Serviço às sete (Alessandro)
Serviço às sete.
Essa é a história de um sonho.
Tudo começou quando às 22 horas eu fui dormir. Estava pouco cansado, mas a preocupação com o trabalho no dia seguinte fez com que fosse mais cedo para a cama.
Fiz a oração de todas as noites, agradecendo pelo meu dia e rogando proteção para mim e minha família. Morava em Itajaí, cidade litorânea da Santa e Bela Catarina, e estava no início da minha carreira militar. Servia no Batalhão Lopes Vieira, um dos mais antigos do Estado.
A cama parecia uma frigideira quente. Não havia posição que me fizesse ficar confortável. Fritava na cama. Virava para um lado, ficava desconfortável, virava para o outro.
Entre uma virada e outra, uma olhada no relógio. As horas passavam e nada do sono aparecer. Começou a bater um misto de revolta e preocupação, pois sempre que dormia pouco, ficava com o corpo imprestável no dia seguinte. Tinha que acordar às 06.
Não tenho como saber exatamente, mas já devia passar das duas da madruga quando apaguei.
Na minha consciência eu estava acordado, só pensando. Muita coisa passando pela cabeça ao mesmo tempo, preocupações diversas, compromissos, obrigações e todo tipo de acontecimento da vida parecia misturado em pensamento.
Subitamente eu estava trabalhando. Rondando a cidade, cuja característica nos anos 90 era o assustador crescimento do tráfico de drogas. Ao meu lado, um soldado motorista muito experiente, mas que nunca havia trabalhado comigo. Seu nome era Lemos.
Em uma viela, conhecida como rua da vala, por ter uma vala enorme que cruza o bairro, e o prefeito deu um jeito de revitalizar, pavimentando e passando concreto sobre o rio que passava por ali, formando uma extensa vala de cimento. E naquele local, especialmente de madrugada, o tráfico rolava solto. Era de costume, deixarmos os alarmes e sinais luminosos da viatura desligados, para poder pegar os marginais de surpresa.
E foi o que aconteceu. Entramos rapidamente na viela, e alguns elementos correram. Provavelmente usuários. O traficante tentou esconder a mercadoria que vendia e veio corajosamente ao nosso encontro. Saquei o revólver calibre 38 com cabo de borracha, o que havia de mais moderno na Polícia Militar da época, apontei e dei-lhe ordem para parar e colocar as mão na cabeça. Mas ele não obedeceu. Subitamente, como um felino, sacou sua arma, disparou na direção da viatura e correu. Revidei, acertei um tiro de lado em seu joelho direito, incapacitando sua corrida. Foi imediatamente ao chão. Corremos para cima dele e para nosso espanto, o marginal era o soldado Nelito, um dos policiais mais antigos e renomados do Batalhão. Já possuía quase 30 anos de serviço ativo, e estava prestes a ir para a reserva remunerada. Socorremos e o levamos preso. Após a liberação, no Hospital Marieta Konder Bornhausen, foi encaminhado direto para a 2ª DP, delegacia responsável pelos delitos daquela área.
Seis da manhã. Despertador toca. Levanto mal humorado por ter dormido pouco. A insônia, daquelas que transforma o leito em masmorra, fez com que o melhor do sono ocorresse justamente quando o barulho irritante do despertador tocou. Em meia hora já estava a caminho do quartel, que ficava a apenas algumas quadras da minha casa.
Já no quartel, fui direto para a reserva de armamento. O local tinha como acesso um pequeno corredor estreito ao lado de uma escada que dava acesso a sala de aulas e aos refeitórios. Quando virei o corredor, dei de cara com o soldado Nelito. Minhas pernas amoleceram, pois na noite passada eu tinha dado um tiro na perna dele.
Dei bom dia, e percebi que ele saía de serviço. Perguntei como foi a noite, se havia sido um serviço tranquilo.
– Tenente, acabo de voltar da 2ª DP. Eu estava de serviço com o Lemos, patrulhando o Bairro São Judas, quando lá pelas 4 e pouco da madruga, apagamos os giroflex e entramos na rua da vala. Fui abordar o traficante “Joaquinzinho”, que veio na minha direção e sem qualquer aviso, me apontou uma arma, sendo que revidei e atirei no joelho dele. – Disse ele.
A resposta caiu como uma bomba lançada por um B52.
Se eu disser que aconteceu, você acreditaria?
Alessandro Machado