Livro de contos do acadêmico Hilton Görresen é o “destaque do ano” da ACL

Vejam a sinopse dos contos feitas pelo próprio autor. Depois, não deixem de ler o livro!

 

POR QUE MATEI ROCKY LANE?

Trata-se de uma coletânea com 24 contos de autoria do acadêmico Hilton Gorresen, edição da Editora Areia – Joinville – 2018.

 

TRABALHINHO

É a história de um jovem desempregado, como muitos outros, que procura ganhar a vida do jeito que pode, utilizando sua força corporal em pequenos trabalhos não muito dignos. Precisa garantir a subsistência, comer, pagar o aluguel, a academia.

No entanto, percebe-se que não age friamente, tem seus escrúpulos, reflete sobre suas ações, mas não pode se desembaraçar delas. “Que modo estranho de ganhar uns trocados. Nessas horas me dava um tremor nas pernas, vontade de largar o negócio, ir embora para minha toca.” Como vive num meio machista, ao final revela seu pensamento condizente com esse meio: entre o “otário” que sustenta a amante e o “político safado” que com ela se encontra clandestinamente, prefere condenar a mulher: “…Mas sabe o que me deu vontade ali no quarto?…Dar um pau naquela vagabunda.”

 

O DUELO

O tema que transparece é a defesa da honra. O adolescente, tímido, é desafiado para uma briga com outro. Sabe que é tudo uma armação dos amigos para provocar tal confronto e se divertirem de um modo cruel. No entanto, não pode sair fora, para não ser considerado covarde. Compara sua situação ao dos duelistas antigos. Mas será essa tal de honra, que nem tem existência concreta, uma coisa tão importante, que pode levar seus defensores mesmo à morte? Acaba ampliando suas reflexões para a causa de muitas guerras, em que quantidade de jovens enfrentam outros jovens para defender a honra de um país, em que há por trás somente interesses dos mais poderosos. Mesmo a contragosto, sem odiar o adversário, é obrigado a enfrentar o desafio. “Parado, respirei fundo, procurando recuperar o fôlego. A honra estava salva.”

 

E EVITARÁS AS TENTAÇÕES

Um senhor de meia idade, casado, decente, bom pai de família, deixa-se sucumbir a uma tentação inconsciente: apalpar as nádegas de uma moça. “Quem mais estranhou esse ato “indecente” foi ele mesmo.” A partir daí, entra em conflito com sua consciência; a culpa que sente pelo ato o faz temer a presença de dois homens que estavam de “campana” sob um poste, quase em frente de sua casa, supostamente parentes da moça. ”Na certa estavam esperando que ele saísse de casa para abordá-lo.”

Para acalmar a consciência, acaba jogando a responsabilidade sobre a própria moça: “As moças saiam com essas vestimentas coladas às nádegas, como uma vitrine aos olhos dos machos, e se escandalizavam quando eram “molestadas” com olhares, palavras e até com gentilezas, veja só.”

 

TEU SORRISO ME DÁ ÓDIO

“Há palavras e olhares que ferem mais do que uma punhalada”. É sob essa constatação que o personagem agasalha um ódio constante ao colega de serviço, por “uma risadinha de lado”, duvidando de sua competência. Fato que o colega em questão ignora. Por isso, encontra uma maneira de prejudicá-lo, levando-o ao final ao desgaste físico e moral.

No entanto, tal vingança não conseguiu dar tranquilidade ao personagem, talvez porque o sentimento de incompetência estivesse nele mesmo, e tentasse por isso combatê-lo no seu opositor. “Mesmo assim, seu enviesado sorriso de desprezo continuou atravancando minha alma.”

 

POR QUE MATEI ROCKY LANE?

Trata-se de um conto de fundo psicológico. Um escritor de livros sobre o faroeste, muito comuns na década de 1970, vive inconscientemente angustiado, sem amigos, fascinado pelos enredos cruéis e sangrentos. Quando resolve matar, simbolicamente, seu herói de infância, o valente mocinho Rocky Lane, investindo-o na figura de um dos personagens de seu último trabalho, abre-se uma barreira em sua memória, obstruída por um trauma de infância, e revela-se a resposta para seu estado de angústia.

O conto é narrado em “flashback”, em três partes, as duas primeiras indo desaguar na solução final.

 

ELES NÃO DEIXAM

O tema é, de certo modo, a traição. Em quem devemos confiar? O personagem adquire um velho casarão, e verifica que nele não está sozinho: desde o começo, nota a presença de figuras sobrenaturais que habitam o local. Ao final, parecem fazer “um pacto de habitação pacífica”, até o momento em que ele resolve levar uma prostituta para morar no casarão. Ao contrário dos outros textos do livro, este apresenta um fundo humorístico, ocasionado pela relação entre o morador e os dois “fantasmas” que não conseguem assustá-lo.

 

SERÁ QUE ELES VÊM ME PEGAR?

O personagem é um jovem de seus 18 anos, procurado por um conhecido de outra cidade, que o convence a conduzi-lo a uma casa de prostituição onde tem encontro com uma das suas raparigas. Ali, o jovem enfrenta uma situação de perigo, que o força a tomar uma decisão. Trata-se, na estrutura, de uma simplificação da velha jornada do herói, com seu objetivo e o enfrentamento de um conflito, o que ocasionará o autoconhecimento do personagem, quanto à sua consciência.

O final é inconcluso, permanecendo tanto o rapaz quanto os leitores na dúvida do que poderá acontecer.

 

O DESCASCADOR DE LARANJAS

Trata-se da estilização da velha história da cigarra e da formiga. O pobre morador de rua, com sua sofrida liberdade, acaba por provocar a ira de um grupo de moradores da cidade, que, enfurecidos, resolvem linchá-lo sem ao menos entender qual é/foi sua culpa.

O texto perpassa as ações solitárias do personagem, discriminado, “Era inofensivo, quase transparente; pessoas ignoravam sua presença nos portais, passavam com sua pressa cotidiana enquanto a vida ia se escoando.” É sacrificado talvez por ser diferente: “Das casas saiam mais pessoas, enraivecidas formigas a estraçalhar a cigarra muda e sem asas.”

 

LADRÃO

A narrativa se detém nas agruras por que passa o personagem, surpreendido por ladrões dentro de casa. Esconde-se debaixo de uma cama e dali acompanha o movimento dos meliantes nos aposentos da casa: “Não me envergonho de dizer que havia me escondido debaixo da cama; como ia saber se eles não estavam armados? Herói só sai vivo nos filmes de Hollywood.”

O final do texto apresenta uma surpresa.

 

ALGUMA COISA NO AR

O texto traz algum mistério. O personagem, encastelado num quarto de hotel modesto, provoca celeuma na cidade por suas ações misteriosas, envolvendo casais de elite. É como se participassem de um ritual esotérico, que não pudesse ser comentado fora dali. Seria ele, simbolicamente, em ente do bem ou do mal?

Segundo a igreja, representada pelas beatas, trata-se de um agente do demônio, por isso organizam uma cruzada – como as organizadas na Idade Média, para exterminar os “hereges” – a fim de expulsar a nefasta figura.

No final, como às vezes acontece na vida, a questão não resta esclarecida, ficando sua interpretação a cargo dos leitores.

 

CASACO DE PELES

O tema é a vaidade e suas consequências, roçando também o apelo ecológico. Por mera vaidade ou por ser “um signo de distanciamento social”, a mulher teima em comprar um casaco de peles, exposto na loja.

É um lindo casaco de pele de coelho: “De coelho? Tadinhos dos bichinhos (diz o marido). Quantos coelhos será que foram trucidados para caber nesse casaco?”

A trama se baseia num problema havido com a vestimenta, o que leva sua proprietária à ansiedade e ao desespero, o que provoca um final fantástico e surpreendente (seria um pesadelo?)

 

FUMETA

O texto trata, em forma de diálogo entre dois amigos, do problema de bullying.  Quais seriam as consequências se o garoto outrora vítima de seus colegas, por discriminação e crueldade, em virtude de seu estado de pobreza ou de semianalfabetismo, fosse hoje alguém com determinados poderes?

 

O QUE FAZER COM AS CRIANÇAS?

O tema é o machismo levado às últimas consequências. O professor de História abandonado pela mulher é informado que sua ex voltou à cidade e está trabalhando em uma casa de tolerância. Inconformado, com os sentimentos desencontrados, decide “resolver a situação”.

O conto utiliza a técnica de mostrar a “verdade” de cada um dos personagens, através da mudança de narrador e de ponto de vista.

 

O TRÁGICO DESTINO DE ZECA NASA

O tema tem a ver com traição (traição?)  O personagem é alguém que “se jogou nas cordas” na vida. Aposentado por invalidez, apenas por ter “esmigalhado três dedos” da mão, tornou-se inútil e alcoólatra. Passava as manhãs no bar: “Após o almoço, Zeca deitava no divã da salinha para curtir o porre, dormia quase até a noite chegar.”

Em tal situação, só restava á sua abandonada mulher escolher outro caminho para sua afeição. E Zeca se vê na contingência de fazer uma escolha: a honra ou a bebida?

 

A VISITA DA JOVEM SENHORA

A epígrafe do conto já se faz elucidativa: A aranha é paciente. Tece sua teia e espera. Quem é a aranha? E quem irá se debater em sua teia? A personagem é uma viúva que recebe sua amiga de infância, há anos no exterior. Enquanto a amiga, alegre pelo reencontro, “desembrulhava antigas lembranças”, ela, Maria Dalva, conservava um silêncio meditativo. O final do conto leva o leitor à certeza de que conhecia o segredo da amiga e levanta dúvidas sobre a morte do marido há quinze anos.

 

DANÇANDO FUNK

O tema são as (in)consequências do poder em mãos despreparadas. A arrogância, a opressão. O personagem é um jovem estudante, que espera a namorada chegar de viagem num fim de semana. Parados por policiais, são submetidos à agressão e a ameaças gratuitas, apenas para mostrar que “Aqui nós é que manda. ” A cena final mostra a displicência e o pouco caso que essas “otoridades” dispensam aos cidadãos que deveriam defender.

 

PAI, TE ESCREVO

O tema é a falta de comunicação na família. Diante da morte de seu pai, um filho faz reflexões e descobre que nunca havia conhecido verdadeiramente aquele que se foi. Seu passado, sua infância e mocidade, seus desejos, amores. “Nunca nos sentamos numa mesa, numa praça, num bar, a fim de nos conhecer mais a fundo.”

É essa falta que vai ficar, essa falha de comunicação filial que lhe dói mais do que a própria morte do pai. Então resolve, simbolicamente, entrar em contato, talvez então dizer-lhe tudo que ficou para ser dito.

 

PROVA DE REDAÇÃO

Uma nova abordagem desse processo seletivo tão comum. Oprimidos pelo Sistema, talvez numa época em que sejamos por ele dominados, um grupo de pessoas avalia as provas de milhares de candidatos. Qual o objetivo dessa seleção? “Os não aprovados… não, isso não podíamos comentar. Estávamos sendo vigiados.”

Os próprios avaliadores são isolados num prédio, como se fossem presidiários. “Éramos uma espécie de prisioneiros de luxo.”

O final, sob o comando do Grande Condutor, se revela um horripilante espetáculo fascista.

 

AS ÁGUAS DO RIO

Há temas que são persistentes num escritor, são as coisas que o incomodam. Neste caso, a passagem do tempo e suas consequências. O personagem, após cinquenta anos, viúvo e aposentado, decide retornar à sua terra natal. Há imagens que se cristalizaram, como a da bela garota por quem era apaixonado.

