Lendas da Serra do Quiriri, Morro Pelado, Castelo dos Bugres e Monte Crista
Região montanhosa situada em sua maior parte no município de Campo Alegre, Serra do Quiriri reúne belezas fantásticas, dignas de produções cinematográficas como aquelas de John Huston, mestre na arte de explorar cenários grandiosos.
O local é um imenso campo natural com mais de 100 milhões de metros quadrados ainda em estado praticamente selvagem. A gleba, que ocupa também parte dos municípios de Garuva e Tijucas do Sul, apresenta altura média de 1.200 metros do nível do mar, pontilhada por mais de 20 picos, cujos topos alcançam de 1.300 a 1.580 metros.
De quase todas as elevações é possível divisar-se o mar e todas as cidades da faixa litorânea catarinense entre Garuva e Piçarras. Joinville pode ser descortinada em toda sua extensão e, em dias de céu lavado, até a movimentação de navios nos portos de Itapoá e São Francisco do Sul pode ser apreciada do alto dos picos. Outros pontos turísticos famosos dos arredores, como o Castelo dos Bugres, Morro Pelado e Monte Crista, podem ser facilmente identificados da Serra do Quiriri.
A paisagem é enriquecida por vales profundos, abismos, escarpas, paredões rochosos, arroios de água cristalina, além de furnas, cavernas e grutas, tudo escondido nas florestas que circundam os campos naturais.
As formações rochosas aguçam a imaginação. No alto de um platô, um colosso de rocha enegrecida parece um camelo deitado. Logo adiante, descobre-se um conjunto de pedras, que à distância, imita as ruínas de um castelo medieval. Já na beirada de um abismo, um rochedo lembra a cabeça de um monstruoso lagarto.
No inverno o ambiente é varrido por vento gélido, que uiva nos contrafortes rochosos. A temperatura cai a vários graus abaixo de zero e são registradas fortes geadas, que afugentam os animais para as regiões mais baixas da serra.
Descobrir todos os encantos do lugar exigiria semanas de exploração intensa e ainda assim muita coisa ficaria para trás, garantem moradores nascidos nas cercanias da Serra do Quiriri.
Os nativos da região costumam dar um conselho a visitantes de primeira viagem: ninguém nessa condição deve se aventurar nos campos naturais sem um guia experiente. Segundo eles, um pequeno descuido é suficiente para ficar perdido na imensidão da gleba selvagem. O perigo aumenta em dias de cerração forte, que no lugar é chamada de tapume, por limitar a visibilidade a menos de 10 metros de distância. Nessas ocasiões, só pessoas com muita experiência conseguem movimentar-se com segurança.
Além das belezas naturais, a Serra do Quiriri é considerada um lugar místico, recheado de mistérios fantásticos. Discos voadores pousariam com frequência em paragens descampadas. Formações rochosas estranhas dão tal certeza a boa parte das pessoas que conhecem a montanha.
Em diversos pontos são encontradas pedras achatadas, de tamanho uniforme e distribuídas em posição simétrica. Parecem pátios de paralelepípedos gigantescos. Numa dessas formações, as pedras estão dispostas em fileiras perfeitas, intercaladas por blocos maiores e blocos menores, tudo com precisão de fazer o queixo cair. A impressão é de que houve a intervenção do homem para formar tão harmonioso conjunto.
Corre na Serra do Quiriri a lenda que as formações rochosas foram deixadas por extraterrestres ou pelos Incas, que teriam passado pela área como uma ramificação do Peabiru, o famoso caminho que fazia ligação entre o Peru e o oceano Atlântico. Para alguns, as formações rochosas seriam campos de pouso de discos voadores. Para outros, marcos dos Incas a serem decifrados. A crença, em ambos os casos, é reforçada pela proximidade do Monte Crista, outra montanha repleta de histórias fantásticas.
Ninguém afirma ter se deparado com discos voadores. Mas são comuns relatos de fenômenos estranhos, como barulho de correntes, som de trombetas e canto coral. Nessas horas, os cães entrariam em pânico enroscando-se nas pernas de seus donos, tamanho o grau de pavor.
As lendas intensificaram-se nas últimas décadas em função do livro de ficção “A Terra Oca”, de Raymond Bernard, no qual o autor descreve os Atlantes, uma civilização remanescente da lendária Atlântida, que habitariam o centro da Terra e se comunicariam com o exterior através de canais. Um desses canais estaria no Monte Crista, vizinho da Serra do Quiriri. Era o que faltava para fustigar de vez a imaginação daqueles que acreditam em mistérios.
