Discurso de Posse na Academia Joinvilense de Letras (Valmir Neitsch)

 

Discurso de Posse na Academia Joinvilense de Letras

Valmir Neitsch

 

Excelentíssima senhora presidente Maria Cristina Dias, em seu nome saúdo a todos os membros da Academia Joinvilense de Letras, que tão generosamente me recepcionam neste admirável grupo. Também saúdo nesta oportunidade meu amigo, o poeta e vice-presidente desta casa, Onévio Antônio Zabot, que já me deu a honra de publicar um poema meu em um de seus livros.

Cumprimento também …. AUTORIDADES presentes. Meus amigos da Associação das Letras e da Confraria do Escritor que aqui estão e todos os presentes nessa noite que para mim é histórica.

 

Celebro a presença de minhas queridas filhas; Laura, que cuida das questões logísticas, e Joana que me apoia no pensamento literário. Meus genros Alexandre Junior e Samuel. Meus mais tenros frutos, os netos Clarice e Benjamin. E meus filhos do coração, Jefferson, Jessica e Jeová. E a minha companheira de uma vida toda, que acredita em meus sonhos mais do que eu mesmo, Maria Lúcia.

Peço licença para fazer uma saudação especial à minha família estendida na pessoa da decana desta casa, minha querida tia Else Sant’Anna Brum, referência literária na cidade e um orgulho para a nossa família.

Senhoras e senhores, muito me honra ingressar nesta academia ao lado do dr. Álvaro Cauduro, que tem tão singular trajetória com a cultura da nossa cidade, presidente desta tradicional e majestosa casa, no coração de Joinville, em que estamos reunidos, a Sociedade Harmonia Lyra. E que alegria contar com a companhia de Ernani Buchmann, joinvilense radicado em Curitiba, onde um dos meus mais profundos laços, uma filha no caso, encontrou-se com ele nos caminhos na atuação profissional e cultural.

Acredito que não nos tornamos imortais, somos imortalizados. E não é apenas pelo que escrevemos, mas por aqueles que nos leem, nos citam, nos declamam.

Por isso, não posso deixar de me lembrar dos que vieram antes.

O jornalista Herculano Vicenzi, meu antecessor na cadeira 18, era reconhecido por sua profunda cultura e pela habilidade em descrever a vida na zona rural de Joinville, em sintonia com suas raízes. Tamanha foi sua habilidade com os colonos, que um colega chegou a apelidá-lo de “Hercolono”. Me identifiquei ao saber disso, porque também trago em minha escrita uma forte influência das minhas raízes. No meu caso, o bairro Itaum. Espero fazer jus à tradição.

Voltando um pouco mais longe na história, gostaria de homenagear o patrono desta cadeira, escolhido pelo acadêmico fundador Pedro Torrens. Jeronimo Francisco Coelho foi jornalista, engenheiro, militar e político catarinense. Conhecido como fundador da imprensa de nosso estado, ele foi autor do primeiro mapa de Joinville. Natural de Laguna, esteve em nossa cidade de 1845 a 1846 para demarcação do dote da princesa Dona Francisca.

Confesso que essa conexão que agora se forma com tamanha figura histórica é um tanto intimidadora. Com o perdão da rima simples, ele era ligado à monarquia. E eu? Sou apenas… Apenas? Ligado à poesia.

Mas a palavra, as letras nos conectam.

E, por falar em conexão, hoje também me reconecto com uma fase da minha vida em que o escrever, por vezes tão solitário, se fez coletivo em verso. Dormíamos alquimia e acordávamos Zaragata, como escrevi à época. E hoje vivo um reencontro com meu amigo e agora confrade Marinaldo de Silva e Silva. Integramos o grupo de poetas Zaragata na década de 1990, com tantos outros amigos de uma vida, como Dunia de Freitas, Rita de Cássia Alves e Rubens da Cunha. Obrigado por tão calorosa recepção.

Meus caros, ao me preparar para tomar parte na Academia Joinvilense de Letras, refleti sobre a riqueza de experiências dos, agora, meus confrades. E, como disse antes, fiquei a pensar no que há em comum entre um militar e político do Século 19, um jornalista que escreve sobre realidade da vida rural e um poetinha do Itaum. Aliás essa alcunha recebi de um amigo e aceitei não vendo nada de pejorativo no diminutivo, mas sentindo que bem representa minha escrita despretensiosa e o carinho e intimidade que tenho com meu bairro.

Pois bem, o que temos em comum? Uma cadeira? Um número?

Ouso dizer que é mais do que isso.

Distantes no tempo, distintos na realidade, somos ligados por letras, palavras, livros.

