E não havia lua no céu de Quadrínculo (David Gonçalves)
E NÃO HAVIA LUA NO CÉU DE QUADRÍNCULO
David Gonçalves
Fomos no casamento: o pai, Eufrásio, Érica e Adolfo. Havia muita gente na festa. Colonos reunidos. As barracas de lona cobriam os terreirões de café. O noivo era magro e alto; a noiva, baixa e gorda. O sanfoneiro, acompanhado do pandeiro e do violão, alegrava a solidão de cada um. Estávamos no canto. O pai, com os vizinhos, bebendo muito. Da festa, quem mais gritava “viva os noivos!”, era ele. Gritava e engolia a cerveja. Mas, no meio da festa, o velho ficou mudo, olhos estalados. Chamei Adolfo; Adolfo chamou Eufrásio; Eufrásio puxou dos cantos a Érica. Ficamos olhando o pai. Estava estalado, mas ainda bebia muito. Cheguei perto do velho e disse, resoluto:
– Vamos embora, pai.
Não retrucou. Saímos sem nos despedir. Pelos caminhos lembramos muito da mãe. Mulher bonita, cabelos compridos. O pai ainda conservava uma fotografia amarelada no fundo do guarda-roupa. Morrera cedo, envenenada. Ninguém sabia até hoje porque bebera veneno. Talvez, o pai… Ela estava dentro de nós como o caroço dentro da fruta.
Era mais de meia-noite quando chegamos em casa. Os cachorros vieram lamber o pai. Mas ele pegou de um cacete e judiou dos animais. Quando entramos em casa, ele foi na despensa. Retirou da prateleira o garrafão de cachaça e emborcou várias vezes. Eufrásio, Érica e Adolfo, enfim nós, pulamos nele para tomar o garrafão. Ele nos empurrou, grunhindo. Sentado na varanda, parecia um cara doido. No céu, nada de lua, muito menos estrelas.
Na cozinha, enquanto a Érica fazia café forte no fogão a lenha, Adolfo e Eufrásio estavam assustados. Ninguém conversava: ar pesado, a sombra da mãe pairando. Não aguentando o clima, saí porta afora. Levei um susto: o pai estava pelado na varanda. Gaguejei:
– Que é isso, pai?
Não me respondeu.
– Que é isso, pai?
Daí, ele me olhou. Olhos pingando fogo. As palavras foram duras, machucaram:
– O homem é barro podre!
Eu não disse mais nada. Chamei os manos. Petrificados, a voz entalada, estavam mudos também, petrificados. Érica saiu correndo e trouxe um lençol. Embrulhamos o pai num lençol e o conduzimos ao quarto. Nesta noite, o pai chorou e nos contou que tinha matado a mãe.