O antigo fórum

Numa época não muito distante, coisa de quinze anos passados, o Fórum de Joinville localizava-se muito perto do terminal central de ônibus, numa esquina movimentadíssima onde borbulhavam os mais variados tipos.

No edifício em frente, em seus últimos andares, funcionava provisoriamente a Justiça Federal da cidade, em salas alugadas para aquele fim.

Idosos, jovens, mulheres, crianças, andarilhos, juízes, advogados, enfim, todo tipo de pessoa rodeava aqueles dois prédios.

Certo dia, lá pelos idos de 1998, quando não havia tantos advogados na cidade, um dos mais nobres e respeitados causídicos da comarca entra apressado no Fórum. Naquela época, as janelas de atendimento não passavam de portas com dupla abertura, em que a parte superior era destinada a um ou dois advogados que conseguiam se espremer por ali.

Com sua envergadura, facilmente concluía-se que apenas um advogado – do porte dele – conseguiria ser atendido. Mas aquele não poderia esperar. Foi ao gabinete do magistrado.

Mais alguns passos até abrir a porta e o causídico dá de cara com uma secretária – sim, naquela época não existiam assistentes e estagiários de assistentes e, sim, conseguia-a com mais facilidade conversar com o magistrado – a pretexto de apressar seu requerimento, urgentíssimo até aquele momento.

Segue um diálogo entre ambos:

– Pois não, doutor?

– Boa tarde! Vim para falar com o juiz, a fim de analisar um requerimento meu.

– Qual seria o caso, doutor? Está aqui no gabinete?

– Não, não. Quem me dera! Já protocolei na Distribuição a petição.

– Então o doutor vai ter que esperar subir para o Cartório, para este autuar e, posteriormente, voltar aqui para, daí sim, pedirmos ao Cartório e, sob nossa análise, enviar ou não o processo concluso para despacho. E ainda temos que achar o processo! O senhor sabe, no meio de tantos processos, sabe como é, as vezes eles somem…

Desanimado, o advogado pensa. Reflete. E dispara:

– Tudo bem. Deixa para outro dia então.

Desce até a Distribuição do Fórum, que fica nos fundos do edifício dando acesso à uma pequena rua. Lá, pega seu cliente pelos braços, um ser que mais parece um mendigo aos farrapos, e põe-se a fazer novamente a encruzilhada.

Sobe até o Cartório, que ainda está abarrotado de advogados e cidadãos querendo informações processuais, sob os olhares atentos de muitas pessoas. Como não tem escolha, dirige-se ao gabinete. Ao ingressar no recinto, a jovem secretária olha aquele homem sem muita esperança que tenha tomado banho nos últimos dias.

– Creio que a situação não pode esperar, diz o advogado. Mas se tiver que esperar, vou ficar aqui até a Distribuição subir minha petição. Este é meu cliente. Ele é procurado pelo Poder Judiciário há 2 anos acusado de estupro. Quer se entregar. Por isso a petição urgente.

A secretária do magistrado, obviamente espantada com a situação e ajeitando a saia para baixo e o decote para cima, busca voltar à consciência balbuciando:

– É pra já, doutor. Vou lá buscar sua petição – e sai da sala imediatamente.

Ao fechar da porta, o advogado tira uma nota de R$ 5,00 (cinco reais) e dá ao mendigo, pelo “profissionalismo”. Acompanha-o até a porta e agradece, dirigindo-se até a outra porta, que leva à sala do magistrado.

– Excelência, boa tarde, com sua licença. Gostaria de conversar com Sua Excelência sobre um caso…

E segue-se longa conversa. Ao final, quando sai da sala do magistrado, o advogado dá de cara com a secretária, que indaga-lhe:

– E seu cliente, doutor?

– Fugiu novamente. Sabe como é, às vezes eles somem…

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