Estamos correlacionados, não só os da cadeira 18, mas todos aqui presentes pela escrita.

Conectados, não só por telas, como é cada vez mais usual. Nossos laços se fazem, no papel, no verbo, no olhar, na atmosfera.

Vencedora do Prêmio Machado de Assis e do Prêmio Camões neste ano, a poeta Adélia Prado – e aqui presto minha singela homenagem – descreveu com maestria como a poesia nos envolve. Ela escreveu:

“Entender é um rapto,
é o mesmo que desentender.

[…]

Entender me sequestra de palavra e de coisa,
arremessa-me ao coração da poesia.”

 

E assim, arremessado ao coração da poesia, fui guiado pelas letras ao longo da vida.

Minha primeira declamação não foi assim tão gloriosa. A professora Terezinha me colocou ao microfone para recitar “…” e os autofalantes da Escola Monsenhor Sebastião Scarzello, que apontavam para o Itaum e o Guanabara, espalharam também meu soluço e choro de nervoso.

Insisti.

Jovem, me tornei Capim, um apelido bem-humorado que o Compadre João Fachini me deu em alusão ao meu porte atlético. A brincadeira virou parte marcante da minha identidade.

Já ousando ser poeta Capim, me recordo do dia silencioso em que Tancredo Neves morreu. Em Fortaleza, onde morei no início do relacionamento com minha companheira Lúcia, cruzei o centro da cidade vazio, sentei-me à mesa de trabalho e escrevi: “Mas hoje, ainda hoje, teimosamente irei me procurar entre a multidão e ousarei desviar meu caminho”.

E desviei muitas vezes. Vivi intensamente a aventura de uma geração que lutou pela democracia, não só a protocolar, mas a democracia da solidariedade. Acreditei como um poeta.

Daquela época em que havia perigo na esquina para nós que éramos jovens, registrei:

“Panfletávamos a angústia,

pichávamos a opressão!

[…]

Éramos vermelhos buscando o azul.

Éramos porque fui me buscar e

acabei esquecendo de mim.”

 

Vivi desventuras de encontrar o obscuro do ser humano e de ser humano em diferentes matizes ideológicas. Desacreditei como um poeta.

Mudei, dei voltas, mas permaneci. Neste mesmo corpo, da espessura de um Capim, mas mais teimoso do que erva daninha. Pois, como diz Mario Quintana, “Não importa que a tenham demolido. A gente continua morando na velha casa em que nasceu.”

Se a política foi um meio de me colocar no mundo ao longo da minha vida. A arte foi sempre o modo de me reencontrar. Filho de operários, aprendi que cultura não é privilégio, é necessidade básica. Com este lema, trabalhei nos bairros mais periféricos de Joinville com a Caravana da Cultura questionando do que as pessoas tinham fome. E aprendi que poesia também se faz na prática.

No teatro, com as pessoas da Associação dos Deficientes Físicos de Joinville e com as pessoas do Universo Down, aprendi que a arte é uma só e que a inclusão não é alternativa em uma prateleira de valores da moda. É permitir sempre a todos fazerem parte do todo.

“Somos personagens ou não?”, questionamos nos palcos dessa cidade.

Homenageio aqui esses rostos e nomes desconhecidos, personas, pessoas, artistas e poetas em suas lutas diárias.

Nós que recorremos às letras como meio de transbordar a existência nos vemos, por vezes, como escreveu Drummond, “com apenas duas mãos e os sentimentos do mundo”. O que fazer se não escrever?

Ser imortal, é uma honra. Mas, mais do que honra, uma imensa alegria saber que entre confrades, nossa história segue sendo escrita. Disseram que neste pronunciamento poderia expressar minhas emoções. E venho tentando ao fazer ao longo desses minutos. Mas, como todos já sabem, melhor do que em protocolos, o faço em poesia:

Ávido por dizer…

 

Encontrarão na minha imortalidade tudo que almejei e não vivi: enguiços, desperdícios descabidos, lutas, lutos, achados e perdidos.

Insisti!

Encontrarão na minha imortalidade o que era simplicidade, ingenuidade, ternura e doçura pertencentes a uma época que amei, ganhei e perdi.

Tão sonhadas apostas, ora poesia, ora prosa.

Na roleta dos dias, as horas.

Cada segunda, segundos.

De quebra, domingo para fugir.

Observarão minha imortalidade colidindo com a sorte, zombaria da morte.

Facilitei e morri?

Investigarão minha imortalidade. Escrevi pouco, é verdade, mas trouxe-me até aqui.

Imperei, resisti.

 

Muito obrigado

Valmir Capim Neitsch

09 de julho de 2024

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