Somos todos escritores

Platão nos dizia que “quem ama verdadeiramente o conhecimento deve aspirar a toda a verdade, com todas as forças”. De onde surgiu essa necessidade tão forte de ser sábio? Vislumbrara Platão alguma verdade universal ou tratava-se simplesmente de reflexo da cultura da época? Por que alguns amam tanto o conhecimento e o buscam com tanta avidez? Como um deleite do espírito pode suplantar um gozo físico?

Acontece que, ao nos envolvermos com desafios, vamos atrás é de gratificações. No final das contas, o que nos mobiliza é o prazer. Se não for o prazer, é a dor.

Mas quais são as fontes reais de prazer? A sabedoria estaria entre elas? Quais são as coisas boas da vida?

As respostas dependem da natureza de cada um, mas algumas delas se destacam. Para muitos homens de hoje, por exemplo, um grande desejo é ser forte e musculoso, o mais respeitado do grupo. Mike Tyson, com sua força, conseguiu dinheiro, poder e diversão. No reino animal, aliás, a força é essencial. Para o leão e quase todos os carnívoros, o melhor da vida deve mesmo ser o mais forte. Assim, ele garante dominância no grupo, melhores leoas e alimento diário. E, acima de tudo, ele exerce a aptidão maior de sua espécie: ser forte.

Para um leopardo, o melhor deve ser a velocidade, tornar-se o mais rápido. Sendo mais ágil, ele alcança mais presas, respeito dos pares e a alegria do exercício pleno de sua vocação felina. O campeão olímpico Usain Bolt e muitos homens gostam certamente de ser rápidos e espertos. Se não é para chegar à frente, pelo menos é para não ficar para trás.

Talvez um pavão prefira antes de tudo ter uma bela cauda. Com a cauda bem aberta, ele impressiona as fêmeas, é mais pavão. Este também é o desejo de tantas mulheres, o de serem as mais bonitas. Alguns homens também.

Se perguntássemos a um bonobo sobre a melhor coisa da vida, ele não pestanejaria: É sexo! Estes chimpanzés pigmeus passam o dia todo copulando ou em brincadeiras sexuais de todo o tipo. Penso que poucas pessoas discordariam do gosto destes símios.

Entretanto, nos dias de hoje, há um enorme batalhão que garante que bom mesmo é ter dinheiro ou poder, pois, com qualquer um destes pode-se conquistar o resto.

Mas há ainda os que valorizam as coisas simples, o aqui e agora. Procuram ficar atentos ao que vem no momento e ficam felizes com um copo de água bem gelada, um travesseiro macio ou uma toalete desocupada.

Vou repetir a pergunta: qual é a melhor coisa da vida, para você?

Peço permissão para lançar aqui candidatos pouco convencionais. Quero especular que, entre as melhores coisas da vida, possam figurar coisas diferentes, como um ensaio intelectual, uma tentativa de entender as coisas ou o ato de criar.

Antes que se diga que esta tese é de gente mal sucedida, declaro minha admiração pelas opções dos bonobos e dos outros animais. É mesmo muito prazeroso ser forte, esperto, bonito, rico e bem sucedido na vida sexual.

Acontece que o que diferencia o ser humano dos outros animais não é nenhum desses atributos, que são até muito bem distribuídos pela natureza. O que distingue a humanidade dos outros animais é a linguagem, a inteligência, o pensamento, o exercício pleno da consciência.

Mas isto dá prazer? Será que o ato de pensar e de falar pode ser chamado de “melhor coisa da vida”?

Bom, pode dar muito prazer também. Todos já ouviram falar da alegria enorme que sente o cientista ao ter o insight da grande descoberta, como Arquimedes na banheira. Todos conhecem histórias de artistas que se extasiaram com o momento em que surgiu a palavra certa para aquele poema, a nota adequada para completar aquela sinfonia, a inspiração da pintura. Não são prazeres virtuais. São físicos!

À procura destes momentos, cientistas e artistas ficam semanas ou meses isolados em seus estúdios ou laboratórios. Estes seres estranhos passam fome, frio e abstinências de toda espécie, alimentados só pela atividade mental frenética, inebriados pela ação criativa ou pela sua simples possibilidade.

A dopamina é a substância cerebral do prazer. Ela faz parte do sistema que recompensa o animal pela execução ou conclusão de um trabalho benéfico, para si ou para a espécie. Geralmente é alguma tarefa adaptativa. Assim, todos têm prazer ao se alimentar ou praticar o sexo. Da mesma forma, as pessoas têm prazer em exercer o pensamento livre, principalmente quando o seu fluxo é tão perfeito que signifique criatividade.

A aptidão física traz enorme prazer a todos nós, animais. A aptidão mental traz enorme prazer a todos nós, seres humanos.

É por isto que vivemos fazendo perguntas e procurando respostas.

As pessoas são muito curiosas e a maioria dos animais também é. Precisam ser. Devem conhecer o meio ambiente e procuram fazê-lo desde muito cedo. Aprendem onde há alimento e onde há perigo. Esmeram-se em reconhecer suas presas e seus predadores, assim como seus pares. São atentos, olham para os lados, correm, cheiram, experimentam. Quanto mais coisas passam a conhecer, mais espertos ficam. Ratos criados em ambientes ricos de estímulos criam mais conexões cerebrais e se dão melhor em testes de labirintos.

Os bebês também são curiosos desde o nascimento. Se lhes agitarmos um chocalho, mostram-se interessados. Cada estímulo novo lhes atrai a atenção. Crescem com o contínuo desejo de saber das coisas, movidos pelo impulso da novidade. Municiados pelas descobertas, desenvolvem cada vez mais habilidades. Quando crescem, passam a gostar de viajar, de conhecer lugares e costumes. Querem saber das notícias, das pessoas, adoram fofocar. Interessam-se sobre o funcionamento de tudo e aprendem a fazer perguntas, cada vez mais complexas.

A nossa espécie é consciente, pensa, planeja, pergunta, responde, descobre e inventa. É inteligente, sabe falar, escrever e calcular. Como seres evoluídos, os humanos sentem prazer quando exercem plenamente as funções que os diferenciam na natureza.

A curiosidade nos leva às perguntas e a dopamina nos faz procurar as respostas. Sempre foi assim. Antes mesmo de aprender a falar, nossos ancestrais descobriram que algumas pedras, com determinado formato, ajudavam a destrinchar as presas e traziam vantagens contra os inimigos. Assim inventamos o machado, a primeira ferramenta. A seguir observamos o fogo, fizemos experimentos, aprendemos a dominá-lo. Quando aprendemos a falar, tudo ficou mais fácil. Começamos a utilizar a mais importante ferramenta inventada pelo homem: a palavra.

Como usar melhor o machado? Talvez como uma lança. E o fogo? Talvez cozinhando os alimentos. Como diminuir a correria e o perigo desta vida de caçar e colher? Talvez plantando e domesticando animais. Como evitar que nossas histórias se percam? Talvez escrevendo. E assim continuamos a perguntar e, a partir de então, a escrever nossa história.

Somos todos, então, leitores e escritores. O envolvimento depende do prazer do ato e do retorno. Talvez eu tenha me tornado leitor no dia em que li, em voz alta, o nome de uma loja na rua, recebendo o abraço emocionado de minha mãe: “Você sabe ler”! Talvez tenha me transformado em escritor quando percebi uma lágrima provocada por uma carta que eu rabisquei. Senti que tinha algo a dizer.

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