Do coronavírus e do riso (Raquel)

Do Corona Vírus e do Riso

Raquel S. Thiago 

(Diante dos horrores da pandemia do corona vírus e suas variantes, e a insistência do povo em divertir-se a todo custo, achei conveniente publicar parte de um dos artigos do meu livro opiniões, memórias e reflexões.)

Luigi Pirandello (1867-1936) analisou o riso e descobriu sua faceta crítica, a possibilidade de olhar profundamente a condição humana: Tateou-se por muito tempo por não saber o que era melhor, nem o que era pior, até que começaram a aparecer (…) os aspectos dolorosos da alegria e os aspectos risíveis da dor humana

Mikahil Bakhtin [1885-1875], interpreta as possibilidades da carnavalização e do riso nessas situações como desmascaradores da cultura oficial, da polícia, das restrições.  Para este autor, ao contrário da festa oficial, o carnaval é o triunfo de uma espécie de liberação temporária da verdade dominante de transgressão e eu completaria, da doença, da tragédia.

Assim como o riso e o festejo foram contraponto da tragédia da Peste Negra no século catorze, no Rio de Janeiro do século vinte esta situação se repete. O Carnaval de 1919 ficou na história como um dos mais animados que o Rio de Janeiro já teve, o primeiro depois da Gripe Espanhola [Santos 2006]. Nelson Rodrigues [1912-1980] em suas memórias não só relata, como faz profunda reflexão sobre as mudanças nos costumes e padrões morais ocorridos naquela circunstância: começou o carnaval e, de repente, da noite para o dia, usos, costumes e pudores tornaram-se antigos, obsoletos, espectrais. As pessoas usavam a mesma cara, o mesmo feitio de nariz, o mesmo chapéu, a mesma bengala (…). Mas algo mudara … A Espanhola trouxera no ventre costumes jamais sonhados…Desde as primeiras horas de sábado, houve uma obscenidade súbita, nunca vista, e que contaminou toda a cidade

Eis um trecho de uma das músicas cantadas naquele Carnaval, que certamente expressam bem mais do que uma simples manifestação de alegria:  Assim é que é/Viva a folia / Viva Momo – Viva a Troça! / Não há tristeza que possa/Suportar tanta alegria/ Quem morreu da Espanhola/Quem dela pode escapar/Não dá mais tratos à bola/Toca a rir/ Toca a brincar.

Tudo a ver com os acontecimentos da atualidade.

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