Frustrado, verifica então que “as águas do rio nunca são as mesmas”. Cadê o velho cinema, os amigos de juventude, o campinho de futebol, o quintal com as árvores (que virou um requintado jardim), cadê a sua juventude?

O personagem não é nenhum intelectual, abusa das frases feitas, dos ditados, passa a viagem lendo uma obra de Paulo Coelho. Talvez não perceba em si próprio o envelhecimento, a deterioração do rio e das outras pessoas.

 

A FILHA DA VIÚVA

O texto trata do preconceito, da discriminação contra mães solteiras, no caso uma viúva. Grávida em uma cidade pequena, de moral vitoriana, a mulher esconde o nome do autor e decide criar sozinha a criança, uma menina. Além dela, apenas uma pessoa está a par do caso, o jovem personagem que narra a história, por ter presenciado anteriormente um encontro dos dois amantes. A filha cresce sem saber do pai, que havia deixado a cidade, tão logo o escândalo estourou.

Mantendo-se firme e digna, a viúva consegue, com o tempo, restabelecer seu respeito.

E o pai? Ao final, o personagem-narrador o encontra em um aeroporto. Pela sua reação, fica-se na dúvida se foi por sua vontade que abandonou a futura filha.

 

COMO ME LIVRAR DA VIZINHA DE BAIXO

Não fosse pelo final, poderia se considerar esse um conto humorístico. Trata do conflito entre um jovem estudante e sua vizinha, “uma velha seca, autoritária, de voz desagradável como galhos secos se partindo.” O conflito chega a tal ponto que os dois não podem mais conviver no prédio. “Queria me expulsar dali, pois eu a expulsaria antes.”

A questão se resolve devido à atuação do gatinho que o jovem mantém escondido em seu apartamento, justamente por causa da reclamação da vizinha.

 

O DIA EM QUE ATALIBA SUMIU

Outro texto em que há um gato. Mas esse vive como um príncipe, “filho único” de sua dona, a gerente de uma pensão em Brasília.  O personagem, um jovem paranaense, introvertido, não se dá bem com o gato e com a sua dona, que o discrimina na pensão.

Não tem êxito em aproximar-se dela e dos demais hóspedes, oriundos de vários estados, que costumam mimosear tanto a velha quanto o gato. Seria por culpa de sua personalidade ou era mesmo discriminação? Acaba se sentindo isolado.

Até que um dia o gato some misteriosamente. O que será que houve?

 

 

UMA VIAGEM TRANQUILA

O título do conto é, naturalmente, uma ironia. O personagem dá carona em uma viagem a uma pessoa humilde, que o aborda ao sair do acostamento. Em conversa, descobre que pode se tratar de um indivíduo perigoso, que anda armado de peixeira.

O carona, então, faz perguntas que o deixam preocupado, com medo de ser assaltado.  Ameaça-o, exigindo que o leve mais além do que o destino combinado.

Qual a solução? Quem era verdadeiramente essa pessoa?

 

ONDE ANDA SEU ANÍBAL?

O personagem é funcionário de uma repartição pública. Mas não daquelas caricatas, em que os empregados saem amiúde para resolver seus problemas, deixando o paletó pendurado na cadeira. É uma repartição cheia de normas, metas, cobranças, avaliações “comandada por indicados políticos…”.

Precisando de formulários, que na realidade devem ser requisitados com antecedência, sai à procura do chefe do almoxarifado, seu Aníbal. Mas no almoxarifado encontra uma terrível surpresa.

O final é inconcluso, sem solução momentânea, pois a vida segue e talvez a solução seja encontrada daqui a uns tempos. O que interessa é o momento. O serviço não pode parar.

Pode se tratar de um conflito entre o comportamento da pessoa no ambiente formal, rigoroso, controlador, e os seus sentimentos íntimos, aquilo que só a ela diz respeito, e a motiva a algum ato fora de propósito.

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