Independência e morte
Nos anos 80, quando tínhamos na grade curricular a disciplina de Educação Moral e Cívica – que era um vestígio dos governos militares, e talvez tenha sido extirpada da grade por causa disso –, aparentemente havia mais civismo. A criança recebia na escola coisas que geralmente não recebemos em casa (sabemos da falta de envolvimento da maioria por questões embreadas na política), como noções de cidadania, de respeito aos bens públicos, ao amor à bandeira e a pátria, de respeito às individualidades, etc. Agora, mídias sociais nos fornecem tudo, famílias inteiras depositam a educação dos filhos aos smartphones, e, generalizando eu sei mas não perdendo o fio da meada, passeatas são erguidas tanto quanto encontros de esculhambação e festas movidas a drogas, e pilhagem de pessoas enquanto a identidade do covarde é resguardada num perfil falso.
Comecei a citar a educação moral e cívica porque creio que alguns temas abolidos nas escolas fazem falta. Não, é claro, ao filho do professor esclarecido ou do artista contemporâneo e antenado que conhece Freud, Brecht ou Vygotsky. Faz falta sim, principalmente, aos filhos nascidos em famílias cheias de problemas éticos e morais, de violência e criminalidade, de falta de bom senso e espiritualidade. Aos que duvidam, convido-os a visitar os CRAS (Centro de Referência e Assistência Social) para tirar a prova. Convido-os a frequentar as praças onde jovens, muitos delinquentes, mal sabem usar a própria língua e acham que a moda agora é tirar onda com um cigarrinho do capeta. Semana passada, divulgando a literatura na praça, fui oferecer um livro a um menor e ele me disse: Leio não. Vo sê traficante, ter carrão, ouro e mulherada. E não adiantou argumentar: a criança me deu medo.
Falo de educação moral, e também cívica, conceituando moral no que sabemos de mais simples, sem usar conceitos filosóficos que só funcionam nas academias (e olha que fazendo mestrado, leio muito a respeito). Moral e cívica no respeito ao próximo; na vergonha (minha mãe me ensinou a ter vergonha na cara) de não cuspir quando alguém se aproxima, não falar palavrão perto de gente mais velha, de chamar de senhora, e não de tia, a mulher da padaria, de não dar porrada na placa de transito nem na lixeira porque uma cidade feia é uma cidade morta. Mas não. Chegamos num tempo em que a sociedade mais antenada defende a liberação de entorpecentes, porque para eles não tem problema algum. Mas para a mãe desesperada, tem, meus senhores. Elas não querem ver seus filhos independentes para fumar e se tornarem dependentes do vício. Para elas, é a morte.