O fechamento das livrarias – partes 1 a 6
O FECHAMENTO DE LIVRARIAS – 1
A onda de fechamentos continua, inexorável. Para quem não observa o mercado editorial e livreiro do Brasil há mais tempo, isso pode parecer uma reflexo da crise atual. Não é. A onda é muito anterior à crise e vem de diversos outros fatores, muito mais fortes, que apenas encontraram na recessão atual o golpe de misericórdia.
As grandes redes cometeram erros primários. A La Selva, por ser menor, foi a primeira a pagar o preço – com a falência. Mas Saraiva e Cultura remaram na contramão. A FNAC, vendo o que aconteceria, tratou de livrar-se de sua operação brasileira, descarregando-a na sonhadora Cultura. Que acaba de fechar a última das 11 lojas FNAC no Brasil e pedir Recuperação Judicial – isto é, a velha e boa Concordata.
As editoras, por sua vez, pagam o preço dos erros das redes e o preço dos seu próprios erros. Ante a ameaça de fechamento das duas maiores redes compradoras de livros (junto com o governo, elas eram os grandes pilares de manutenção do mercado editorial), chegaram a implementar um movimento de AUMENTO de preço dos livros no varejo, que diziam defasado, para recuperar a viabilidade das livrarias. Santa ilusão!
Quando é que se viu um aumento de preços para um mercado em retração levar a aumento de demanda?
O varejo agoniza nas suas lojas físicas, que há muitos anos deixaram de ser só livrarias para sobreviverem vendendo de tudo um pouco, meio bric-a-brac de papelaria, informática, música, brinquedos. Mais erros cometidos. Quando fechou em Recife, a maior loja da Cultura fora de São Paulo agonizava porque o grande motor de suas vendas (43%) eram o CDs de música. CDs! Que vinham em queda livre a caminho da extinção.
Veio a revolução digital, a mesma que extinguiu o CD, e editores e grandes redes continuaram errando feio. Mantiveram o eBook brasileiro caríssimo, para não competir com seus livros físicos. As redes foram obrigadas a transformar-se em market places, que remédio! Mas o fizeram tardiamente, amadoristicamente, com preços inviáveis. Não conseguiram cobrir os custos astronômicos de suas lojas físicas com suas lojas eletrônicas.
Estavam pedindo: veio a Amazon!
As livrarias foram o templo da leitura, o lugar mágico do mercado livreiro por séculos. Hoje, cada vez mais esse lugar se chama e-commerce e market place e fica num estranho continente impessoal chamado Internet.
Hoje mesmo eu fiz uma coisa rara: comprei um livro de PAPEL na Amazon Brasil. Que fazer? não existe o eBook! Paguei 27 reais, mais frete de 11,40. Total: 38.40. Mas não tive que sair de casa, gastar tempo, combustível e estacionamento. Certo, vou ter que esperar uns dias pelo correio, mas não compro livro em sangria desatada. Pobres livrarias físicas!
Na mesma noite comprei um livro eletrônico na Amazon USA. Tempo da compra: 10 segundos entre clicar no pedido e o respondedor automático da Amazon me mandar o e-mail dizendo que o livro estava à disposição para abertura na nuvem do Kindle, débito automático na minha conta do Bank of America. Tempo de carregamento: mais 20 segundos. Total: menos de 1 minuto entre querer comprar e começar a ler. Preço: 2,90 dólares = 11 reais. Em termos de equivalente-página, tem mais do que o livro impresso que comprei. Detalhe: quando fiz ambas as compras eu estava de bermuda e chinelo. E era quase duas da madrugada. Pobres livrarias físicas!
Outra coisa: Não comprei, mas baixei uma AMOSTRA de outro eBook Kindle, o que é de graça e igualmente instantâneo. Costumo fazer isso com a maior parte dos livros, antes de adquiri-los. É o equivalente de ir a uma livraria e folhear o livro. Pobres livrarias físicas!
Dias antes eu tinha baixado, desta vez não pela Amazon Kindle, mas pela Kobo, ambos totalmente de graça, um livro novo da Chimamanda Adiche, o “Sejamos todos feministas” e uma concisa biografia de Nikola Tesla, escrita por Sean Patrick. Tenho os softwares Kindle e Kobo instalados em meu celular e no notebook. Mas só leio no celular, desde 2010. Pobres livrarias físicas!
Como autor e editor, as vendas de 8 livros meus, os primeiros que coloquei em oferta no mundo todo como eBooks Kindle em português, em menos de dois messes ultrapassaram já tudo o que vendi este ano no Brasil em livros impressos. E agora acaba de sair, disponível para o planeta Terra inteiro, meu primeiro livro em francês: “La Guerre de Jaques et les détours de la vie”. Um sujeito de bermuda e chinelo em Cannes, em Montreal, em Papeete, em Caiena ou na Martinica – ou um aluno da Aliança Francesa em Florianópolis – vai poder comprar o meu livro às duas da madrugada de um domingo, sem sair de casa. Pobres livrarias físicas!
Hoje as vendas de livros passam cada vez menos pelas livrarias físicas. Na Bienal do Livro de São Paulo não encontrei estandes de Saraiva ou Cultura. Não existiam. Mas havia um do Mercado Livre – enorme! E da Amazon, imenso. E da Microsoft, gigantescos 5 estandes. E das EDITORAS, aos montes, atacando os leitores DIRETAMENTE com suas vendas no estande e por e-commerce. Pobres livrarias físicas!
Só que eu continuo sendo um editor de livros físicos! Por isso espero que esses nossos antigos templos da leitura sobrevivam por mais alguns anos, mediante toda uma gama de reformulações que teremos que aprender, editores e livreiros, a fazer. Sobrevivam, livrarias físicas, pelamordedeus!
E eu acredito nessa sobrevivência, via emergência desse novo tipo de livraria. Vou escrever sobre isso em breve, na sequencia desta série de artigos.
O FECHAMENTO DE LIVRARIAS – 2ª Parte
Sigo aqui comentando o tema do fechamento de livrarias no Brasil.
O fato é que eu já vi tudo isso acontecer antes. Nos Estados Unidos! Então acho que sei o que vai acontecer no Brasil. Em 2007, meu primeiro ano em Miami, a Borders era a maior rede de livrarias do país. Eles tinham mais de 500 lojas nos EUA, cerca de 50 no Reino Unido, não sei quantas mais no Canadá, Cingapura, Austrália, Nova Zelândia… É o que lembro.
Sei que tinham algo como 20 000 empregados. Eu ia a livrarias do grupo, mas ia muito mais à do grupo concorrente, o Barnes & Noble, que ficava no meu bairro, Aventura. Contudo, pouco depois, por volta de 2009, a Borders já tinha começado a vender, liquidar ou fechar suas lojas no exterior, depois foi fechando centenas nos EUA e acabou falindo totalmente em 2011. Comprei toneladas de livros na lojas que fechavam, por preços de 1 a 3 dólares. Tirei uma fotografia de uma loja em fechamento – BORDERS Store Closing – que, anos depois, em 2014, virou capa do meu livro “O futuro do livro impresso, do jornal e da revista num mundo cada vez mais digital”.
A Barnes and Noble (B&N) comprou a marca e algumas operações da defunta Borders, o que só serviu para tornar a situação da própria B&N cada vez mais periclitante, Tanto que, em 2014, tive o extremo dissabor de ver a minha loja B&N do coração, a loja de Aventura, ser fechada também!
A B&N vem no vermelho há muitos anos, fechando lojas, sua operação de eBooks, com o leitor Nook, nunca foi bem sucedida como a da Amazon, com o Kindle. Ainda agora, em Setembro passado, havia rumores – mais uma vez! – de compra do grupo, mas na verdade ninguém quer botar a mão nessa cumbuca.
Quando a Amazon surgiu vendendo livros online (era 1995, os livros era todos só em papel), bastou um intervalo de 5 anos, até 2000, para que 45% da livrarias independentes dos Estados Unidos fechassem. Seguiram-se a desgraça da Borders e a contração da Barnes and Noble. Então, em 2007, a Amazon lançou o leitor Kindle e os eBooks entraram no mercado pra valer, crescendo exponencialmente até 2014, quando encontraram seu primeiro patamar.
Resumindo, em todo esse tempo, os outros diminuíram ou desapareceram e só a Amazon cresceu. A ponto de fazer hoje de Jeff Bezos, um filho de imigrante cubano, seu fundador e proprietário, o homem mais rico do mundo desde 2017. Mas isso, é claro, porque a Amazon não se limitou a vender livros físicos e eletrônicos, hoje está praticamente em todos os negócios de produtos vendáveis à distância.
Mas agora vejam só que coisa esquisita vem acontecendo desde o ano passado: A Amazon começou a montar livrarias FÍSICAS, hoje está com algo como 15 ou mais delas. É o triunfo e o retorno da livraria brick and mortar (tijolo e cimento). Claro que é um outro conceito de livrarias, mas, ainda assim, elas têm estoques enxutos de livros físicos, estoques que são pouco mais do que mostruários, posto que a entrega de correio americano pode se dar em 24 ou 48 horas.
E ainda mais esta: Nos EUA está acontecendo o crescimento do número de livrarias físicas independentes outra vez! li na PW desta semana que esse crescimento, segundo a American Booksellers Association, foi de 35%. Só que o tapado do jornalista esqueceu de dizer em quanto tempo isso aconteceu, vou procurar descobrir depois de escrever esta nota.
Mas o que chama mais a atenção é o TIPO de livraria que vem aí. Mas deixo para escrever sobre isso depois. Voltemos ao Brasil, por enquanto.
Em suma, no Brasil vai acontecer a mesma coisa. Nós somos especialistas em copiar tudo o que os norte-americanos têm de bom e de ruim, principalmente de ruim. As redes de livrarias quebraram lá primeiro. Agora elas quebram aqui. Mas, passados os abalos maiores, os livros continuaram a ser produzidos, as estruturas de venda em rede ou independentes não morreram, só trocaram de donos. Aqui vai ser igualzinho, com uma defasagem de 6 a 10 anos, como acontece sempre. E, claro, com a Amazon assumindo o papel de maior player por aqui também. Que remédio!
A 10ª pesquisa da GFK e ANL (Associação Nacional de Livrarias) foi divulgada agora. Ele mede o desempenho do varejo de livros no período de 3 a 30 de setembro passados, comparando-o com igual período de 2017. Os resultados mostram:
3,8 milhões de livros vendidos, com faturamento de 142,3 milhões. Isso é 8,6 e 1,2 por cento maior do que em Setembro de 2017. Se pegarmos o acumulado do ano, os número são: 40,7 milhões de livros vendidos do início do ano até agora, com faturamento de 1,75 bilhões de reais. Isso é 4,2 e 3,6 por cento mais do que no mesmo período de 2017. Logo… as vendas e o faturamento CRESCERAM! Ou seja, o mercado CONSUMIDOR não se retraiu. Os leitores continuaram comprando livros, em que pese a tal “crise” brasileira.
Conclusão: a crise é das grandes redes! Saraiva e Cultura, ambas em recuperação judicial. A Saraiva tentando negociar nesta semana um total de 100 milhões de dívidas com fornecedores em atraso, segundo publica o jornal Valor Econômico. Para se ter uma ideia dos seus apuros, ela está tentando se livrar de um abacaxi carioca, procurando passar o ponto de sua loja em Copacabana cujo aluguel é de 140 mil reais!
O pedido de recuperação judicial da Cultura foi o golpe de misericórdia para os editores já enredados com a Saraiva. Agora mesmo é que eles não vão ver tão cedo a cor do dinheiro deles e vão fechar o ano certamente no vermelho. Para uma grande parte das maiores editoras, Saraiva e Cultura representavam quase metade do mercado de que dispunham.
A respeito disso, disse o Bernardo Gurbanov, presidente da ANL: “O processo de recuperação judicial da Cultura representa a cereja de um bolo que azedou, chamado ecossistema do livro. Em 2012 havia 3 481 livrarias no Brasil. Em 2014, eram 3 095. E agora, fim de 2018, a ANL estima que o número caiu para 2 500 – para um país com 5 570 cidades.”
Buenos Aires, sozinha, tem hoje 734 livrarias, em que pese a ‘crise’ argentina. É claro que a voz corrente que Buenos Aires tem mais livrarias que o Brasil é apenas um mito. Mas que uma cidade de 3 milhões de habitantes (meia Rio de Janeiro) tenha um número de livrarias que equivale a 30% de todas as de um Brasil de 208 milhões de habitantes é algo muito doloroso de engolir.
Sobre essa demografia, poder aquisitivo e mercado livreiro no Brasil escreverei mais adiante nesta série, que mostra, entre outras coisas, o heroísmo dos meus colegas editores no Brasil.
Por ora, paramos aqui. No próximo segmento, falo das livrarias independentes e das redes médias, que sobreviverão e ocuparão o espaço deixado pelo encolhimento das grandes redes. E pela expansão da Amazon, que hoje já abocanha, em menos de 2 anos de atuação (com vendas exclusivamente online), mais de 12% do mercado.
Também o fato de que a Penguin Random House, a maior editora do mundo, tenha concluído seu operação de take over consentido e tenha abocanhado 70% do controle da brasileira Companhia das Letras sinaliza que há peixes grandes acreditando na retomada do crescimento do mercado editorial brasileiro a médio prazo. Isso aconteceu justo agora, em 30 de outubro.
O FECHAMENTO DE LIVRARIAS – 3ª Parte
Antes de prosseguir nossa viagem interna pelo Brasil livreiro e sua derrocada de livrarias físicas, vamos embicar nossa proa para terras estrangeiras primeiro. Aproveito que fiz menção às livrarias de Buenos Aires, a cidade que tem o maior número de livrarias por habitante em todo o planeta Terra e cujos habitantes leem quatro vezes mais livros per capita do que os brasileiros – para ver como está a situação por lá, com especial ênfase nas terras portenhas. Depois passaremos pela França e outros países. Tudo para que o nosso leitor possa entender o contexto da nossa situação no Brasil, dentro de uma perspectiva mais ampla.
Acontece que a crise também pegou por lá. E lá o bicho foi mais feio que no Brasil. Se aqui podemos falar numa certa resiliência e numa manutenção e até num discreto crescimento das vendas de livros em 2018, não obstante o fracasso das redes de livrarias – como mostrei no artigo anterior desta série a – na Argentina o efeito da crise foi mais devastador. Especialmente nesta fase de Governo Macri.
Fui buscar o relatório da Câmara Argentina do Livro para este mês de outubro de 2018. E o que leio ali? Que continua a queda vertiginosa das vendas de livros no país hermano: desde 2015 até outubro de 2018 a queda é da ordem de 30%. Trinta… por… cento!
Portanto, também na Argentina, também em Buenos Aires, ocorre o fechamento de livrarias. Mas, paradoxalmente, ele é menor do que no Brasil, onde a crise econômica não chegou a ser tão grande como lá. Acontece que há diferenças imensas entre os dois mercados livreiros. Na Argentina a concentração foi muito menor, quase não há grandes redes de livrarias, a imensa maioria é de livrarias independentes; e há um enorme número de livrarias muito pequenas e, ao mesmo tempo, tradicionais, com décadas de existência.
E há outra diferença que pesa muito: lá o livro eletrônico mal começou a abrir o seu caminho próprio, ainda nem existe uma Amazon.ar. E as vendas dos livros físicos por Internet não empolgam tanto como aqui. A Argentina lidera na América espanhola como país com maior venda de livros e jornais impressos, mas perde feio na venda de publicações digitais.
Tenho estudado o mercado argentino, de olho na edição de outros livros meus em espanhol (já tenho um, lançado em 2013). Por isso sei que não posso esperar muita venda de livros eletrônicos nesse que é o maior mercado consumidor latinoamericano de livros em castelhano.
O estudo “El Mercado de Médios de Latinoamerica” me diz que a Argentina fica quase na lanterna em termos de e-readers e tablets. Ou seja, por lá o império do livro de papel terá uma vida muito mais longa do que no Brasil. Devo me preparar para entrar, portanto, com livros físicos, isso num momento em que há uma forte retração de consumo para eles. Mesmo assim, a excelência do mercado do ponto de visto qualitativo mostra que o investimento vale a pena.
Até porque os livros em espanhol terão consumo também em todo o mundo hispanófono, que é muitíssimo maior do que apenas Argentina, México e Espanha. Ele dá a volta ao mundo todo a partir dos Estados Unidos. São 570 milhões de pessoas (45 milhões só nos EUA), o segundo idioma mais falado do mundo, atrás apenas do chinês. Muito embora, quando consideramos como idioma LIDO e como idioma internacional de comunicação, o inglês ocupe esse segundo lugar.
Sendo de um país muito mais culto e muito mais tradicional que o Brasil, os habitantes da Argentina têm com suas livrarias uma relação muito mais profundamente arraigada desde a mais tenra infância.
Lembro quando, no final dos anos 70, passei uma temporada em Buenos Aires acompanhando minha amiga Gal Costa – que, com apenas 13 dias numa cidade onde nunca se apesentara, ganhou um disco de platina, algo inédito no país, graças ao seu sucesso “Um dia de domingo”, de Sullivan e Massadas. Pois bem, nos poucos dias longe do público, aproveitei para visitar algumas das famosas livrarias de Buenos Aires. Sim, a capital argentina é uma das poucas cidades do mundo onde livrarias são grandes pontos turísticos. Inclusive oficias!
Fiz questão de conhecer, entre outras, a Libreria Alberto Casares, informalmente chamada, hoje em dia, de ‘a livraria de Borges’, pois o grande escritor ia a ela com muita frequência e nela passou no último dia de sua vida, procurando livros apesar da cegueira, poucas horas antes de morrer. O dono, o simpático Alberto Casares anda estava vivo no ano passado, 2017, com mais de 80 anos. Espero que continue assim, com muita força e saúde. Casares tinha horror das grandes redes de livrarias, a que chamava de supermercados de livros, dizendo que elas não têm alma, não têm livreiros que conheçam bem os livros e o gosto dos fregueses um por um, que visam somente o lucro e nada mais”.
Ele ia mais adiante, explicando: “Desde a época da independência, a elite de Buenos Aires se pretendia europeia, logo comprava muitos livros. Era costume que os dotes das noivas na época incluíssem uma grande biblioteca vinda da Europa. E, com isso, criou-se uma cultura para as artes, não só a literatura, mas para os quadros, o teatro, a ópera”.
Outro caso é o de uma das poucas redes livreiras do país, dona da El Ateneo Grand Splendid. Imensa, suntuosa, a loja ocupa o espaço do que foi antes um dos grandes teatros de Buenos Aires. É um cartão postal da cidade, ponto obrigatório de visita de viajantes com um pingo de cultura que seja, que vão lá nem que seja só para colher fotografias e selfies – como acontece com a famosa Lelo e Irmão, de Porto, Portugal embora a Ateneo não tenha a imponência do estilo neogótico do prédio da centenária Lello, considerada pela CNN, em 2014, a livraria mais bonita do mundo. Nem tenha tido como sua frequentadora habitual uma britânica então muito pobre, uma certa J. K. Rowling, que viveu na cidade do Porto antes de escrever sua saga Harry Potter e inspirou-se no prédio e nas escadarias da Lello para compor seu cenário de Hogwarts.
O gerente atual da Ateneo, Juan Pablo Marciani, diz;: “Os livros em Buenos Aires são como o tango”. E o que explicaria esse apelo do livro de papel? Ele explica: “A cultura do papel é muito importante para nós. E não ter acesso a meios digitais como tablets ou livros eletrônicos faz as livrarias muito necessárias. “Que outra cidade do mundo tem uma livraria entre suas atrações turísticas mais procuradas?”
Menos, Pablo, menos! Muitas outras cidades mundo afora, Pablito! Menos no Brasil, é claro. Até porque, apesar das crenças portenhas, nem Maradona foi o maior jogador do mundo e nem Deus é argentino ainda – embora o papa já o seja. Se você passar por Lisboa, Pablo, não deixe de dar um pulinho na livraria Bertrand, no Chiado, considerada em 2011, pelo Livro Guinness dos Recordes, como a livraria mais antiga ainda em funcionamento no mundo. A Bertrand foi fundada em 1732, Pablito!
Nossa próxima viagem será para a França E Estados Unidos. Até breve, senhoras e senhores passageiros.
O FECHAMENTO DE LIVRARIAS – 4ª Parte
Antes de prosseguir nossa viagem pelo mundo das livrarias e sua irrecorrível transformação, gostaria de entrar num assunto com o qual a maioria dos leitores pode não estar familiarizada. Mas isso é essencial para entender a gênese daquela transformação. É o tema das coortes geracionais.
Eu sou um baby boomer, um membro daquela geração que nasceu entre os anos 1940 e 1960. Nós crescemos sem Internet, sem telefones celulares e… sem computadores! Dá pra acreditar nisso? Nossa infância e adolescência ficou longe desses meios extraordinários. Nosso suporte era o livro de papel, o caderno, o quadro negro e o giz. Exatamente como aconteceu com nosso pais e avós e com incontáveis gerações antes deles. Fomos assim condicionados: leitores de livros de papel.
O primeiro computador pessoal, o Altair, surgiu em 1971, graças ao desenvolvimento do primeiro microprocessador, o Intel 4004. Foi vendido a 400 dólares, o que o tornou acessível a muita gente. Em 1975 os meninos Steve Wozniak e Steve Jobs criaram uma firminha de garagem, uma tal de Apple. No mesmo bendito ano, outros dois meninos, Paul Allen e Bill Gates deixando a universidade, começaram outra firminha, que iria se tornar uma tal de Microsoft. O TRS-80 surge em 1977, o IBM PC e o Apple II surgem em 1978. Aleluia!
Bem, isso mostra que os baby boomers (geração B), cresceram sem computador. Só foram encontrá-lo em seu dia-a-dia quando já eram – os nascidos nos anos 40 e 50, e que já tinham, portanto, renda para comprar computadores – uns coroas em potencial. Assim o grosso da geração B foi uma geração de baixa tecnologia. Sem computadores, internet e telefones celulares em sua infância e juventude, esta geração seguiu no mesmo piloto automático das gerações anteriores a ela. Ela é constituída maciçamente por leitores de livros de papel.
A seguir tivemos a geração X, os nascidos entre 1960 e 1980 e que estão agora na faixa entre 40 e 50 anos de idade. Destes pode-se dizer que nasceram juntos com o computador pessoal e puderam encontrá-lo acessível nos anos 90, ainda em fase escolar. Mas não havia Internet viável ainda. E nem celular. O primeiro celular vendido comercialmente foi o tijolão Motorola DinaTAC 8000, lançado em 1983. Era fundamentalmente analógico.
A geração de celulares seguinte já foi digital, a 2G, em 1991. Deixava o aparelho de ser só um telefone, porque podia enviar e receber mensagens escritas SMS. Se você usou um desses, lembra como era dureza teclar letras apertando várias vezes a mesma tecla. Felizmente, dois anos depois, em 1993, a IBM lançou o Simon, que foi o primeiro a ter tela sensível ao toque, sendo ao mesmo tempo telefone e PDA (palm top). É, portanto, o primeiro smartphone do mundo!
Mas os apps e conteúdos para download só foram possíveis em 1998 e o primeiro serviço de acesso pleno à Internet só apareceu em 1999, no Japão. Onde, em 2001, foi lançada a primeira rede 3G. Agora sim, Internet e smartphone entravam em perfeita comunhão.
Finalmente, em 2007, a Apple lança o Iphone e em 2008 a Google lança o sistema Android, o mais usado no mundo atualmente.
Importante notar que no ano icônico de 2007, além do Iphone, nasceu o e-book viável, o sistema Kindle da Amazon.
Assim, no final de 2018, podemos contabilizar:
11 anos do e-book
11 anos do Iphone
10 anos dos celulares Samsung
25 anos do smartphone rudimentar
Quanto à Internet, começada militarmente no fim dos anos 60 e expandida depois no meio universitário somente, só se tornou viável a partir de 1992, quando Tim Berners-Lee, do CERN, criou a World Wide Web (www); e a Netscape criou, no ano seguinte, o protocolo HTTPS, que possibilitou o envio de dados criptografados pela Internet. Então ela estava pronta para explodir no mundo todo.
Podemos completar a relação acima com mais este item, portanto;
25 anos de Internet viável. Claro que, de início, com velocidades muito baixas, mas operacionais – nada nem de longe parecido com os cabos de fibra ótica que hoje nos entregam velocidades de mais de 100 MBps em casa.
Vemos, assim, que a geração X contou com o computador (basicamente grandes e ainda lentos desk tops) na infância e adolescência, nos anos de formação. Mas não puderam contar com a Internet e o smartphone como temos agora.
Isso vai acontecer com a geração seguinte, os Millenials (ou geração Y), nascidos entre 1980 e 2000, sucedidos atualmente pela Geração Z, os nascidos só neste século XXI. Os Millenials são a primeira geração a crescer com computador pessoal (desk tops, note books, net books e tablets), com Internet e com smartphones tecnicamente avançados.
A geração Z, por sua vez, é a primeira totalmente conectada DESDE SEMPRE através de redes de Internet de banda larga e smartphones 4G. Estas crianças e adolescentes, que ainda não chegaram à vida adulta, foram instruídas com o uso de toda a tecnologia de informação (TI). O smartphone é o complemento natural de cada um desse jovens e o tipo de leitura e escrita que eles praticavam vai ficando cada vez mais diferente daquele praticado pelos baby boomers e seus filhos da geração X.
Os Millenials e, ainda mais, a geração Z, são basicamente os leitores de livros, jornais e revistas digitais.
Mas essa tendência à digitalização das mídias não é só uma coisa de eBooks, de livro digital versus livro de papel. Ela é muito mais profunda e atinge todas as mídias de comunicação. Remete-me de novo a minhas profecias do meu ensaio “O futuro do livro, do jornal e da revista num mundo cada vez mais digital”, de 2013. Ali eu aconselhava meus amigos jornalistas a se prepararem para o rápido encolhimento das redações e dos trabalhos frilas para jornais e revistas. Os jornais iam fechar total ou parcialmente e manteriam suas colocações os profissionais que migrassem antecipadamente para aas mídias digitais, preparando-se antes para isso. Não deu outra.
Jornais impressos foram caprichando no regime, emagreceram muito, afinaram, as páginas de publicidade e de classificados encolhendo sempre, anunciantes bandeando-se para a Internet, até que muitos jornais finalmente fecharam. A sobrevivência ficou condicionada ao sucesso dentro da versão digital.
Hoje quero dar um exemplo simples e objetivo disso aí: O New York Times. O jornalão norte-americano consegue sobreviver muito bem. Tem hoje, 2018, novembro, 4 milhões de assinaturas. Mas dessas, 3 milhões são exclusivamente digitais. ¾ de todas as assinaturas! A receita com assinaturas respondeu por 2/3 do faturamento e garantiu um lucro operacional de 30%, fechando em 41 milhões de dólares no trimestre. Um oásis num meio onde a maior parte das casas publicadoras surfa no vermelho. Neste último trimestre (julho, agosto e setembro) o número de assinaturas digitais cresceu 18% e o faturamento com publicidade online cresceu 17%.
Já parou para pensar ONDE esses assinantes digitais estão lendo o seu – enorme! – jornal diário? É, isso mesmo, nos seus TELEFONES, seus smartphones com telas cada vez maiores e que vêm matando impiedosamente os tablets, os netbooks e os leitores dedicados para livros digitais Kindle, Nook e Kobo.
Já declarei nesta série de artigos que eu sou um baby boomer degenerado: eu só leio livros digitais e só os leio nos meus smartphones. Vale o mesmo para jornais e revistas. Tenha assinaturas de diversos deles, Todos rigorosamente digitais. Se depender de mim, pinheiros, eucaliptos e motosserras podem respirar aliviados. Só leio no papel aquilo que não é disponibilizado digitalmente.
Agora, depois de fazer esse rápido histórico da evolução dos meios digitais de comunicação, quero voltar ao tema dos livros e suas livrarias, mostrando uma coisa que, apesar de muito clara, não pode ser percebida por quem não está lutando dentro do mercado livreiro. Hoje não temos mais que concorrer somente com outras editoras e livrarias. A coisa ficou muito, mas muito mais complicada. Nós concorremos com:
Amazon, Kobo, iBooks, Nook, You tube, Netflix, TV a cabo, Facebook, Twitter, WhatsApp, Instagram; e até com a velha TV aberta e o que restou do cinema.
Perceba, o livro não mais é tão central na atenção das pessoas. Poucas décadas atrás a competição era só com outros livros, TV e cinema. Agora… todas as outras mídias digitais nos tomam mercado, a começar pelo próprio mercado digital do livro. É preciso levar isso tudo em consideração quando se vê a fatia de mercado das livrarias decrescer continuamente.
Ou seja, agora nós não concorremos mais somente no mercado do livro. Agora nós concorremos, como muito bem mostrou o André Palme, no mercado do tempo livre!
Quando temos que vender nossos livros, eles vão competir com toda essa gama de concorrentes pela ocupação do tempo livre das pessoas – os que citei acima. Fazê-las optar pelo livro – mesmo que digital – ao invés do filme da Netflix ou das horas de mídias sociais… é uma barra! É uma batalha que nós, escritores, editores e livreiros, por enquanto, ESTAMOS PERDENDO.
O FECHAMENTO DE LIVRARIAS – 5a Parte
Neste ponto da série sobre fechamento de livrarias, simplesmente insiro o artigo que escrevi e publiquei em agosto passado, por ser absolutamente pertinente e ficar na ordem certa na série. Ele aponta ainda mais dramaticamente para a evolução da leitura digital e antecipa uma solução que vou apontar para o problema do encolhimento do número de livrarias físicas e a sobrevivência do livro de papel, ao final da série.
iGen – A GERAÇÃO INTERNET e o FUTURO DO LIVRO
MILTON MACIEL(*)
25/8/2018
Ontem, no Washington Post online, encontrei uma matéria da Hannah Natanson, que me remeteu a um trabalho realmente genial, que eu não conhecia. No WPost, Hannah publicou “Yes, teens are texting and using social media instead of reading books, researchers say”.
A pesquisa referida por ela foi realizada pelos psicólogos Jean Twenge, Gabrielle Martin e Brian Spizberg, da San Diego State University, na California (diferente do francês, Jean, em inglês, é nome feminino!)
Tradução: “Sim, adolescentes estão textando e usando mídias sociais ao invés de lerem livros, pesquisa diz.”
O neologismo “textando” tem que ser adotado, como tantos na Tecnologia da Informação (TI) para descrever o ato de escrever textos curtos no smartphone ou tablet, usando seus ridículos teclados.
Imediatamente fui à Publishers Weekly da semana (que, aliás, reportava a recente joint venture entre a Rakuten Kobo e o Walmart, para venda de eBooks e eReaders nos EUA) atrás de livros dessa Jean e, a partir da PW, à Amazon americana, onde comprei (US$ 12.90) no mesmo minuto o eBook genial de Jean Twenge (o título é mesmo enorme!):
“iGen – Why Today´s Super-connected kids Are Growing Up Less Rebellious, More Tolerant, Less Happy – and Completely Unprepared For Adulthood – and What That Means for the Rest Of Us”
(“IGen – Porque os garotos super conectados de hoje estão crescendo menos rebeldes, mais tolerantes, menos felizes – e completamente despreparados para a vida adulta – e o que isso significa para o resto de nós”).
Li um bom pedaço do livro esta noite. Caiu como uma luva num momento em que eu estava estudando o mercado asiático para eBooks em inglês, que acaba sendo ainda maior e mais promissor que o norteamericano e onde a Amazon não é o maior player. E onde a grande dispositivo de leitura é o smartphone – o único que eu uso para ler livros desde 2010, quando ainda morava nos Estados Unidos.
Afirma Twenge que, em 1970, 60% dos estudantes dos últimos anos de ensino médio (high school) americanos liam ou livro, ou revista ou jornal todos os dias. Hoje, na mesma faixa etária escolar, só 16% fazem isso.
Mas 92% deles vão ao WhatsApp, Twitter, Facebook e Instagram várias vezes por dia, 80 vezes pelo menos, em média! Eles estão devotando a bagatela de SEIS HORAS por dia à mídia digital, maciçamente através de seus smartphones.
O fascinante trabalho de investigação científica, que envolveu mais de um milhão de adolescentes, aponta claramente para o que eu chamo de o futuro do mercado livreiro no mundo.
Em 2013, em Aventura (Miami Dade, FL), escrevi um livro chamado “O Futuro do Livro, do Jornal e da Revista num Mundo Cada Vez mais Digital”. Em 2014, tirei uma pequena edição dele em português, que se esgotou rapidamente. Na capa eu tinha uma foto de uma loja da falida rede de livrarias Border´s em Miami, anunciando o fechamento (Store Closing); e uma foto do milagre de Wenchi, Etiópia, onde um grupo de crianças analfabetas se autoalfabetizou sem professores, somente com o uso de tablets levados a elas pela equipe de Nicholas Negroponte – e sem que os meninos e meninas tivessem qualquer tipo de instrução quanto ao uso. O e-milagre de Wenchi!
Meus vaticínios audaciosos de então, a favor do e-book, da autoinstrução, da autopublicação e da trajetória fulminante do smartphone na leitura de livros, revelaram-se muito exatos. Mas vejo agora que ainda fui um pouco tímido. Meus estudos a respeito do letramento nos países asiáticos e da explosiva evolução do e-mercado de livros no sudeste asiático em geral e na China em particular, me convencem disso hoje.
E o trabalho de Twenge e de seus colegas de San Diego, com a parametrização rigorosa desta nova iGen, completando essa convicção, me deixou apaixonado!
iGen = iGeneration = Internet Generation; é a geração que nasceu com a comercialização da Internet (1995) e cresceu para receber o iPhone e o Kindle em 2007 e o iPad em 2010. Ou seja, são os primeiros adolescentes do mundo a terem disponibilidade permanente de Internet e smartphones o tempo inteiro.
Vou terminar de ler o livro de Twenge e aprofundar mais o assunto com meus leitores em breve. E, aproveitando, vou aplicar esses conceitos ao desafio do letramento e aos rumos que creio serem necessários para que consigamos formar leitores de livros dentro dessa geração hiper conectada.
Ou a metodologia muda proporcionalmente e nós conseguimos encontrar esses leitores dentro do mundo deles, ou estamos inevitavelmente a caminho da fossilização. Como livreiros, como editores e como autores. Como uso dizer, para horror e desconforto de muitos colegas, nós, “os velhinhos do papel” (todas as gerações nascidas antes dessa i-Gen de 1995 em diante) vamos morrer aos poucos e não vamos ser substituídos pelos jovens e estranhos leitores da IGen como consumidores de livros de papel. Tão inexorável quanto o destino dos discos de vinil!
ACRESCENTO AGORA O QUE PUBLIQUEI NA SEMANA SEGUINTE:
Certamente isso pode dar aos meus leitores a ideia que acredito num iminente e dramático fim para o livro de papel. Devo dizer duas coisas:
Sim – eu acho que isso vai acontecer inevitavelmente.
Não – eu não creio que isso seja imediato.
Vamos ter uma fase de acomodação e transição, como aconteceu com o disco bolachão de vinil, que transitou primeiro pelo campo dos Discos Compactos – os CDs – antes de se dissolver na Nuvem.
Uma transição tecnológica acontece agora no campo do livro: o nosso velho bolachão de papel transiciona temporariamente pela fase eBook, esse eBook tal qual o conhecemos hoje, parido ao mundo como um bebê viável em 2007, com o Amazon Kindle, apenas 11 anos atrás!
Creio ter uma clara ideia do que virá a seguir, depois deste CD/Kindle, num futuro muito próximo; mas este ainda não é o assunto de hoje.
Nosso assunto hoje é o presente, não o futuro. E, nesse presente, quero abordar todas as dores de parto que acometem esta nascente fase de transição, durante a qual se consolidarão mudanças dramáticas já em curso no campo do varejo e da distribuição de livros, não apenas no Brasil, mas no mundo todo.
A consolidação dessas mudanças levará, no meu entender, a uma nova onda de reforço do livro físico e, consequentemente, a uma renovação do campo de varejo, distribuição e edição. Mas essa fase terá que conviver com o crescente avanço do mercado digital, o qual, no meu entender a médio prazo, tomará de novo um enorme impulso com a chegada da iGeneration à condição de consumidora com pleno poder aquisitivo definido.
Temos, portanto, um certo tempo de vida útil a aproveitar, quando podemos ganhar (ou voltar a ganhar) dinheiro com o livro de papel. Coerente com o que creio, mantenho-me como editor de livros de papel, mantendo inclusive uma gráfica para livros de papel.
Ao mesmo tempo, pela mesma razão de coerência, vou colocando todos os meus livros mais comerciais na Amazon do Brasil. E na Amazon, iBooks e Kobo no mercado internacional, nas versões em português, inglês e francês.
Sou, portanto, um leal e dedicado soldado do livro físico de papel. E um entusiasta do Livro Smartphone, esse ente quase sobrenatural, ainda nos seus primórdios hoje, um bebê que por enquanto ainda mal engatinha.
O leitor de hoje ainda é, predominantemente, um leitor de livro físico. Isso vai se manter por um tempo suficiente para que as consolidações de mercado aconteçam. Muitas redes de varejo vão encolher ou acabar. Mas outras, mais enxutas, com e-commerces ou market places mais eficientes, vão ocupar os espaços disponíveis.
Preocupa-me, nessa refrega, a situação das livrarias de rua, mais vulneráveis à grande onda recessiva que fechou mais de 190 000 lojas de rua de todos os ramos no Brasil inteiro, nestes últimos anos.
Ora, o livro e a leitura são os patinhos feios das terras tupiniquins. Ler é apenas a 10ª opção de lazer do brasileiro médio. Ou seja, se a leitura não é obrigatória (escola), ela ocupa apenas uma fração mínima do interesse dos cidadãos.
De onde já se infere que a grande batalha a ganhar não é a do livro, mas a que vem muito antes dele, a batalha do LETRAMENTO.
O FECHAMENTO DE LIVRARIAS – 6a. Parte
COMEÇAMOS MUITO MAL!
1747: O primeiro livro brasileiro. Mas veio a proibição!
Sim, temos muitas livrarias fechando em 2018. E redes de livrarias, as maiores, em situação de concordata, arrastando para o limbo seus credores – em especial as editoras. Temos uma crise de livrarias, embora não tenhamos uma crise de leitores. O número de livrarias decresce, mas o número de leitores cresce. Nós estamos atrás de causas para explicar esse fenômeno do mercado livreiro do país. Pois agora estou disposto a começar exatamente do começo. Nosso começo como produtores de cultura, de escritos, de livros e de leitura. E nós começamos muito mal!
No período colonial, enquanto em todo o resto das Américas a cultura avançou rapidamente, Portugal, no afã de manter-nos sempre colônia submissa e produtiva, proibiu ferozmente que tivéssemos no Brasil imprensa e ensino superior. Isso só mudou com a chegada de Dom João VI e a Corte portuguesa ao Brasil, em 1808. Que Deus o abençoe, Napoleão Bonaparte!
A primeira instituição de ensino superior que tivemos foi a Faculdade de Cirurgia da Bahia, em Salvador. Logo a seguir, no mesmo ano de 1808, veio a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.
São DOIS SÉCULOS E MEIO de atraso em relação à América espanhola! Obrigado, Portugal…
E eram apenas faculdades. Só que os colonizadores espanhóis tinham criado a primeira UNIVERSIDADE em terras americanas, a Universidade de Santo Domingo, na atual República dominicana, em 1538. E a Universidade Nacional Autônoma do México, em 1551.
Em 1808, quando foi criada a primeira faculdade no Brasil, na América hispânica já existiam VINTE E TRÊS UNIVERSIDADES! As primeiras da Argentina foram: Universidade de Córdoba – 1613; e Universidade de Rosário – 1653. Não admira que eles leiam muito mais do que nós até hoje!
Na América inglesa, mal chegaram os primeiro colonos – na Jamestown de John Smith e Pocahontas, 1609, Virgínia; na Nova Inglaterra de Peregrinos (1620) e Puritanos (1629) – e já foi criada a primeira UNIVERSIDADE: a Universidade de Harvard, em 1636, quase dois séculos antes da nossa faculdadezinha de Salvador.
OS PRIMEIROS LIVROS IMPRESSOS NAS AMÉRICAS
Johannes Gutenberg inventou a máquina impressora com tipos móveis por volta de 1450. Cabral chegou à ‘Ilha’ de Vera Cruz em 1500. Mas a primeira máquina impressora tipográfica só teve autorização para funcionar no Brasil em 1808. 358 anos depois de Gutenberg! Obrigado pelo pequeno atraso, Portugal. Até então era proibido fazer impressos na colônia.
Contudo, muito antes de 1808, imprimia-se livros aos milhares em toda a América Hispânica e Britânica. Para se ter uma ideia, 32 anos antes, em 1776, ano da Declaração de Independência dos Estados Unidos, só o livro Common Sense, de Tom Payne, chegou a ter tiragens somadas de 400 000 exemplares. Quatrocentos mil! Não admira que eles leiam muito mais do que nós até hoje!
O primeiro livro produzido na América britânica, o Bay Psalm Book, um livro de salmos, foi impresso em 1640 em Massachusetts, apenas 20 anos depois da chegada dos Peregrinos a Plymouth. O primeiro editor e tipógrafo das Américas, Stephen Daye, imprimiu 1700 exemplares do livro por encomenda do primeiro livreiro da Américas, Hezekiah Usher.
(Extrema ironia: hoje, em 2018, 378 anos depois disso, a maior parte dos autores e editores brasileiros têm que pensar duas vezes antes de se aventurarem a publicar 1700 exemplares de um livro numa só tiragem!).
Na América hispânica, os jesuítas foram os primeiros editores. Precisavam catecismos para fazer a cabeça dos indígenas, aos quais concediam o beneplácito da alfabetização em castelhano. O primeiro livro foi publicado no México em 1539, o “Breve y Más Compendiosa Doctrina Cristiana en Lengua Castellana y Mexicana”.
