Melancolia (Joel)

Melancolia

Joel Gehlen, AN, crônica de quinta, 26/11.

As nuvens estavam lá. Porções brancas cercadas de céu azul por todos os lados. A relva é vereda, e a Terra inteira, uma estrada para chegar. Era dar o primeiro passo e ir. Todos os caminhos do mundo abertos a sua vontade. Mas tinha predileção por ficar ali, de costas sobre a macega, sentindo os desníveis do solo pressionarem as costelas. Deixando que as duas narinas repastassem aquele cheiro de capim amassado, pensou pela primeira vez que seria bom ter alguma companhia. Percorreu mentalmente as vértebras mal acomodadas no chão e se conformou. A eternidade deveria se parecer com estar assim, daquele jeito. Se fosse só isso, já estava bom, só não queria morrer outra vez.
E ter aquele ninho de nimbos por companhia foi sendo a própria essência do seu estado. Resolveu ficar sem tempo definido. Fechou os olhos, nenhum som, nem mesmo as gralhas ou quero-queros que nessa época ficam ciosos por causa dos filhotes; sequer um voo de mosca. Abriu-os em sobressalto: o que será que fugiu de mim? As nuvens estavam em outro lugar, mas ainda pastavam à sua volta, como um rebanho na invernada do firmamento, ao alcance da mão. Se quisesse poderia retocar aquele cardume do acaso, pôr o branco de um lado e o azul de outro, como se fez no primeiro dia da Criação.
Percebeu que não havia qualquer sopro de vento, não seria legítimo interferir numa calmaria tão absoluta. Isso aprisionava aquelas nuvens ao alcance dos seus olhos, como esculturas de sal. Buscou algum vestígio de música. Um opus de Bach, quem sabe, sempre ouvira dizer que era pura matemática. Mas não encontrou nada além do silêncio. E o silêncio não falava como ocorre nas figuras de linguagem, era apenas a ausência absoluta de som. Nem a memória se fazia ouvir. Enlaçou o olhar nas nuvens com certo desespero, com medo de desviá-lo e descobrir qualquer coisa de aterrador, talvez a própria morte. Fixava as nuvens com alfinete e olhar de entomologista para que nada saísse do lugar. Agora lhe restava apenas o olfato para tatear o mundo. E foi assim que percebeu o ar entrando e saindo, a respiração muito tênue, o único fio essencial. Todo o resto era dispensável. E, no fim, a vida é só isso, essa mínima poeira intangível. Mas como dói.

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