Tempos bicudos (Zabot)

TEMPO BICUDOS

Atrever-se a escrever nestes tempos bicudos – de pandemia de conavírus -, requer paciência, e sobretudo muito bom senso, pois informações não positivas, mais alarmam do que contribuem para superarmos as agruras do momento. O realismo, porém, é essencial.

Quando falo de gripe sempre lembro de minha mãe, pessoa maravilhosa de muita fé em Deus. Jamais, em vida, curvou-se a temeridade. Corajosa, sempre foi um esteio de aroeira lá em casa. Fizesse chuva ou fizesse sol.

Contava que, quando recém casada, em Herval d’Oeste houve uma epidemia de gripe, se não me engano a famosa gripe asiática de 1957. Da família que não era pequena, pois morávamos com os nonos e um outro tio, subitamente, todos caíram de cama.  Menos ela que resistiu bravamente. Não contraiu a virose.

Restou a ela não só socorrer os enfermos: servir-lhes refeições, como também cuidar do sítio, especialmente da criação: gado de leite e suínos. Arranjar trato: descascar milho, colher mandioca e baraço de batata. Cortar alfafa.  Servir água no cocho. E tirar leite. O plantel não era pequeno. Brincando, ela comentava: – Bom que também adoecesse para ser cuidada pelos outros.

Felizmente tudo passou. Não restaram sequelas, nem traumas. Passada o surto seguiu normal a vida.  Ondas de gripe, sabemos, registram-se com certa frequência. A de triste memória:  a espanhola. Matou bem mais do que as guerras mundiais.

E o surpreendente: temos a impressão de que não há a mesma preocupação em relação a mecanismos efetivos de dissuasão de pandemias de origem biológica. À indústria bélica reservam-se orçamentos vultuosos, e as melhores inteligências.  E quanto ao risco de pandemias, quanto se reserva? Qual o nível de inteligência estratégica empregada? Bastante aquém do desejável, obviamente; percebe-se em razão da pandemia em curso.

Neste aspecto dois cenários sobrepõem-se: 1) a avidez de lucro fácil por parte dos grandes laboratórios; 2) e, em termos estratégicos, percebe-se faltar governança.

Mesmo as Nações Unidas que deveria ser a gestora global, parece mais envolvida em propagar ideologias do que propriamente zelar pelo bem estar da população.

Não é hora para críticas, evidentemente, mas fica claro que há uma carência de efetividade do ponto de vista epidemiológico. E da defesa e vigilância sanitária. Ações preventivas, digo. O setor curativo parece mais preparado, mas não para pandemias. O preventivo, o sanitarismo, anda capenga.

No que tange ao universo vegetal, obviamente guardadas as proporções tem-se conseguido evitar tragédias como a que ocorreu na Irlanda onde milhares de pessoas morreram de fome. A requeima de uma hora para outra dizimou os plantios de batata inglesa, base de dieta local. No universos animal, as medidas sanitárias de longa data são extremamente rigorosas. Basta verificar a questão da febre aftosa e o rigor sanitário nos criadouros. É evidente que é mais prático empregar um vazio sanitário tanto contexto da produção vegetal, quanto animal.

Recentemente a produção de camarão em Santa Catarina foi atacada pela “mancha branca”, um vírus que não que se transite para humanos. Práticas rigorosas de quarentena e vazio sanitário resolveram o problema. Redução de povoamento foi uma das medidas.

Aliás, neste sentido, superaglomerados urbanos deveriam ser reestudados. Há que haver espaço. Áreas verdes: praças e parques distribuídos proporcionalmente no ambiente urbano.

Sejamos realistas, no entanto. O momento é de extrema gravidade, mas não podemos negligenciar a inteligência científica em curso. Universidades, laboratórios, e especialmente os profissionais de saúde são decisivos, o que não exime a responsabilidade de cada cidadão de seguir as orientações preconizadas. E, sobretudo, buscarmos ser solidários. Não é hora para arroubos de natureza político-partidária, certamente.

Daqui a um certo tempo, quando tudo passar, certamente teremos que rever uma série de conceitos: especialmente quanto a medidas de prevenção contra pandemias.

Nestas horas, para descontrair, vem-me à mente a história da rã macho e da rã fêmea. Ambas caíram num tacho de leite. O macho começou a fazer cálculos: altura do tacho, densidade do leite, aspereza da superfície do tacho e concluiu: – Só resta uma alternativa, virar de costa e aguardar a morte. A rá fêmea, no entanto, continuou a debater-se… E a surpresa, o leite transformou-se em manteiga. E ambos se salvaram. Moral da história: esta variável não estava no cálculo da rã macho.

Com certeza, antes do imaginamos, vem novidade. Medicamentos. Bem antes do que a vacina, em fase avançada de testes.

No mais: cautela e muita serenidade. A exemplo das pandemias anteriores, vamos atravessar esse rubicão, com certeza.

 

Joinville, 24 de março de 2020

 

Onévio Zabot

Engenheiro Agrônomo

COMPARTILHE: