O dia em que vi Papai Noel (Hilton Görresen)

 

O DIA EM QUE VI PAPAI NOEL

Hilton Görresen

 

Quando era garoto, o Natal lá em casa não tinha muita comilança nem “bebelança”. Às 19 horas, minha mãe postava a mesa e sentávamos para o que conhecíamos por jantar de Natal: arroz, maionese e galinha recheada, sem esquecer da sobremesa. Comer galinha não era coisa de todo dia. Era preciso encomendar a penosa, depois amarrar suas pernas e asas e deixá-la jogada num canto da cozinha. Na véspera da festa minha mãe colocava uma vasilha debaixo do pescoço da infeliz para colher o sangue e passava-lhe a faca.  Por isso, galinha era iguaria especial, somente para dias de festa.

Depois desse jantar frugal, era hora de descermos a escada para esperar lá embaixo enquanto Papai Noel vinha depositar nossos presentes debaixo da árvore. Todos sabem que Papai Noel se utiliza das chaminés para entrar nas casas. Tínhamos fogão a lenha, e nossa chaminé era um pouco estreita. Como o velhinho iria passar por ela e chegar até nossa árvore de Natal?

Resolvi me postar do outro lado da rua e ficar de olho na chaminé. Passavam carros, passava gente apressada. E eu nervoso: será que este ano ele não viria? Não demorou muito, divisei um vulto se esgueirando no telhado. Era uma figura volumosa; trazia nas costas um saco que parecia pesar muito. Ia como quem pisa cautelosamente em telhas, e isso não é nenhuma metáfora, pois eram telhas mesmo. Se ele escorrega, na certa vai quebrar um monte de telhas, foi o que pensei. Meu pai vai ficar possesso. E o pior, o cara que costumava fazer pequenos serviços lá em casa demorava uma semana para atender meu pai.

Nisso observei que o vulto aparecia mais claramente. Usava um gorro com pompom na ponta e, sob a claridade da lua, brilhava uma barba grande e prateada. Era ele, o bom velhinho. Chegando à chaminé, parou, examinando a situação. Enfiou nela um dos pés, depois tentou passar a barriga e o enorme saco (o dos presentes, lógico). Nada deu certo. Acabou desistindo de entrar por ali e sumiu de vez, certamente voltando ao seu trenó, estacionado em algum lugar.

Mesmo assim, os presentes já estavam debaixo da árvore. Um pouco depois, uma balbúrdia na rua: um sargento da polícia veio perguntar se meu pai vira alguém suspeito por ali, pois haviam saqueado algumas casas da vizinhança. Não vimos ninguém, lógico.

Agora, incrédulos, não venham me dizer que Papai Noel não existe. Eu o vi com meus próprios olhos, em cima do telhado. Só acho que seria muito melhor se para entregar os presentes ele batesse na porta das casas.

 

 

 

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