por pouco, muito pouco poderia não estar aqui entre nós hoje, comemorando esta homenagem a seu pai.
Praticamente um ano depois do nascimento de sua filha, em 1987, Mário recebeu o diagnóstico de “Paralisia cerebral”; todos os exames indicavam que, apesar dos estímulos, Carol poderia não andar… Mario se culpava, pois se o prognóstico se concretizasse ela não conseguiria entrar em nenhum edifício que ele havia projetado – Mário era um artista fazedor de escadas.
Os dias e meses que se seguiram foram de rejeição, fuga, ausência … decepção!
No entanto, Mário, com toda a sua força, aceitou o desafio extremo que a vida lhe impôs e— recomeçou. Naquela época não se falava em inclusão, em educação inclusiva, ou acessibilidade.
Sigo abordando um contexto histórico – após a Constituição de 1988, os caminhos se abriram e Mário iniciou sua “luta” pelos direitos das pessoas com deficiência, participando ativamente de Conferências Municipais, Estaduais e Nacionais. E para fortalecer seus argumentos se especializou em Acessibilidade, seus conceitos legais e normativos, e com isso, conseguiu integrar várias Comissões de estudos e melhorias, como a da que foi vitoriosa na aplicação do piso tátil.
Conheci Mário ao final de 2016, quando veio me procurar para ajudá-lo a editar seu primeiro livro aC…antes de Carolina, dC …depois de Carolina. Este projeto foi um empreendimento sem falhas. Com muitos desafios? Sim, como a vida, sempre um recomeço diário! No lançamento, em junho 2017, foram mais de 200 livros vendidos. Em 2018 duas surpresas com a obra: em março viraliza nas redes sociais, sendo compartilhada amplamente por milhões de espectadores da TV Globo, tendo grande repercussão nacional, após aparecer em reality show da emissora, esgotando a primeira tiragem. Em junho, do mesmo ano, o livro foi classificado no Edital Cocali — concurso estadual que distribuiu 300 livros de Mário, para as bibliotecas catarinenses. Agora, em 2025, esta mesma obra, em que Mário conta como ele estava de cabeça para baixo e não sabia! Mostrando que é possível recomeços — tronou-se um documentário.
Mesmo com a publicação do primeiro livro, Mário se mantém na luta pela acessibilidade, que se tornou seu propósito de vida e uma das ferramentas que ele tem usado para conscientização, é a de ministrar palestras e oficinas em cursos de arquitetura e engenharia, com o intuito de provocar nos estudantes a visão de responsabilidade para a construção de um mundo melhor para todos.
Para Mário, o Brasil evoluiu significativamente nas Leis de proteção e inclusão das pessoas com deficiência, mas o trabalho só começou e precisa ser ampliado, quebrando os paradigmas arraigados na sociedade, por isso o trabalho de Mário, em suas visitas nas escolas de ensino fundamental e médio é de extrema importância.
Quando perguntei a Mário qual o sentimento ao interagir com alunos da rede pública de ensino, levando sua história, a resposta foi:
— Cada vez que sou convidado para ir a uma escola, seja para ministrar palestras ou conversar com os alunos sobre inclusão, vejo uma porta se abrir, pois as crianças e jovens são os terrenos férteis para a mudança dos padrões, e, com elas, as sementes da inclusão florescem, para o desabrochar de um futuro sem preconceitos.
Suas palestras e oficinas, já ultrapassaram em muito os limites de Joinville e do Estado de Santa Catarina, chegando em cidades como Recife, Fortaleza, Teresina, Rio de Janeiro, São Paulo – em Alfaville, Cataguases, Itaperuna, Belo Horizonte, Pato Branco, Rio Grande, só para citar algumas fora do estado.
Com uma produção literária sólida, coerente e comprometida com os temas atuais, seu segundo livro “O que me Falta”, aborda o Alzheimer e o último, um infantil — “Piruá a galinha diferente”, tem como tema central a Síndrome de Down. Mário também demonstrou, ao longo dos anos, presença ativa na diretoria da Associação das Letras — entidade irmã da AJL, em três gestões , valorizando sobremaneira os projetos, eventos e ações de promoção da escrita e leitura que são desenvolvidos pela Associação. Mais do que produzir, Mario compartilha, estimula, constrói pontes, fomenta a leitura e a luta pela dignidade coletiva.
Além disso, também teve grande destaque, representando a Associação das Letras, como conselheiro do setorial do livro, leitura e Literatura, durante duas gestões do CNPC — Conselho Municipal de Política Cultural.
Sabemos que quando elegemos novos acadêmicos, não estamos apenas acolhendo trajetórias individuais, mas recebendo indivíduos que passarão a conviver, a integrar o espírito colaborativo e a cultura interna da AJL, pessoas que irão reverberar “ad aeternum” como membros efetivos, desta Casa de Amigos.
Certamente, estes são fatores para a escolha das cadeiras pelos candidatos. O que não foi diferente para Mário, quando da opção pela cadeira 35, que tem como patrono Robert Christian Barthold Avé-Lallemant e como membro fundador Cyro Ehlke, sucedido em 2017 por Ronald de Moura Fiuza, que nos deixou ao final de 2024. E como as coisas na vida fazem tanto sentido, a cadeira 35, pertencente ao saudoso acadêmico, foi escolhida por Mário, também, num gesto de gratidão.
Como editora das obras de Mário Cezar e Ronald Fiuza posso afirmar, sem nenhuma dúvida, que suas obras possuem surpreendentes ELOS, cada um ao seu estilo:
Em seu livro “Não sei e não saberei Jamais — questões eternas, respostas desafiadoras”, o Dr. Fiuza exercita sua hipótese no seguinte parágrafo:
“Afinal, o que nos distingue como humanos é a capacidade de pensar simbolicamente e de dar significado às coisas e às situações. Está, portanto, em nós, a possibilidade de atribuir significado à vida. Por tudo isto concluímos que o sentido da vida não deve ser procurado. Deve ser produzido”
Esta afirmação me leva ao approach com a escrita de Mário, quando leio no primeiro livro:
“(…). Já não importava mais o medo do pouso, pois o voo já lhe dera a possibilidade de ver o mundo por outra perspectiva. Já não importava mais o medo do pouso, o que importava mesmo era a experiência do voo. Não importava mais o pouso, pois aprendi que o medo do pouso não pode nos impedir de novos voos. Então percebi que todo antes tem um depois, que é uma consequência de como
E neste instante, é como se eu estivesse ouvindo o Dr. Fiuza falar com Mário:
“É no propósito, na significância e na coerência que a vida se enche de sentido.”
Mário, seja bem-vindo! Que sua chegada a esta Casa de Amigos encha sua vida de sentido e a nossa casa de mais vida; porque afinal a vida “se compõe incessantemente de mil recomeços”.
Muito obrigada,