O primeiro livro publicado na América do Sul foi “Doctrina Cristiana y Catecismo para Instrucción de los Índios y de las Demás Personas que Han de Ser Enseñadas em Nuestra Santa Fé”. Foi em Lima, atual Peru, em 1584. Na Atual Argentina, o primeiro livro foi impresso pelos jesuítas em 1705. Na atual Cuba, em Havana, eles imprimiram o primeiro livro em 1707.
O PRIMEIRO LIVRO IMPRESSO NO BRASIL
É a história de um malogro. Nosso primeiro editor e impressor foi Antonio Isidoro da Fonseca, um tipógrafo português que, tendo impresso em Lisboa um livro de nome “O Judeu”, acabou se dando mal com a Inquisição. Desgostoso e com justos receios, Isidoro fez as malas: embarcou com sua impressora e caixa de tipos para o Rio de Janeiro e abriu ali, em 1747, uma “officina typographica”.
Imprimiu dois folhetos e, então, aventurou-se a fazer um livreto, que viria a ser o primeiro livro do Brasil, nesse mesmo ano de 1747: “Relação da entrada que fez o Ecxcelentíssimo e reverendíssimo Senhor D.F. Antonio do Desterro Malheyro, Bispo do Rio de Janeiro, em o primeiro dia deste prezente Anno de 1747, havendo sido seis Annos Bispo do Reyno de Angola donde por nominação de sua Majestade, e Bula Pontifica, foy promovido para esta diocesi.”
O glorioso autor do nosso primeiro livro: Doutor Antonio Rosado da Cunha, Juiz de Fóra e Provedor de Defuntos, auzentes, Capellas e Resíduos do Rio de Janeiro.
O glorioso primeiro livro foi seguido por uma outra parte menor, pelo mesmo autor, com o título “Em aplauso do Ecxelentíssimo e Reverendíssimo Senhor Frey Antonio do Desterro Malheyros Digníssimo bispo desta Cidade, Romance heroico”.
Percebe-se que o nosso primeiro romance heroico é que inaugura a tradição brasileira de “E o cordão dos puxa-sacos cada vez aumenta mais, mais , mais…”
Estas duas obras primas – primas no sentido cronológico de primeiras mesmo – estão hoje acessíveis na Biblioteca Nacional, basta procurar na Coleção Barbosa Machado.
Só que o Isidoro deu com os burros n’água mais uma vez. Assim que as autoridades souberam das publicações que esse mau súdito ousara fazer na colônia, ele foi chamado de volta a Lisboa e obrigado a levar consigo de volta sua ‘officina typographica” para a Metrópole. Dupla audácia: dar veículo a que homens da Colônia difundissem suas ideias. E contrariar os interesses comerciais dos impressores de Lisboa e da cidade do Porto, que detinham o monopólio da impressão de textos de autores da Colônia, como Santa Rita Durão, Basílio da Gama e os inconfidentes Claudio Manuel da Costa e Tomás Antonio Gonzaga.
Ora, apesar de Isidoro colocar ostensivamente na capa do livro “Com autorização do Senhor Bispo”, ele não tivera autorização nem do Santo Ofício, nem do Desembargo do Paço – ambos apenas expressão da boa e velha Censura, canônica e civil. Portanto, cautela e caldo de galinha, Isidoro: ponha-se de volta à casa com sua Officina. Garantindo-se, assim, a soberania da ordem régia de proibição de tipografias no Brasil.
Proibição que permaneceu até 1808, quando a primeira oficina tipográfica oficial chegou ao Brasil com os navios da Corte e foi instalada na casa onde foi morar o Ministro do Interior de D. João VI, o Conde da Barca, para depois ser integrada à Imprensa Régia. Operada pelo Irmão Veloso, religioso mineiro e tipógrafo, que veio de Lisboa com a Corte, a primeira publicação foi um folheto de 27 páginas e a Carta Régia. Foi a inauguração da imprensa oficial no Brasil, em 13 de maio de 1808.
Chegou a imprensa enfim. Mas não a imprensa livre. Porque, junto, chegou a Censura, é claro. Então os primeiros livros ‘particulares’, isto é, não impressos por iniciativa do governo, tinham que ser bem-comportados e saco-puxativos. Como este, possivelmente o primeiro livro “particular” do Brasil colonial não proibido: “Análise da justiça do comércio de escravos com a costa da África”, onde o autor, o Bispo Inquisidor José Joaquim da Cunha Azeredo Coutinho, explica, à luz das leis dos homens e das leis de Deus, como é justa e necessária a escravidão.
Notável é a dedicatória do livro, onde o bispo escreve: “A vós todos dedico esta obra filha do meu trabalho e que só teve em vista o vosso bem; obra por cuja causa tenho sido insultado e perseguido pelos ocultos inimigos de vossa pátria e pelos desumanos e cruéis agentes de Brissot e Robespierre, esses monstros de figura humana que estabeleceram a regra: ‘Pereça antes uma colônia do que um princípio’ – princípio destruidor da ordem social e cujo ensaio foi a florescente colônia de São Domingos abrasada em chamas, banhada em sangue”. (Como aparece no livro de Jorge Caldeira História de Riqueza no Brasil, Estação Brasil, 2017, pg 196)
Evidentemente, o bispo se refere aos princípios da Revolução Francesa, que via como inspiradores da revolução dos escravos que levara à independência do Haiti, a segunda colônia a libertar-se (em 1804) nas Américas, atrás apenas dos Estados Unidos (1776).
COMEÇAMOS MUITO MAL
Agora fica claro por que razões escrevi no início que, em termos de cultura e publicações, começamos muito mal. Estabelecido o paralelo com nossos vizinhos americanos do Sul e do Norte, isso fica muito claro. Enquanto os colonos hispânicos e britânicos nadavam, séculos antes, em um mar de universidades e publicações, nós amargávamos o fracasso de Isidoro e a Pasárgada de nossos primeiros livros – onde só publicava quem era “amigo do rei”.
Vamos continuar falando de livros e livreiros, mas antes vamos ter que fazer mais uma parada obrigatória, num campo chamado ESCRAVIDÃO. Que nos inspire em sabedoria e justiça Sua Excelência Reverendíssima Dom José Joaquim da Cunha Azeredo Coutinho, DD Bispo Inquisidor do Rio de Janeiro.