O homem com o chapéu ridículo (Hilton)
O HOMEM COM O CHAPÉU RIDÍCULO
Hilton Gorresen
Quando ele ia saindo, a mulher o interpelou:
– Não me diga que você vai sair pra rua com este chapéu ridículo!
A mulher era daquelas que se incomodava com o que os outros iriam dizer, e falou: o que os outros não vão dizer?
–Tô me lixando para os outros. Quem sabe da minha vida sou eu.
E continuou despejando tudo aquilo que se fala sobre a independência de comportamento. No fundo, ele sabia que era um frustrado. Tinha um empreguinho em pequena empresa e vivia sendo humilhado pelo chefe, com perspectiva de ser despedido; estava inadimplente no banco, a saúde não andava lá essas coisas… Sua teimosia, muitas vezes ridícula, era uma espécie de protesto. Não podia mudar a realidade que o cercava, mas podia mostrar que não se curvava à opinião alheia.
Quando saiu à rua, caminhando, uma criança, no outro lado, puxou pelo vestido da mãe e falou:
– Mãe, olha lá um homem com o chapéu gozado!
Esperava que criticassem sua teimosia, para ter o prazer de não abrir mão dela; quanto mais o condenavam, mais implicante se tornava.
Fazia questão que os outros o olhassem e comentassem, chegava a babar de uma falsa satisfação. Essa revolta surda, particular, era tudo o que possuía. Jogava suas frustrações para baixo do tapete, incapaz de enfrentá-las, remando contra a maré da “normalidade”, assim como alguns funcionários compensam sua mediocridade complicando a vida dos usuários.
Se era normal ser um fanático por clubes esportivos ou por partidos políticos – em que o chefe era como um rei, tudo o que falava transformava-se em verdade inconteste – então ele estava fora. Não era também como esses bobocas que ficam transtornados diante de um artista ou de um jogador famoso, gritando e tendo chiliques. Moda, para ele, era uma besteira transitória; depois de algum tempo tudo que fora moda tornava-se ridículo, como os espartilhos femininos ou a calça boca de sino. Como se vê, um “sem noção”.
Dois adolescentes passaram de bicicleta e deram gargalhadas, apontando para ele. Mandou-os para aquele lugar. O que faria se todos o ignorassem? Sua revolta íntima seria um desperdício.
Assim caminhava, mostrando ao mundo sua independência, sua aversão a modas e costumes. Alguns diriam que era um maníaco.
Nesse dia, quem passasse por determinada rua da cidade teria ouvido um estrondo repentino num cruzamento, gente correndo, vidros espalhados pelo chão. E se perguntasse a alguém sobre o acontecido, teria ouvido como resposta:
– Atropelarem um homem com um chapéu ridículo.
TEXTO PUBLICADO NO JORNAL A GAZETA DE SBS EM 07.03.2020