História e evolução do conto (Hilton Görresen)

 

História e evolução do conto

Hilton Görresen

 

Neste passeio sobre a história e evolução do conto, considero o conto em sua característica de contar uma história curta, o que me leva a incluir nele não só o texto considerado literário, mas outros tipos de narrativa, como o conto de fadas, de terror, de detetive e outros. Em inglês há uma divisão entre essas categorias: os contos literários são chamados de short stories; os folclóricos e maravilhosos, de tales.

É um trabalho incompleto, superficial, originado de algumas reflexões, leituras e pesquisas buscando entender melhor esse gênero que tenho adotado e do qual muito gosto.

Vou começar pelo óbvio: quem não gosta de ouvir histórias? Crescemos ouvindo as historinhas dos três porquinhos, do Chapeuzinho e o lobo mau, e outras. O conto é o mais antigo dos gêneros. No começo da humanidade, os primatas já sentavam ao redor da fogueira para contar e ouvir histórias. Claro que naquele tempo ninguém se manifestava por poemas ou romances, eram narrativas orais. Creio que não existe ou existiu povo sem narrativas, lendas, mitos, fábulas, até mesmo narrações do dia a dia (amigos contando como foi aa caçada no dia anterior). Esse gosto por narrativas está em nosso inconsciente.

Na infância da humanidade, quando as causas dos fenômenos naturais eram desconhecidas, apelava-se para o pensamento mágico ou mítico. Foi isso certamente que criou os primeiros mitos e lendas. Esse apego ao maravilhoso/fantástico estendeu-se aos contos de fadas (século 17), e mais modernamente à ficção científica e aos contos de terror, sem esquecer os romances ou contos do Realismo Mágico latino (Garcia Márquez, Julio Cortázar). Na categoria de terror, o irlandês Sheridan le Fanu explorou em seus contos góticos a figura da vampira Carmila, que certamente influenciou seu conterrâneo Bram Stoker a criar o lendário Conde Drácula. Outros contistas do gênero foram H.P. Lovecraft e E.T. Hoffmann.

No século 19, Edgar Allan Poe, além de seus contos de horror, deu início ao conto policial, de detetive, com três contos que têm como personagem o sherloqueano C. Auguste Dupin. Poe foi seguido por Conan Doyle e Agatha Christie, os mais conhecidos.

Já no começo do século 20, o escritor Dashiel Hammet, que teve como influência os contos de Hemingway, estilo seco e agressivo, reformulou o conto policial, trazendo seu ambiente para as ruas, tornando mais humana e atual a figura do detetive, que podia entrar em brigas, apanhar, trocar tiros, e não aquele que resolvia seus casos pelo raciocínio, sem enfrentar a violência dos malfeitores. Seu livro mais conhecido é o romance O falcão maltês, mas publicou alguns contos. Teve inúmeros seguidores, o mais célebre Raymond Chandler, que no aspecto literário suplantou o mestre. Esse estilo de conto policial produziu uma série de revistas especializadas, notadamente nos anos 50/60, como as revistas Meia Noite, Detective  e X-9.

Do Oriente nos vieram os mais famosos contos maravilhosos, As Mil e Uma Noites (século 9), uma coletânea de contos, uns atrelados aos outros. Anos depois, Charles Perrault adaptou alguns contos folclóricos e lançou seu livro “Histórias da Mamãe Gansa”, que originou a publicação dos contos de fadas.

Na idade Média, estiveram em voga na França os chamados “Lais”, curtos poemas narrativos, explorando o amor cortês e os feitos de heróis. Os mais famosos são os Lais de Marie de França. Esses Lais prepararam o terreno para as narrativas baseadas na lenda do Rei Arthur, entremeadas do fantástico, representado pela presença das fadas (originárias dos celtas), bruxas, espadas mágicas, dragões, etc. Essas narrativas, por alguns denominadas romances, incluíam vários contos, como a história de Tristão e Isolda, a busca do Santo Graal e outros (na época a expressão romance referia-se mais à língua romance, derivada do latim vulgar). Parece que obras como Carlos Magno e os 12 pares de França eram muito populares em nosso interior, tanto que o Monge José Maria deu a sua guarda de 24 caboclos, no episódio do Contestado, o nome de Doze Pares de França.

No início do século 17, o italiano Gianbatiste Basile publica o livro Pentameron, o conto dos contos. Esse livro, com histórias fantásticas, cruas e escabrosas, baseadas em casos folclóricos, foi que inspirou o próprio Perrault, que adaptou algumas histórias da memória popular para deleite da corte do rei Luís 14 (era uma época cheia de mesuras e floreios, em que os cortesões se divertiam com jogos e encenações). Foi de Basile a fonte para histórias como a da Gata Borralheira, Gato de Botas e outros. Outros que beberam dessa fonte foram os irmãos Grimm e Hans Cristian Andersen.

Os contos fantásticos tiveram ao seu lado outras histórias mais realistas, calcadas na vida cotidiana. Exemplo disso, no século 14, os contos de Boccacio, enfeixados no Decameron (dez dias), uma série de 100 contos. No Decameron é adotada a técnica da moldura, os personagens estão reunidos em algum lugar, ou em algum contexto (isso é a moldura), e um deles conta a história, que ouviu ou de que participou. Essa técnica é seguida por Chaucer, nos Contos de Canterbury, e outros, como Margarida de Navarra, no seu Heptameron (sete dias). No século 19, Eça de Queirós a utiliza no conto Singularidades de uma rapariga loura e Álvares de Azevedo a utiliza na obra Noite na Taverna. Como participante do Romantismo, Azevedo foi um precursor da forma artística do conto no Brasil, embora essa sua obra tenha nítida influência dos românticos franceses.

Os contos de aventuras, como os de Rudyard Kipling, no século 19, numa tradição que vem da história de Robinson Crusoe e das viagens de Gulliver, tiravam partido do desconhecimento pelos ocidentais dos lugares exóticos da Terra para criarem seus cenários; Edgar Rice Burroughs, autor de Tarzan, inventou uma África inverossímil, dominada por um personagem representante do colonialismo inglês. E não foi só ele. No fundo, essas histórias aventurescas têm um ilustre e antigo antecedente, as obras de Homero, notadamente A Odisseia, que conta as peripécias do herói Ulisses em sua volta à ilha de Ítaca, após a guerra de Troia.

Ainda no século 19, com o avanço dos conhecimentos científicos, a teoria da evolução, os fenômenos se explicando pela razão, houve o advento do
Realismo/Naturalismo, e, em consequência, dos contos realistas. O século 19 foi a época em que se fixou o conto como forma artística, com grande quantidade de contistas, dos quais um dos principais foi Guy de Maupassant, ao lado de Tchecov. Esses dois contistas representam duas vertentes do conto moderno: a vertente tradicional, de Maupassant, e a vertente intimista, de Tchecov. No Brasil, foi a época em que Machado de Assis publicou seus contos mais famosos, Missa do Galo, Uns braços, O Alienista, e outros.

No começo do século 20, alguns escritores americanos se dedicaram ao conto de estilo faroeste, seguindo uma linha de Fenimore Cooper. O cinema, então nascente, aproveitou muitos desses textos para suas películas. O filme que firmou a figura do caubói como personagem heroico saiu da obra O virginiano, de Zane Grey. Também desse tipo de texto saiu o filme Um homem chamado cavalo, e diversos estrelados por John Wayne.

No conto chamado tradicional, cujo expoente foi Maupassant, havia no início a apresentação do cenário e dos personagens, para só então começar a história, que também era de forma linear, com final surpreendente. Modernamente, o conto inicia com “o bonde andando”, os personagens já em movimento, ou num diálogo, como se a história já tivesse começado quando o leitor a inicia. Autores definem os estilos ÉPICO, quando inicia apresentando cenário e personagens (Era uma vez…) e DRAMÁTICO, quando os personagens se apresentam a si mesmos, em ação, como no teatro.

Com o tempo, o conto foi se aperfeiçoando. O enredo, a linguagem, as abordagens, que sempre se manifestaram por um conflito (conflito entre a menina e o lobo, entre o lobo e os porquinhos (creio que existe um inconsciente narrativo, que nos leva a esse tipo de estrutura), adquiriram aspecto mais psicológico, focados no comportamento e nas reações dos personagens. No século 20 ainda, autores como James Joyce (Dublinenses) e Franz Kafka (A metamorfose), sem falar dos nossos Clarice Lispector e Guimarães Rosa, fizeram do conto uma peça de fina arte literária.

Dizem que o conto é difícil. O chamado conto literário exige um melhor aprofundamento nas complexidades estruturais, psicológicas ou verbais de uma narrativa, o que é conseguido por poucos. Por isso, contistas estão sempre aprendendo.

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