Foco no que importa (Cristina)
Foco no que importa
Maria Cristina Dias
“Faça como o velho marinheiro, que durante o nevoeiro, leva o barco devagar”
Paulinho da Viola
Há alguns anos, um cliente me contava sua trajetória de vida em uma dessas entrevistas intermináveis e deliciosas que só quem escreve biografias e livros de memória sabe bem como são. Em um momento, ele chegou aos anos 1980, à “década perdida”. Empresário, tocando uma empresa com centenas de funcionários, ele se via atordoado em meio à hiperinflação, dólar alto, pacotes econômicos enlouquecedoras, mercados instáveis e todo tipo de nuvens carregadas que só quem viveu aqueles tempos pode imaginar. Vivia na roda-viva de consumir informação de manhã, de tarde, de noite, na expectativa um tanto vã de entender o momento e, principalmente, sobreviver a ele.
Uma hora, ele parou. Decidiu parar. Olhou para si, para sua empresa, para o que estava fazendo e observou que o tempo e a energia que gastava tentando entender o que não dava para ser entendido eram tão grandes que iriam acabar comprometendo a sua capacidade de sobreviver, de seguir em frente. Desligou a TV (naquela época não havia a Internet), passou a ler o noticiário só de manhã, no jornal impresso, e fez a única coisa que podia fazer naquele momento: focar em sua empresa, no trabalho. Sem pânico, sem medo, sem distrações. Afinal, aquela era a parte em que ele tinha algum controle – e que podia dar certo.
Jornalista que sou, na hora achei que aquilo era uma loucura. Com informação já era difícil escapar da crise, sem informação me parecia impossível. Mas não era. No final, ele buscou soluções alternativas, a produção aumentou, a empresa cresceu e conseguiu atravessar aquele momento.
Isso me remeteu a uma lembrança mais antiga. Menina, ouvia a voz de Paulinho da Viola cantando na vitrola o seu “Argumento”: “Faça como o velho marinheiro, que durante o nevoeiro, leva o barco devagar”. Na época, não entendia bem toda a extensão da letra, mas ouvia o samba que, convenhamos, é um ritmo contagiante, e ficava com aquele refrão martelando na cabeça. Durante o nevoeiro, quando a visão seja lá do for não é clara, ir devagar, com cautela. Porém sem parar…
Nos últimos tempos, cada vez mais me lembro do velho timoneiro e de meu cliente. Ambos deram um jeito de conduzir seus barcos de forma sensata e passar pela tempestade sem naufragar. São sobreviventes, como eu, como você, como todos nós nesse Brasil de hoje, um país que faria inveja ao País das Maravilhas, de Lewis Carroll.
A gente não pode escolher tudo o que acontece conosco, ter controle sobre o que os outros fazem – muito menos sobre o que acontece na economia ou na política do País e que vai impactar diretamente nas nossas vidas. Foge do nosso alcance como indivíduo. Há sempre imprevistos, desacertos, pontos fora da curva, gente louca cheia de poder e tomando decisões mais loucas ainda, muitas paixões que nos cegam. Mas a gente pode sempre escolher para onde olhar, onde concentrar o foco para se manter no prumo mesmo em meio às maiores tempestades – e, com isso, passar por elas se muitos estragos. Fácil não é, com certeza, mas é possível. E se é possível, vale tentar.
Para quem quiser conhecer e cantar, busquei o link de “Argumento”, de Paulinho da Viola, no Youtube: