Hino de Joinville retrata a cidade do passado (Cristina)
Hino de Joinville retrata a cidade de décadas passadas
Canção “Joinville, Cidade das Flores” surgiu a partir de uma iniciativa da Rádio Cultura, se tornou popular nos jogos do JEC e foi oficializada em 1977
Maria Cristina Dias
Presente nas cerimônias oficiais, em festas regionais e até nas escolas, o Hino de Joinville ainda é pouco conhecido dos moradores da cidade. Com uma letra repleta de referências à colonização germânica e aos títulos que a cidade cultivou ao longo de décadas, ele foi criado em 1976, por meio de uma iniciativa da Rádio Cultura, e tocado pela primeira vez em um jogo do Joinville Esporte Clube (JEC), no mesmo ano. Alinhada com o momento de crescimento econômico observado na época e associado ao time de coração da cidade, que vivia um período de conquistas, a canção “Joinville, Cidade das Flores”, composta por Cláudio Alvin Barbosa (o Zininho), logo se popularizou e em julho de de 1977, por meio da lei municipal 1527/77, se tornou oficialmente o Hino de Joinville.
A história do Hino de Joinville começa na Rádio Cultura, na época dirigida pelo radialista Ramiro Gregório. Fundada em 1959, a rádio foi a terceira da cidade e na década de 70 colhia os resultados de um processo de modernização ocorrido pouco antes, com a implantação de novas tecnologias e reestruturação administrativa e comercial. Ramiro Gregório havia assumido a direção da rádio em 1964 com um objetivo claro: “Ao assumir o cargo de diretor superintendente, em junho daquele ano, recebeu a missão de colocar a emissora em primeiro lugar na audiência”, escreve a jornalista Izani Mustafá em seu livro “Alô, Alô, Joinville! – Está no Ar a Rádio Difusora”, que enfoca a radiodifusão em Joinville entre as décadas de 40 e 60.
Assim, em 1976, a Rádio Cultura se destacava na cidade, com um jornalismo forte e programas populares. Suas vinhetas eram gravadas nos estúdios da Rádio Bandeirantes, de São Paulo e eram repetidas pelos ouvintes.
De onde surgiu a ideia de estabelecer um hino para Joinville, é difícil precisar. Mas Ramiro Gregório era muito amigo de Cláudio Alvin Barbosa, o Zininho, compositor conhecido desde os anos 40, autor do “Rancho de Amor à Ilha”, o hino de Florianópolis. “Zininho era meu parceiro – e, acima de tudo, meu amigo. Levamos em conta isso”, afirma Ramiro, que contratou Zininho e o orientou sobre os elementos que, em sua concepção, deveriam constar em uma música que identificasse Joinville.
A partir daí o compositor fez a letra que fala com orgulho da Cidade dos Príncipes e das Flores e cheias de referências a valores fortes naquele momento, como trabalho, coragem, e a capacidade de vencer dificuldades para construir algo grandioso – neste caso a cidade. “Ele ‘brifou’ o Zininho, dando os tópicos que deveriam estar contidos. E o Zininho fez a letra final”, explica o radialista Paulo Marttini, que durante anos trabalhou ao lado de Ramiro Gregório.
O arranjo musical ficou a cargo do maestro Moacir Portes e a gravação foi feita em São Paulo. Ele foi executado pela primeira vez em 1976, durante um jogo do JEC. O time de futebol havia sido criado naquele mesmo ano a partir da fusão do América com o Caxias e já se destacava nos campos. Associada ao time e às suas vitórias e impulsionada pela Rádio Cultura, logo a canção se popularizou na cidade.
“Todo mundo aprendeu a cantar a música. A cidade a consagrou”, conta Ramiro. A música foi gravada em um disco de vinil e as cópias foram espalhadas pela cidade. O “compacto” tinha apenas duas músicas: a versão com letra no lado A e a versão orquestrada no lado B. Marttini comenta que o hino mantinha semelhança com as vinhetas da rádio, que já eram bem conhecidas dos ouvintes, como “Radio Cultura – a mais querida” ou “Rádio Cultura – a namorada desta capital florida”. “Elas eram a identificação da rádio”, explica.
Não demorou para que a canção composta por Zininho, com arranjo de Moacir Portes chamasse a atenção das autoridades locais. Com isso, em 1º de julho de 1977, o então prefeito Luiz Henrique da Silveira assinou a lei 1527, tornando a música “Joinville, Cidade das Flores”, hino oficial de Joinville. A lei foi alterada em 1998 apenas para acrescentar um único parágrafo, destacando que é obrigatória a execução nas solenidades oficiais ou nas promovidas por sindicatos e entidades civis não governamentais.
Letra mantém semelhanças com hino dos anos 30
A canção “Joinville, Cidade das Flores” não foi o primeiro Hino de Joinville. Na década de 30, havia o “Hino a Joinville”, uma marcha composta por Alfredo Herkenhoff com letra de sua irmã Elly Herkenhoff – sim, a mesma dona Elly, conhecida memorialista da cidade. O material foi pesquisado pela cantora e professora Rosenete Eberhardt para a sua dissertação de mestrado em Patrimônio Cultural e Sociedade e depois publicado no livro “”A Memória do Patrimônio Musical de Joinville” Uma abordagem sócio-histórica e cultural”.