A lenda de extraterrestes não é a única, nem a mais popular na Serra do Quiriri. Existe uma outra e mais famosa ainda. É a de um tesouro escondido por padres jesuítas, que no século 18 passavam com frequência pela picada aberta através do Monte Crista e da Serra do Quiriri, estabelecendo ligação entre Três Barras, no litoral norte de Santa Catarina, e São José dos Pinhais, nas proximidades de Curitiba. Barras de ouro e potes de pedras preciosas teriam sido escondidos em uma caverna da Serra do Quiriri, durante um ataque de índios ferozes. Os religiosos, antes de serem mortos a flechadas, teriam escondido o tesouro em uma caverna, só conhecida por eles.
Tais relatos têm atraído há décadas caçadores de tesouros sem nenhuma experiência no ramo. Por conta disso, algumas expedições acabaram depredando pontos de potencial turístico. O caso mais conhecido e lamentado pelos moradores dos arredores da Serra do Quiriri envolve uma caverna que tinha a entrada protegida com uma porta de ferro. Para derrubá-la, uma equipe de caçadores de tesouros usou dinamite. Resultado: toda a entrada desmoronou e não existe a menor possibilidade de acesso ao seu interior.
Os moradores da região lamentam o fato e carregam uma dúvida até hoje. Será que na caverna tinha um tesouro escondido, ou será que no passado ela servia de pousada para quem se locomovia entre Três Barras e São José dos Pinhais?
O caso mais espetacular sobre tesouros na Serra do Quiriri envolve três peões de gado. Eles teriam descoberto numa canhada um cocho de sal cheio de barras de ouro. No momento em que se preparavam para apanhar aquela fortuna, do nada surgiu um grupo de cavaleiros vestidos com armaduras medievais e brandindo reluzentes espadas. Apavorados e quase afrouxando a urina, eles fugiram. No dia seguinte, mesmo encagaçados, retornaram ao local. Não acharam mais nada, nem o cocho de sal.
Motivo de troça entre os companheiros, os três peões se fecharam, recusando-se a recontar a fantástica história. Trinta anos mais tarde encontrei-me com Milton Rocha, um dos três envolvidos no episódio. Depois de muito insistir, com humildade e paciência tibetana, ele confirmou a história que eu tinha escutado de terceiros: “Moço, nós não tínhamos motivo para inventar uma história como essa. Aquilo foi visagem no duro. Que Deus me livre de passar por outra experiência desse calibre”, desabafou.
Esse foi, sem dúvida, o relato mais impressionante que eu já ouvi sobre a lendária Serra do Quiriri.
Outro caso que chama a atenção teria acontecido com Levino Sales, morador da região. Ele garantiu ter descoberto um monte de barras de ouro em uma gruta. Ficou combinado que três dias depois um grupo de companheiros iria ajudá-lo a buscar a fortuna. Acontece que, no dia seguinte, ele se envolveu numa briga e morreu assassinado.
São inúmeros os relatos envolvendo pessoas que procuraram ouro na Serra do Quiriri e no Monte Crista, e que acabaram morrendo de forma trágica. Na opinião dos caboclos do Quiriri essas pessoas foram castigadas por tentar se apossar de algo que não lhes pertencia. A afirmação é sempre feita em tom solene e temeroso.
Há muito tempo a Serra do Quiriri é alvo de caçadores de tesouros. Para boa parte, tudo não passa de lenda e fantasia. Outros acreditam que muito ouro já foi desenterrado do esconderijo dos jesuítas, mas que ainda resta alguma coisa para ser descoberta.
Na visão de Harley e Robson Duvoisin, de Campo Alegre, na Serra do Quiriri existe um tesouro grandioso que poucos enxergam. Trata-se, segundo os irmãos Duvoisin, do potencial ecológico e turístico do local. “Aquele mundão de Deus é um verdadeiro paraíso que, bem explorado, poderia atrair milhares de visitantes”, assinala Harley.
Apesar de predominar uma única gramínea, a natureza apresenta rara beleza na montanha. De manhã, os campos naturais costumam apresentar coloração dourada. As nuvens, ao amanhecer e ao entardecer, surpreendem pela coloração ora violeta, ora rosa. Um espetáculo de se tirar chapéu de aba larga. Nas formações rochosas é comum a presença de orquídeas e bromélias.
Geograficamente a Serra do Quiriri está situada no lombo da Serra do Mar, constituindo-se em divisor de águas. Existem no local nascentes dos rios Negro e Quiriri. O rio Quiriri deságua no rio Cubatão, em Joinville. O rio Negro é afluente do rio Iguaçu, manancial que faz parte da grande bacia hidrográfica do Prata.
A Serra do Quiriri é habitada por onças, leões baios, lebres e tatus, entre outros animais. As aves são relativamente raras. Especialmente pássaros pequenos, que se mantém longe devido à presença de aves de rapina de grande porte.
Morro Pelado
Joinville dispõe de um soberbo conjunto de atrativos turísticos situados logo acima da Serra Dona Francisca. Ele é formado pelas comunidades de Rio do Júlio e Laranjeiras, ambas perto do limite com o município de Campo Alegre. Nos arredores dessas comunidades são encontrados pontos turísticos de fascinante beleza. Em área acidentada, a uma altitude média de 700 metros acima do nível do mar, destacam-se as quedas do rio Cubatão – a maior delas com 369m de altura – o Castelo dos Bugres e o Morro Pelado, este, uma imponente formação rochosa monolítica com cerca de 800 metros de comprimento, 300 metros de largura e 200 metros de altura.
Situado atrás do Castelo dos Bugres, o Morro Pelado é alcançado em cerca de duas horas de caminhada a partir da SC-418, a antiga Imperial Estrada Dona Francisca.
A imponência do lugar impressiona. Circundado por exuberante mata atlântica, o Morro Pelado destaca-se por estar posicionado em área plana, levemente ondulada. De formação pluvio-glacial, em sua maior parte é coberto por vegetação rasteira rala, mostrando em diversos pontos a pedra nua, característica que originou seu nome, dado por antigos agricultores que costumavam caçar em suas redondezas.
Para escalar o colosso é preciso usar equipamentos especiais, pois seus paredões quase perpendiculares dificultam a subida. Mas existem duas fendas, só conhecidas por velhos caçadores, por onde é possível chegar ao topo do Pelado sem a ajuda de qualquer equipamento de escalada.
A face sul da formação rochosa é a mais impressionante. De longe tem a aparência de uma cabeça gigantesca, com olhos, boca e nariz bem definidos. Para a maioria dos visitantes a silhueta lembra a cabeça de um bisão.
Morro Pelado tem despertado a curiosidade de muita gente. Pessoas que visitam o Castelo dos Bugres têm, do alto daquela famosa formação rochosa, uma visão panorâmica do gigante coberto por vegetação rasteira.
A mata no entorno do Pelado é exuberante, destacando-se canelas e perobas seculares. Existem também muitas figueiras velhas – algumas de tão velhas e já ocas, têm espaço suficiente para armar bom acampamento para até quatro pessoas.
A região do Pelado é banhada por três riachos de água cristalina e muito fria, inclusive em pleno verão. A fauna é abundante, principalmente de pássaros de pequeno porte. O silêncio da floresta é constantemente quebrado pelo berreiro de bandos de tucanos e estridentes marteladas de arapongas.
Ao longo da picada, em riachos que cruzam o caminho, são encontrados rastros de tatus, pacas, cotias, porcos do mato e até de onças. A proibição da caça tem contribuído para a recuperação da fauna nas cercanias do Morro Pelado.
No tempo de memoráveis caçadas ao redor da imponente formação rochosa poucos se aventuravam pernoitar no local. Tudo por conta da lenda de um assustador fenômeno noturno, que teria sido testemunhado por duas equipes de caçadores.
Numa noite de céu estrelado, três caçadores armaram acampamento rente ao Pelado. De súbito escutaram a zoada de uma ventania violenta. Em seguida ouviram o barulho de galhos sendo quebrados e de árvores tombando de forma tão estrepitosa que chegava a estremecer o chão do acampamento. Acuados, os caçadores notaram que ao seu redor as árvores não se mexiam em nada. O violento vendaval passava ao lado, no máximo, segundo eles, a cerca de 200 metros de onde se encontravam.
De súbito parou tudo e a floresta voltou ao mais profundo silêncio. Na manhã seguinte os caçadores levantaram acampamento e antes de seguir a viagem foram dar uma espiada no estrago que a ventania tinha feito na floresta. Para espanto do trio, que na hora da ventania chegou a sentir o chão estremecer, não encontraram nenhum galho partido e nenhuma árvore tombada. Assustados interromperam a caçada e saíram do mato correndo.
No dia seguinte ao contar o ocorrido a outro grupo de caçadores eles tiveram de suportar uma saraivada de caçoadas. Não contentes, os caçoadores resolveram na mesma hora que iriam pernoitar no Pelado uma semana mais tarde para provar que aquela história era pura fantasia de pessoas que se assustam por qualquer coisa.
Foram, e na manhã seguinte voltaram para casa com os cabelos ainda arrepiados. O fenômeno da ventania, dos galhos quebrados e das árvores tombadas repetiu-se por inteiro. De manhã não encontraram nenhum vestígio de estrago na mata. Em pânico, fugiram atabalhoados. De tão apavorado, um dos caçadores acabou perdendo até a espingarda na picada.
