Discurso de posse na Academia Joinvilense de Letras (Mário Cezar da Silveira)
Discurso posse na Academia Joinvilense de Letras
Mário Cezar da Silveira
Cumprimento o ilustre presidente da Academia Joinvilense de Letras Onévio Antônio Zabot, e ao fazê-lo, saúdo os demais acadêmicos e a todos os presentes.
Neste momento, em que assumo a honrosa condição de membro da Academia Joinvilense de Letras, da qual já pertenceram e pertencem nomes significativos da literatura e da história cultural de Joinville, quero agradecer essa honraria que estão me concedendo em ocupar a cadeira 35, do Patrono Robert Avé-Lallemant e suceder o saudoso amigo Ronald Fiúza, que espero honrar com uma participação proativa e produtiva como obreiro da cultura.
Nasci em Joinville, mas os caminhos da vida me levaram a morar em Brasília, São Paulo, Belo Horizonte, Manaus e em uma cidadezinha do interior de Minas, Pitangui, por coincidência onde também viveu Ronald Fiuza.
Confesso que nunca almejei ser um acadêmico. Confesso ainda que nunca almejei nem mesmo ser um escritor.
Hoje tenho consciência que os caminhos que me trouxeram até aqui são cheios de coincidências, que começaram a ser traçados em 1987, quando nossa filha Carolina nasceu, em Manaus, e foi vitimada por uma paralisia cerebral.
Esse fato inesperado trouxe inicialmente um luto, pois os pais nunca estão preparados para um diagnóstico atípico de seus filhos. Ao encarar essa realidade tivemos que tomar decisões onde o amor tinha que ser mais forte que os prognósticos incertos sobre o futuro. Assim, depois de muitos erros em busca de cura e de uma ilusória, “normalidade”, fomos nos conscientizando de que o ideal seria lutar para que Carolina fosse o melhor que ela pudesse ser, sem compará-la com ninguém.
De início gastamos nossa energia trabalhando para que ela andasse, como se não andar significasse não ter capacidade de ir, até que tomamos consciência que “não são as pernas que nos levam, o que nos leva é o desejo de ir”. Então, começamos a trabalhar para que ela fosse provocada no desejo de ir, da forma que pudesse fazê-lo.
A partir daí as coisas começaram a ficar mais claras e cada pequeno avanço era comemorado como se fosse uma grande vitória. Entendi que as barreiras que ela enfrentaria não estariam ligadas às sequelas da paralisia cerebral, e sim, às barreiras da acessibilidade física e, principalmente, às barreiras atitudinais de uma sociedade despreparada para lidar com as diferenças.
Comecei então a ter clareza quanto aos caminhos que tinha que seguir e que a “vida nos impõe caminhos, mas nós escolhemos o caminhar”.
Entendi que precisava me aprofundar na luta pelas pessoas com deficiência, percebendo que cada vitória coletiva seria uma vitória também para Carolina. Me especializei em acessibilidade, nos conceitos de Desenho Universal e comecei a fazer palestras sobre o tema.
Das escolas vieram os convites para palestrar sobre educação inclusiva. Dos cursos de arquitetura e engenharia vieram os convites para falar sobre acessibilidade e as obrigações jurídicas, éticas e normativas dos profissionais.
Assim virei um palestrante com o objetivo de provocar a quebra dos paradigmas na inclusão das pessoas com deficiência.
Em 2010, quando Carolina se formou em Psicologia, superando positivamente todos os prognósticos médicos e depois de já ter feito uma série de esportes radicais, como rapel, rafting, bungee jump, parapente e paraquedas, achei que poderia escrever um livro que tivesse como objetivo ajudar os pais de filhos com diagnósticos de crianças atípicas.
Escrevi e apaguei infinitas vezes por não achar o caminho, pois sempre pareciam narrativas de um livro de autoajuda, decidi então que o ideal seria escrever um romance.
Assim nasceu “a.C., d.C., …antes da Carolina, …depois da Carolina, um romance narrativo com o intuito de provocar o pensar, principalmente, sobre os erros cometidos e os aprendizados que Carolina nos proporcionou.
O rascunho estava pronto, mas faltava conhecimento de como torná-lo num livro real.
E, vejam só a coincidência. Foi aqui nesta casa, em 2016, em um evento da Academia Joinvilense de Letras, em parceria com a Associação da Letras, que tinha como objetivo orientar novos escritores, que conheci a editora, hoje acadêmica, Bernadéte Schatz Costa, que trabalhou para editar meu livro.
Mas, mesmo com o livro nas mãos, ainda não me sentia escritor, eu era simplesmente um sujeito que lançara um livro.
No seu lançamento, na Feira do Livro de 2017, aconteceu um fato que, pela primeira vez me fez sentir um escritor. Uma criança, após me ouvir contar a história do meu romance, pediu ao seu professor para comprá-lo para a biblioteca.
Nesse momento meu coração se aqueceu, pois percebi que minha obra na biblioteca da escola me imortalizava, entendendo que mesmo depois da minha morte o livro estaria ali a perpetuar minha história.
Mas, junto com esse sentimento, veio a insegurança quanto à qualidade dos meus escritos, pois uma coisa é escrever um livro, outra coisa é a responsabilidade e a qualidade literária.
Com o aumento das vendas, vieram os elogios, a autoconfiança e a necessidade de continuar escrevendo. Exercitei meu aprendizado participando de algumas antologias da Associação das Letras.
Comecei a planejar novos escritos que tivessem como pano de fundo, provocativos à acessibilidade. Nasceu assim meu segundo romance, O QUE ME FALTA…, onde a acessibilidade aparece sutilmente para provocar o pensar nas barreiras físicas que deixamos de herança para nosso envelhecer.
E agora, na recém finda Feira do Livro de Joinville, lancei meu primeiro livro infantil “Piruá – a galinha diferente”, com a história de uma galinha com Síndrome de Down que não consegue pôr ovos ovais. Esse livro nasceu da percepção de que é na infância que se constroem os valores da sociedade.
Minha inscrição para ocupar uma cadeira na AJL veio depois de alguns convites de amigos acadêmicos, mas eu sempre negava por achar que ainda não estava maduro como escritor.
O aceite veio com outra coincidência, quando soube que era a cadeira do amigo Ronald Fiúza, que por muitos anos foi neurologista da nossa filha.
Ele nasceu em Belo Horizonte, mas, seu pai, farmacêutico, instalou-se profissionalmente na cidade de Pitangui, no interior de Minas, onde Ronald passou parte de sua infância e adolescência. Por coincidência, Pitangui, como citei no início, foi uma cidade onde moramos por quase um ano. Sua convivência com o pai na farmácia, acendeu o desejo pela medicina e o fez voltar a Belo Horizonte, onde fez seus estudos acadêmicos e a residência em Neurologia. Mudou-se para Joinville em 1973, um jovem de 25 anos sedento de conhecimento.
Fez especialização em Neurocirurgia em Munique e mestrado em Neurociência em Barcelona. Morou um tempo em Munique, mas ao voltar para o Brasil escolheu Joinville para morar e virou Joinvilense. Fez ainda, pós-graduação em Administração Hospitalar e pós-graduação em Terapia Cognitivo-comportamental, em São Paulo.
Em Joinville viveu a medicina em tempo integral. Viveu medicina, leu medicina, respirou medicina. Virou um Joinvilense que falava uai, comedor de Tutu de feijão, de pão de queijo, hackepeter e que aprendeu a falar alemão e a torcer pelo JEC.
Foi presidente da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia e membro da Academia Catarinense de Medicina. Foi ainda Secretário de Estado da Saúde de Santa Catarina.
Delegado brasileiro junto às Federações Mundial e Latino-americana de Neurocirurgia, Presidente do Departamento de Neurologia e Neurocirurgia da ACM, Diretor superintendente e clínico do Hospital São José de Joinville, Presidente da Associação de Hospitais do Estado de Santa Catarina, Vice-presidente da Federação Brasileira de Hospitais, Membro de 15 sociedades científicas, sendo 4 internacionais. Organizador de 12 congressos, sendo 4 como presidente. Mais de 90 trabalhos científicos produzidos.
Participação em 27 congressos e cursos internacionais, e em 135 congressos e cursos no Brasil; estágios diversos no Brasil, Alemanha, Suíça, EUA, Japão e Inglaterra.
Foi diretor e conselheiro de associações, cooperativas, fundações e hospitais e recebeu homenagens da comunidade, do poder público e de sociedades científicas.
Diante desse currículo sinto-me pequeno e com uma responsabilidade imensurável ao ocupar esta cadeira, pesando ainda mais ao saber que a inauguração da AJL, realizada nos salões desta casa em 1969, contou com a honrosa presença do escritor Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, representando a Academia Brasileira de Letras.
Cyro Ehlke, o primeiro ocupante desta cadeira, se destacou como pesquisador da saga dos bandeirantes e tropeiros no planalto catarinense, detalhando minuciosamente a ocupação do Contestado.
Em Joinville, com o confrade Apolinário Ternes, publicou importante síntese sobre a fundação e povoamento de Joinville. Apesar de ter nascido em Canoinhas, foi em Joinville que construiu sua história como advogado e professor. Além disso sempre foi encantado pela escrita e se dedicava com paixão às atividades culturais, e às pesquisas e divulgação histórica.
O acadêmico, Cyro Ehlke deixou seu legado na história de nossa cidade tendo sua dedicação reconhecida, sendo homenageado como nome de rua. Destaco algumas obras e trabalhos:
– A conquista do Planalto Catarinense.
– Estudo sobre a fundação e povoamento de Joinville – esse em parceria com Apolinário Ternes.
– Artigos e publicações sobre a história regional
Cyro Ehlke foi responsável pela escolha do médico Dr. Robert Avé-Lallemant como patrono da cadeira 35 da Academia Joinvilense de Letras, que assim como ele, se destacou como pesquisador.
Avé-Lallemant, nascido na Alemanha, onde formou-se em medicina, estabeleceu-se no Brasil em 1836, como médico no Rio de Janeiro. Alguns anos depois foi diretor de um sanatório para doentes de febre amarela. Foi então convocado para trabalhar no conselho de saúde do império.
Foi convidado por Alexander Von Humboldt para participar da expedição Novara, uma expedição literária sobre o Brasil. Avé-Lallemant abandonou a expedição no Rio de Janeiro.
Passou então a viajar sozinho por expedições apoiadas pessoalmente por D. Pedro II. Fez longas viagens pelo Brasil, do Rio Grande do Sul à Amazônia.
Entre suas obras destacam-se:
– Viagens pelo sul do Brasil – Volumes 1 e 2
– Viagem pela província do Rio Grande do Sul
– Viagem pelas províncias de Santa Catarina, Paraná e São Paulo.
Antes de encerrar falo de mais uma coincidência que trouxe a mim e a Carolina até este momento. A preparação de acessibilidade física nesta edificação centenária, que de início era uma luta pessoal minha, que se tornou coletiva quando o Dr. Álvaro Cauduro tornou acessibilidade como seu propósito.
Agradeço a ele em nome da minha filha e de todas as pessoas que agora podem fazer usufruto da Harmonia Lyra com autonomia e independência.
Encerro com uma frase do meu livro a.C., d.C., e que foi o mantra que me orientou neste caminho.
…”pois agora entendi que ser diferente é o que nos torna únicos, visíveis, senão seríamos só mais um, invisíveis, num monótono infinito de iguais”.
Obrigado.