Apesar de manterem mais de meio século de intervalo, as duas músicas mantém características em comum. Assim como na canção de Zininho, o hino de Alfredo Herkenhoff e Elly Herkenhoff também traz em sua letra valores como trabalho, perseverança para vencer os duros obstáculos. Destaca ainda o título de “Cidade dos Príncipes” e faz referência às flores e a elementos trazidos pelos colonizadores, como o uso da técnica construtiva enxaimel. “A letra para mim é como um filme daquele período. E a do hino de 1976, também… Falam de uma Joinville idealizada e passam bem os valores da época em que ela ainda era a Cidade das Flores e das bicicletas…. as praças tinham canteiros com grama… hoje virou tudo cimento”, explica, ressaltando que a marcha “bem germânica” do primeiro ano reflete a tradição musical forte da época, de gerações de imigrantes.
Ao contrário de Zininho, que nasceu em Biguaçu, na Grande Florianópolis, e fez seus versos a partir de uma linha-base estabelecida pelo amigo Ramiro Gregório, os irmãos Alfredo e Elly Herkenhoff eram de uma família de imigrantes alemães. Seus pais, Mathias e Emma chegaram ao Brasil na década de 1880 e seus filhos já nasceram e se criaram na Joinville do final do século 19 e início do século 20.
A família estava envolvida no ambiente cultural da época. Emma era nascida Kohlbach, de uma conhecida família de músicos da região da qual fazia parte o maestro Rodolfo Kolbach, e Mathias também era músico e um dos membros fundadores da Sociedade Musical Lyra, que posteriormente se uniria à Harmonie e daria origem à Harmonia-Lyra. Neste ambiente, Alfredo dedicou-se aos estudos do violino. Elly, a caçula da família, foi poetisa e contista, além de ser uma das principais memorialistas de Joinville no século 20. Pela sua trajetória, ambos traziam os valores e ideais de cidade cultivados entre os imigrantes de origem germânica e seus descendentes – e expuseram isso na letra do “Hino à Joinville”.
O “Hino à Joinville” composto pelos irmãos era uma peça para canto e piano e sua partitura foi pesquisada por Rosenete no Arquivo Histórico de Joinville.
“Joinville, Cidade das Flores” – Hino Oficial de Joinville, 1976
Claudio Alvin Barbosa – Zininho (letra), Maestro Moacir Portes (arranjo musical)
https://www.youtube.com/watch?v=HySlGzHjDUM
Tu és a glória dos teus fundadores,
És monumento aos teus colonizadores,
Oh! Joinville Cidade dos Príncipes,
Oh! Joinville Cidade das Flores.
Às margens do Rio Cachoeira,
Um dia o audaz pioneiro,
Plantou do trabalho a bandeira
E se deu, corpo e alma, ao torrão brasileiro.
Depois foram lutas e penas,
Mas nunca o herói fraquejou,
Com sangue, suor e com lágrimas
Do seu próprio corpo teu solo irrigou.
Tu és a glória dos teus fundadores,
És monumento aos teus colonizadores,
Oh! Joinville Cidade dos Príncipes,
Oh! Joinville Cidade das Flores.
E se hoje o bravo imigrante,
Que tua semente plantou,
Com a força e o vigor de um gigante
Nas mãos com que, em preces, ao céu suplicou,
Te visse radiosa e pujante,
Nascida na mata hostil,
A imagem da Pátria distante
Veria, grandiosa, exaltando o Brasil!
“Hino a Joinville” – década de 30
Alfredo Herkenhoff (música), Elly Herkenhoff (letra)
https://www.youtube.com/watch?v=l5f2zYDdcto
Refrão: Salve cidade dos príncipes terra flores e dos enxaiméis terra de tradições das mais fiéis construída com trabalho e muito amor salve cidade dos príncipes onde o labor e a fé dos ancestrais sulcaram o chão em terras tropicais plantaram a semente de um esplêndido porvir!
1-Mal desperta o dia a luta luta se inicia tangem
sinos tangem sinos, a chamar, chamar, fábricas apitam, escolares já se agitam; bicicletas a rodar, a rodar.
2-Bate, bate o malho no compasso do trabalho; bate o ritmo, bate o ritmo, do tear, do tear; gente na lavoura, gente negra, ruiva, loura; toda a gente, toda a gente, a trabalhar, trabalhar;
3-Deus proteja este jardim este jardim em flor, onde exulta a passarada, onde tudo é som beleza amor; cantam sinos na alvorada, cantam os jacatirões em flor; canta o vento na marinha, canta o mar, porque a beleza do brasil também é minha!
4-Mocidade que o porvir constróis tens raízes no passado desta terra secular de heróis, vai caminha lado a lado, para frente e para o alto, pois como os ancestrais caminha, vai com deus, pois a grandeza do Brasil também é minha!
Observação: Reportagem publicada no jornal Notícias do Dia/Joinville, em 2016.