📕 Elizabeth (Marinaldo)

TEXTO-PRESENTE para Elizabeth Mendonça Fontes

Marinaldo de Silva e Silva

“Planto as sementes como quem planta os afetos antigos, com cuidado e silêncio como fosse algo sagrado. Revolvo a terra como a perguntar-me pelas lembranças da infância tão rica de saberes, de contos e prosas à beira do fogão a lenha com suas panelas de ferro. Trago a água e molho o plantio, reverenciando a ausência das mãos que outrora faziam o mesmo ritual. Fecho a porta do quintal. Espanto o cachorro. Dou uma olhada no tempo pra ver se não aparecem os pardais. Cultivo o silêncio com um último olhar no céu. Entro a passos lentos na casa e busco a cadeira de balanço, olhando pela fresta da porta, o recém-canteiro. E na minha saudade, planto todos os meus prantos, para ver se ainda floresce, pelo menos, aquele resto de poesia…”

Enquanto eu buscava o raio que finjo adentrar em mim quando escrevo sobre o trovão, encontrei uma flor que custa aparecer em mim, no seio do coração. A questão do aparecimento eu posso compartilhar, a questão do custar, eu prefiro deixar em aberto para que vire lenda. O fato, é que ao procurar por uma fonte para adentrar numa fenda, encontrei uma flor, dessas bem conservadas por uma linda jardineira. Na memória de minha busca em escrever sobre a vez primeira em que vi com as cores da natureza, fazendo-me ouvir a sua flauta que tocava o som de uma mantiqueira, como nunca antes, cheguei até Beth, e fontes. Lembrei, nesta tentativa em escrever sobre alguém que vi tão pouco, e que por isso, quase nunca vi, dum labirinto de prateleiras, de escadas armadas em madeira, lembrei de dois andares cheios de livros, lembrei de cheiro de mofo misturado com caligrafia, lembrei de sons de agulhas girando por sobre os discos, lembrei de uma porção de gente esquisita (é meio esquisito ser feliz (?)), lembrei de um poeta que eu nunca tinha visto, lembrei que ouvi, entre Focaults, Saramagos, gibis da Hanna Barbera e algumas mulheres puerilmente despidas em capas de revistas eróticas dos anos 60, o som de uma flauta que vinha entrecortada por uma voz que era de uma mulher, mas poderia ser, de uma andorinha. Estava na Livraria O Sebo, isso entre 2015 e hoje, uma senhora de cabelos rosados ao lado de uma outra mais fortinha faziam a recepção. Dei boa noite a elas, fui adentrando de mansinho, me aproximando devagarinho do som da flauta doce tocada na boca doce que se abrir por um doce coração. Era como ter chegado em cima de vários montes e apreciar a vista: lá estava Beth Fontes. Falava da história da sua bibliografia, da História de uma Aquarela, falava Sobre os Jardins! E quando se comunicava com a música, com a poesia, com a contação de histórias que é parte de suas maneiras, também falava sobre nós, também falava sobre si, também falava sobre mim… Elisabeth Fontes, nossa La Fontaine, vem de um lugar parece saído de um livro encantado para viver nesse outro lugar em que vivemos, meio cidade-ribalta, cidades dos Era-Uma-Vez, já que temos príncipes, princesas, carruagens, altezas árvores, selvagens, amigos, sondagens, desbravadores. Vinda de Leopoldina, a menina das Fontes com nome de rainha anglicana, apresenta curiosidades. Se lermos sobre sua terra, descobriremos que antigamente, lá muito que antigamente, era forrada de índios Puris, que cansados de serem explorados, se debandaram para o Espírito Santo. Descobriremos que ela ficava nos conhecidos “Sertões do Leste”, hoje a famosa Zona da Mata. Mais um pouquinho, saberemos que Leopoldina, homenagem a uma das antigas princesas do Brasil, já foi São Sebastião do Feijão Cru. Avançando um pouquinho no tempo, encontraremos, brincando na década de 1970, uma pequena Betinha, ou uma pequena Elisa, uma pequena Elisabeth, cheia de cordas, notas, hinos, sons, folguedos, fontes. Parece que a vejo assoviando nas campinas. Parece que a vejo, menina, brincando de ser mulher, andando de sapato maior que seus pés, fazendo comidinha, imitando a receitinha da mãe, dando o primeiro beijo na casca de uma amendoeira. Antevejo essa existência entrando nos seus relatos, nos atos do que escreveu, na música que tocava na primeira vez em que a vi, no jeito como seu corpo como se movia, relativamente inclinado, o pescoço mais de lado que de frente, a flauta entrecortando o caminho, e ela ali, misturando poesia e passarinho, fazendo-se na memória desse autor uma brecha de luz no breu do brio que há na trama que faz meu ninho.

Elizabeth Fontes
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