Picasso (Adauto)
PICASSO
Faltavam uns 30 dias para o Natal e havia dois meses que nossa filha mais velha nascera. No carrinho, adquirido ao Walter Schumacher, um empresário pioneiro, fomos passear para que a menina apanhasse aquele gostoso e saudável sol da manhã. Alí, bem defronte ao Hotel Palace, construção magnífica que deixaram demolir, um periquito se aproximou dos meus pés e, em me vendo parado, pulou ao tênis, subiu pela perna da calça, galgou ao meu ombro, deu-me alguns beijinhos no rosto e assobiou feliz. O animais escolhem os seus favoritos. Esperei algum tempo ( 30 segundos, no máximo) pelo possível dono. E parti para casa de pressinha com a ave no ombro.
Pela sua farta coloração nas penas, dei-lhe o nome de Picasso.
E, por qualquer razão natural, afeiçoamo-nos. Ele a mim. Eu a ele.
Todas as vezes que chegava ao escritório – instalado em casa –assobiava um assobio só nosso, e ele, estivesse onde estivesse, vinha, subia pela perna e se empoleirava no meu ombro, dando-me bicoquinhas no rosto, enquanto atendia aos clientes.
Dormia na cabeceira da nossa cama. Ou, na caminha da filha, e, ali, adormecia preso ao suporte do mosquiteiro. Retornando cedinho para me acordar com outras carinhosas bicoquinhas. Me acompanhava no chimarrão e na leitura de A Notícia. Assistia-me a tomar o banho matinal, barbear-me e vestir-me.
Enfim, ia a toda a parte comigo. E não me largava, quando atendia no escritório, prestando interessada atenção às queixas e reclamações por Direito e Justiça. Às vezes, o consultava. Ele respondia assobiando. Creio que acertava sempre. Sabedoria natural.
Certo domingo, o primo René anunciou a sua visita e lhe fui preparar um saboroso churrasco no alpendre atrás da casa. Picasso, comigo, dando bons palpites sobre como preparar o acepipe. De repente, desceu do meu ombro e nem dei por isso. Quando notei, assobiei, assobiei, assobiei, chamando-o . Percorri a casa de alto a baixo, inutilmente. Então, notei as gateiras em dois cantos da casa, servindo de respiradouro e entrada para os gatos atrás de ratos. Ingênua e curiosamente, entrara por alí. Depois de um ano e meio de convivência, perdi-o. Nunca mais voltou. Vô Ada.
Charles d´ Olengèr –dradautovieira@gmail.com