Nossos soldados do fogo (Paulo Roberto da Silva)

 

Nossos Soldados do Fogo

Paulo Roberto da Silva

 

Uma das instituições que mais orgulham nossa cidade é a do Corpo de Bombeiros Voluntários de Joinville, criada em 1892, há 132 anos!

Os incêndios, aliás, são um trauma antigo na história do mundo. Em nossa família não seria diferente, e sua origem mais recente entre nós talvez remonte ao ano de 1882, uma década antes do nascimento da corporação local. Naquele ano, minha tetravó Caroline Schwarz Krüger faleceu vitimada por um pavoroso incêndio no hotel em que se encontrava, na ilha de São Francisco, após três dias de grande agonia. Era antevéspera de Natal.

Em 1893, ano seguinte ao da fundação do nosso Corpo de Bombeiros, um dos meus tetravôs, o prefeito Carlos Monich, abraçou a causa e se tornou o primeiro membro da família a integrar a corporação, ainda que na condição de membro-contribuinte diante da sua idade. Também em 1893 meu tio-trisavô Carl Eggers Senior tornou-se um membro-ativo, atuando inclusive na defesa da cidade durante a Revolução Federalista. Quatro anos após, em 1897, foi a vez do meu trisavô Guilherme Pape seguir os passos do sogro Carlos Monich, sendo também admitido na corporação.

Já no século seguinte, essa preocupação prosseguiria e, em 1922, foi meu bisavô Reinhold Stricker quem conseguiu ser admitido como bombeiro voluntário ativo. Os ensinamentos e a inspiração que transmitiu aos filhos por certo foram fundamentais para que seu filho (meu avô Willy Stricker) conseguisse debelar um princípio de incêndio em sua casa, também em um Natal mas na década de 1940, provocado pelas velas colocadas nos pequenos suportes de bronze que adornavam os galhos do imenso pinheiro que, a cada ano, era instalado na sala e que se estendia até o teto.

Talvez ainda inspirado pelo pai, que fora membro-ativo da corporação, meu avô dela tomaria parte mas na condição de membro-contribuinte, tanto quanto seu irmão mais velho, meu tio-avô Paulo Stricker, cuja viúva receberia, em 1996, a “Machadinha  Simbólica” pelos 40 anos de contribuição do casal a essa causa. Igual honraria coube a vários dos primos dos meus bisavós e avós: Leopold Monich (em 1977), Alfred Krüger (em 1983), Eugênio Wolter (em 1988, “in memoriam”), Arthur Wolter (em 1991, “in memoriam”), Erwin Dumke (em 1991), Peter Markus Mayerle (em 2000) e Percy Romeu Monich (em 2002, “in memoriam”).

Paralelamente, dois sobrinhos do meu bisavô igualmente seriam admitidos como bombeiros voluntários ativos: os irmãos Gottlieb e Werner Strücker, numa atuação que se estendeu por longos anos.

Enfim, são gerações e gerações que se sucedem sempre fiéis ao trabalho abnegado e voluntário desenvolvido pelo Corpo de Bombeiros de Joinville.

Com o passar do tempo, no entanto, o fantasma dos incêndios do passado voltaria a fazer parte do histórico da nossa família. À época, morávamos no 11° pavimento do edifício Manchester e as lembranças impactantes do filme hollywoodiano “Inferno na Torre”, de 1973, exibido no Cine Colon (logo em frente), ainda se faziam bastante presentes. Corria o ano de 1976 e, numa certa tarde, enquanto eu me encontrava em aula no então curso primário do Colégio Bom Jesus e nossa mãe estava em nosso apartamento no “Manchester” com meu pequeno irmão, repentinamente viu ele uma espessa fumaça cobrindo todo o imenso corredor do andar, correndo para alertá-la a respeito. Não dando muita importância ao seu relato de criança, nossa mãe procurou demovê-lo da ideia, acreditando que tudo era apenas o resultado do incinerador que existia no andar das garagens e para onde todo o lixo do prédio era encaminhado. Pouco depois, meu irmãozinho voltou até ela assegurando-lhe de que vira “MUITA fumaça…”. Nisso, ela escutou a sirene dos caminhões dos bombeiros! Olhou pela janela do apartamento e percebeu que, lá embaixo, toda a cidade olhava para cima, para o edifício, e aparentemente só ela olhava para baixo! Ao abrir a porta do apartamento, constatou a veracidade do que meu irmão lhe dissera: o corredor estava totalmente coberto de fumaça! Teve ainda tempo de telefonar para o escritório do nosso pai, que bradou: “Desçam imediatamente! Estou indo em seguida!”. Sua primeira preocupação foi a de não pegar o elevador, com medo de que as chamas ou a própria fumaça os atingissem naquele cubículo. Pensando assim, fez todo o percurso pelas escadas, com meu pequeno irmão junto a si até que um morador de um dos primeiros andares, o Sr. Francisco Vian, tranquilizou-a: o fogo fora debelado! Tudo não passara de um princípio de incêndio que tivera início no compartimento de alguma das lixeiras do edifício, existentes em cada andar e que se ligavam diretamente ao incinerador, em uma das quais alguém lançara um cigarro aceso…

Alcançando o térreo, o clima era cinematográfico, em que moradores assustados se misturavam à população reunida e a uma legião de bombeiros naquele que poderia ter sido o primeiro incêndio em um grande edifício da cidade. Lembrando que as traumatizantes imagens dos incêndios ocorridos nos edifícios Andraus (em 1972) e Joelma (em 1974), ambos na capital paulista, estavam vívidas na memória de todos. O reencontro com nosso pai foi o alívio que faltava.

Não muito tempo depois, contudo, nos anos de 1977 e 1978, nossa cidade viveria dias, semanas e meses de medo e terror com uma série de incêndios criminosos atingindo a área central da cidade. Lá do alto do nosso apartamento, pelas amplas janelas das salas e quartos, conseguíamos acompanhar a trajetória dos bombeiros a cada alerta produzido pela sirene instalada no alto da torre da corporação. Penso que, dessa época, o mais pavoroso incêndio foi o ocorrido na Wetzel Fábrica de Sabão e Velas, na rua Senador Felipe Schmidt: das nossas janelas víamos, apreensivos, as colunas de fumaça e as labaredas. No entanto, tão inexplicavelmente como essa série de eventos surgiu, assim também desapareceu, e nunca se soube quem teriam sido os autores.

Mais 20 anos decorreriam até que um novo incêndio nos alcançou, agora em nossa casa, que amanheceu com as paredes e os móveis das salas e das áreas de serviço enegrecidos pela ação da espessa fuligem, num pequeno incêndio iniciado na copa enquanto dormíamos e que poupou apenas os quartos. Uma legião de vizinhos se juntou a nós nos exaustivos trabalhos de limpeza, num trabalho solidário que tem a cara da nossa cidade.

Enfim… Joinville e todos nós, seus moradores, somos guardiões de um precioso tesouro: o Corpo de Bombeiros e seus valorosos bombeiros voluntários! A eles, todos os nossos agradecimentos e homenagens jamais serão suficientes!

COMPARTILHE: