Et pour cause, Gibson Girls e não Pin-ups (Walter Guerreiro)
Et pour cause, Gibson Girls e não Pin-ups
Walter Guerreiro
“O Leitor Apaixonado” de Ruy Castro me foi apresentado pelo amigo e confrade Hilton Gorresen devido a uma crônica que me diz respeito: a arte (no caso visual). A obra é nota dez pelas crônicas abordando personagens que o autor conheceu de perto, sobre a Lapa da boemia, a decadência da linguagem – cita Alberto Morávia que dissera: um dos grandes problemas de nosso tempo é que até os analfabetos sabem ler, nos fala de redações, editores, jornalistas, da cafonice no cinema e na literatura, enfim um mergulho sobre leitura. Diga-se de passagem, que Ruy possui uma biblioteca com vinte mil volumes e ao falar sobre certos assuntos cita as fontes, no caso, os livros, caso da crônica “A grande arte da borracharia” abordando a arte hiper-realista das mulheres em trajes e poses provocantes, divagando sobre essa forma de ilustrações que teriam sido postas de lado pelos marchands e críticos de artes como não modernas, e aí vai mais longe à diatribe, sobre as “horrendas” instalações pós-exposições que irão para o lixo. Pontua: em nome do novo instituiu-se a arte do grotesco, mistura então alhos com bugalhos ao dizer que não sabe como toleraram Edward Hopper que era um realista. Ora, Edward Hopper (1882-1967) não foi “apenas” um grande pintor realista, sua obra era uma maneira de ver o mundo, como ele mesmo afirmou reflexo de sua própria solidão, talvez da solidão humana como um todo. Para isso usou de recursos na composição, tomou liberdades na perspectiva usando dois pontos de vista, realista, porém não acadêmico. Quanto às instalações que tanto horrorizaram o cronista esclareço se tratarem de obras de arte baseadas em conceitos criadas para locais específicos como experiências que podem envolver os sentidos provocando em cada indivíduo reações diversas de caráter emocional e reflexivo, cito p.ex. Laurie Anderson no Smithsonian Institution (em caráter permanente) sobre o sentimento de perda unindo escultura e literatura, Chiaru Shiota no MoMA sobre o corpo como recipiente do sofrimento e da memória, Cildo Meirelles com Babel no MoMA sobre sons e palavras.
Ruy considerou que o establishment plástico desprezou os ilustradores das Pin-ups dos anos quarenta não os reconhecendo como artistas. Na velha frase: devagar com o andor que o santo é de barro meu caro cronista, há que conhecer a fundo a História da Arte e saber o que é arte, assunto para o qual não poucos teóricos, filósofos e críticos têm escrito. A Arte com A maiúscula vai além do prazer estético, está aberta a interpretação, é uma forma de conhecimento como diálogo íntimo entre artista e observador na multiplicidade de significados. Ocorre uma grande diferença entre os ilustradores dos anos quarenta com suas Pin-ups originadas dos cartazes do teatro burlesco e as Gibson-Girls de Charles Dana Gibson (1867-1944) na virada do século XIX/XX nas ilustrações das revistas Life, Harper’s, Collier’s, Scribner’s como imagens icônicas da mulher do novo século como padrão estético, altas, magras, nariz e boca pequenos, mas marcantes, olhos grandes, corpo escultural, autoconfiantes, independentes e que foram o modelo das sufragistas. Vê-se por aí que a ilustração partiu de um conceito: é um ideal na nova sociedade marcando a transição da era vitoriana para a moderna, indo além da beleza por desafiar as convenções. “Cabelos em cascata” de 1898 mostra essa ousadia estética, “Stepped on” (Pisoteado) de 1901 vai mais longe, afirma a posição da feminista como ponte entre imaginação e realidade. Essa é a diferença entre Alberto Vargas, o tão prestigiado ilustrador da revista Playboy e de todos os artistas do gênero com suas garotas glamorosas nos anos quarenta, e Dana Gibson, um ilustrador e artista à frente de seu tempo.