Desde então, pelo sim, pelo não, nenhuma equipe de caçadores atreveu-se a pernoitar nos arredores do Morro Pelado. A lenda da fantasmagórica ventania é contada até os dias atuais pelos mais antigos moradores dos fundões de Joinville.
Castelo dos Bugres
O ponto turístico em estado selvagem mais visitado em Joinville é o Castelo dos Bugres. Situado na SC-418 (antiga Imperial Estrada Dona Francisca), o atrativo turístico é formado por gigantescas pedras sobrepostas, que despertam a curiosidade pelas belezas naturais e pelas lendas que envolvem o lugar. Mesmo sem estrutura, o castelo é muito visitado, principalmente no inverno. Os visitantes aproveitam velha picada de caçadores para subir o morro onde se encontra a impressionante formação rochosa.
Dentre as inúmeras pedras, uma se destaca por apresentar o formato de uma bola e estar escorada por outra menor, que funciona como calço. Se o calço fosse tirado, a imensa bola mergulharia num abismo com cerca de 60 metros de profundidade.
Para chegar ao castelo é relativamente fácil. Da SC-418 é preciso percorrer a pé cerca de dois quilômetros para chegar ao cume da elevação, que está 980 metros acima do nível do mar.
Em média o percurso é coberto em uma hora. No começo da caminhada um riacho habitado por cardumes de lambaris precisa ser cruzado meia dúzia de vezes. Depois vem uma subida, que em alguns trechos é muito íngreme, obrigando o visitante a firmar as mãos em raízes para vencer obstáculos como pedras e troncos atravessados na picada. De tão frequentada, em algumas partes a picada apresenta profundidade de mais de 20 centímetros.
A vegetação do local é pródiga em árvores frondosas, a maioria emolduradas por orquídeas. A profusão de gravatás também impressiona. Da copa das árvores ouve-se o canto de muitos passarinhos de pequeno porte. Na picada existem sempre rastros de animais selvagens, entre outros, tatus, cotias e jaguatiricas. Até os anos 1970 eram comuns rastros de onças e antas. Com o aumento da circulação de pessoas, tais rastros não são mais encontrados nas redondezas do castelo.
Do alto dos grandes blocos de pedras sobrepostas a vista panorâmica é esplêndida. A zona sul de Joinville pode ser vista em quase toda sua extensão. São também descortinados o Morro Pelado, o vale do rio Cubatão, parte dos campos naturais da Serra do Quiriri e até a Serra de Agudos, no Paraná.
Além das belezas naturais, Castelo dos Bugres atrai visitantes devido às lendas que mistificam o local. Há quem acredite que em algum ponto secreto existe uma entrada para o centro da Terra, onde viveria uma civilização mais adiantada do que a nossa. Antigos caçadores garantem que à noite são ouvidos sons estranhos, sobrenaturais, segundo eles.
A lenda mais fantástica do castelo surgiu no final do século 19. Em noites de lua cheia, um índio montado em um fogoso cavalo branco e brandindo uma lança flamejante teria surgido em mais de uma oportunidade no ponto mais alto do castelo.
Ninguém afirma ter visto o tal índio. Mesmo assim, é expressivo o número de pessoas que acreditam em sua existência. Mais que isso, acreditam ser ele o guardião de um fabuloso tesouro.
A lenda do índio da lança flamejante continua instigando a imaginação de muita gente. Outras histórias correm à solta sobre o castelo, como o rufar de tambores, o repicar de sinos e a queda de raios em noites estreladas.
Valdemar Meyer, vizinho do castelo, fez a primeira visita ao local há mais de 50 anos. Depois disso subiu a elevação outras centenas de vezes, sempre como guia de pessoas de perto e de longe. Já levou ao topo do morro joinvilenses, paulistas, cariocas e até alemães e suíços.
Bem-humorado, Meyer conta que nunca viu nada de fantástico no castelo, a não ser as estonteantes belezas naturais. Dando risadas ele emenda: mesmo não encontrando nada de misterioso, os visitantes vão embora satisfeitos com a belezura do lugar.
Meyer não contesta as lendas que ajudam a visitação ao castelo. Mas numa coisa ele discorda de pronto: comenta-se que existem inscrições indecifráveis nas pedras. Tudo balela, o que tem por lá são duas ou três iniciais de nomes e sobrenomes de soldados do Exército, que costumava levar a tropa ao local para fazer manobras de sobrevivência na selva. “Eu mesmo testemunhei um soldado fazendo uma dessas inscrições com a ponta de uma faca” – assinala, sem conter uma boa risada.
