? “Contos de fada no mundo jurídico”, de George Postai Souza
O pai, juiz trabalhista da maior comarca catarinense, já cansado de tentar fazer o filho dormir, apela para as velhas histórias infantis. Retira da estante do quarto do pequeno um livro que fora seu, intitulado “Os Melhores Contos de Fadas”.
A criança, afeita ao mundo jurídico desde cedo, hoje com seus sete anos de idade e toda cheia de energia, pergunta ao pai o que era aquilo.
– É um livro que ganhei de sua avó quando era pequeno. Nele estão os melhores contos de fadas de toda a história! Vamos ler um deles para você dormir?
O rebento empolgou-se e pulou para a cama, colocou-se debaixo das cobertas e aguardou a história. O pai começou com a Branca de Neve:
– Era uma vez uma linda e jovem donzela, que morava no meio da floresta com sete anões, todos homens e…
– Pai, para! Você vai me contar pornografia? A mamãe falou que não pode!
– Como assim?
– Ora, uma jovem, no meio da floresta, sozinha com sete homens…
Irresignado, o pai acha melhor acolher a “tese” do filho e passar para outra história. Afinal, se o moleque abrisse a boca para a esposa, a coisa iria complicar. Até explicar que focinho de porco não é tomada…
– Então, filho, vamos para outra. É melhor, né? Olha! Tem essa aqui da Bela Adormecida, você quer escutar?
À resposta afirmativa do filho, o pai reinicia seus dons de orador e conta toda a vida da Bela Adormecida. Quando chega na parte em que a mesma está deitada, adormecida profundamente, e o príncipe lhe beija, o filho interrompe novamente:
– Mas pai… pornografia não pode!
– Mas… aff… como assim, guri? Estás louco?
– Olha só: esse homem aí abusou da coitadinha, que tava dormindo! Dormindo nada, né? Ele deve ter colocado algo na bebida dela, igual passa na TV! E um beijo não precisa ter a concordância dos dois?
– Mas que…
– Então não é abuso de menor? Porque ela tava indefesa, né, pai? Não é?
O pai, já conformando-se com a esperteza do seu filho, logo passa a outro conto, respirando fundo para não esganar o guri.
– Então que tal a Cinderela?
– Ah, essa eu já ouvi falar. Coitada, né? Era empregada sem registro, não pagavam FGTS, horas extras, nada… eu lembro dessa história. Passou na TV também!
O pai, pasmo com a notável e precoce “sapiência jurídica” de seu filho, tenta passar para outra: João e Maria.
Inicia novamente o dom da oratória e acredita piamente que seu herdeiro um dia vai dormir com estas histórias. Contou, então, que João e Maria eram dois irmãozinhos que viviam na floresta e que se perderam, até que uma bruxa os encontrou e…
– Pai!
– Que é, guri?
– Por que eles não acionaram o localizador do telefone? Ou o GPS?
– Porque isso é de uma época que não existiam estes aparelhos tecnológicos.
– Humm… e o Ministério Público?
– Aff… quê? Como assim?
– É, o Ministério Público! Quem tinha a guarda das crianças? E essa bruxa aí, poderia ficar com menores, assim, sem ser incomodada pela polícia, ou o Ministério Público?!
O pai, incrédulo com seu pequeno gênio jurídico, dá-lhe uma última cartada:
– Olha só, doutorzinho! Vamos fazer o seguinte. Vou ler uma última história. Senão, é cama já, sem resmungar e sem recursos, ouviu?
– Sim, senhor, meritíssimo.
O pai tenta ler a história do Patinho Feio. E começa:
– Era uma vez uma pata com seus lindos patinhos, todos bem branquinhos. Só um deles que era bem feinho, e que…
– Ô pai! Assédio moral não, né?