Sobre uma possível entrada secreta para o centro da Terra, o mateiro do castelo informa que nunca encontrou qualquer vestígio da dita cuja. “Se existe, está muito bem escondida”, enfatiza.
Monte Crista
Em Garuva, local de verdadeiras romarias é o Monte Crista, região da passagem da famosa picada que no século 18 fazia ligação entre a comunidade de Três Barras, em Garuva, e a cidade de São José dos Pinhais, perto de Curitiba.
Situado a quase mil metros do nível do mar, o topo do Crista oferece uma vista privilegiada. De lá é possível divisar a orla do mar e as cidades do extremo norte do litoral catarinense.
Atualmente a maioria dos visitantes contenta-se em apreciar a bela vista e a se deliciar com a imensidão da floresta por onde passa o caminho que estabelece ligação com o cume da montanha.
Subir o Monte Crista exige de quatro a cinco horas de caminhada. Mas compensa o esforço pela exuberância da floresta e por um detalhe histórico: parte do trajeto é feito através da antiga picada Três Barras-São José dos Pinhais, aberta pela Coroa de Portugal em meados do século 18. Por ser muito íngreme, dificultando até a circulação de mulas, ela deixou de ser usada como rota comercial poucos anos após sua conclusão. Nos trechos de subidas mais fortes o dito caminho foi revestido com pedras achatadas, que permanecem lá até hoje e são conhecidas como “Escadaria do Monte Crista”.
Num passado não muito distante, a picada do Monte Crista chegou a ser afundada por aventureiros em busca de um suposto tesouro. A lenda do tesouro é a mesma que corre na Serra do Quiriri. Padres jesuítas, que estariam passando pelo local com um carregamento de barras de ouro e pedras preciosas, ao serem atacados por uma tribo de índios ferozes, tiveram tempo de esconder a preciosa carga em uma caverna antes de caírem mortos a flechadas.
Por conta dessa lenda, transmitida oralmente de geração para geração, muito se fuçou, muito se esburacou em lugares de difícil acesso ao Crista. Se alguém achou alguma coisa ninguém sabe dizer.
Hoje os caçadores de tesouros praticamente saíram de cena. Mas tanto nos arredores do Monte Crista, quanto na Serra do Quiriri, tem gente que acredita na existência do tesouro dos jesuítas e que ele ainda não foi encontrado.
Perto do ponto mais alto do Crista existe uma formação de pedras retangulares interessante. Na base, duas pedras estão posicionadas no sentido vertical. Em cima delas estão outras duas, em posição horizontal. Uma quinta, novamente na posição vertical completa o conjunto.
A maioria dos visitantes impressiona-se com o capricho da natureza em ter formado conjunto rochoso tão perfeito. Mas nem todos acreditam que aquilo constitui-se em um capricho da natureza. Trata-se, segundo eles, de um marco deixado pelos Incas quando da suposta abertura de uma ramificação do Caminho Peabiru em direção ao litoral norte de Santa Catarina.
Partidários do “capricho da natureza” e do “Caminho do Peabiru” nunca se entenderam e nem vão se entender. Ninguém admite dar o braço a torcer e assim o conjunto de pedras é motivo para uma teima sem fim.
Outra lenda que envolve o Crista refere-se a aparições furtivas de figuras fantasmagóricas. Para muitos só podem ser almas penadas de jesuítas que teriam sido mortos a flechadas.
Lenda é lenda e por isso no começo dos anos 1960 aconteceu um fato que é lembrado até hoje. Alguns jovens de Joinville caminhavam rumo ao alto do Crista desconfiados com a possibilidade de topar com alguma visagem assombrosa.
Assim que se encontravam a poucos metros do cocuruto da montanha, eis que a suspeita materializou-se. Atônitos, de súbito avistaram algumas figuras vestidas de preto, com as cabeças cobertas por capuzes da mesma cor.
– Minha Nossa Senhora, me socorre, são fantasmas da Idade Média – gritou um dos excursionistas, pronto para descer a montanha em quatro pulos.
Nisso ouviram uma risada. Já assustados, os jovens sentiram o sangue gelar de vez nas veias. Para alívio de todos, em seguida soou uma voz tranquilizadora.
– Calma gente, não somos fantasmas coisa nenhuma. Somos padres capuchinhos – trombeteou a voz entre inevitáveis risadas.
Resultado: os apavorados trilheiros de Joinville, que por pouco não afrouxaram o esterco, tamanho foi o susto, se juntaram ao grupo de capuchinhos para explorar as belezas do místico Monte Crista.