Um olhar sobre a sociedade joinvilense nos anos 60

Com o pseudônimo de Luciene, Lucinda Clarita Boehm escreveu coluna social durante muitos anos e contribuiu para compor o retrato de uma época

 

No final dos anos 50, início dos anos 60, Joinville crescia embalada pela força da indústria. Enquanto no centenário da cidade a população era de pouco mais de 42 mil pessoas, em 1964 este número havia duplicado, passando para 87,5 mil habitantes, segundo o relatório de gestão do prefeito Helmut Fallgatter. Era uma nova onda de migração que mudaria o perfil da região nas décadas seguintes.

Para um grupo tradicional, porém, as características de uma cidade pequena ainda eram mantidas. Em sua maior parte descendentes dos primeiros imigrantes que chegaram à Colônia Dona Francisca, eles frequentavam os mesmos lugares, tinham hábitos parecidos, cultivavam os mesmos amigos e, muitas vezes, eram até parentes. Em 1957, uma colunista social começou a escrever para os jornais locais, revelando um pouco da alta sociedade de Joinville. Frequentadora dos salões, ela descrevia modos e costumes de uma geração que cresceu durante a Segunda Guerra, mas vivia um novo período de prosperidade e não se furtava de aproveitar os bons momentos. Com o pseudônimo de “Luciene”, a advogada Lucinda Boehm durante anos exercitou um olhar sobre a sociedade joinvilense, contribuindo para compor o retrato de uma época.

“Luciene” começou a escrever por volta de 1957, 1958, no antigo Jornal de Joinville e depois migrou para A Notícia. Como foi criada ou como desapareceu, nem a própria Lucinda Boehm lembra. “Não sei dizer como me meti nisso”, brinca. O certo é que no começo usava o pseudônimo como uma forma de preservar a verdadeira identidade. Nascida em 1932, ela tinha cerca de 25 anos, era jovem, bonita e arrojada – até fumava, uma atitude considerada moderna na época. As relações também se modernizavam rapidamente. Enquanto até poucos anos antes, moças e rapazes não sentavam na mesma mesa e se olhavam de longe, na geração de Lucinda a aproximação já era aceita nos bailes. “A minha turma foi uma daquelas que começaram a sentar à mesa com os rapazes. Antes, as moças ficavam esperando na mesa eles chamarem para dançar”, conta.

Lucinda circulava na sociedade joinvilense sem blocos de notas ou caneta. Observava muito, gravava tudo na memória e só depois, em casa, escrevia a crônica social. Assim conseguiu se manter incógnita por algum tempo. “Não anotava nada. Não podia, senão iam me identificar. Meus amigos não sabiam. A memória era boa e eu gravava”, revela ela, que foi reconhecida depois de algum tempo. O anonimato era um fato inusitado em uma comunidade em que todo mundo se conhecia. “Joinville, na época, era uma cidade pequena, que tinha os crochês, onde só entrava quem era convidada”.

O pai, Eugênio Boehm, proprietário da já tradicional padaria Brunkow, ao saber da novidade, gostou da iniciativa e elogiou a filha. Mas recomendou que ela escrevesse logo para que os assuntos não perdessem a importância. A cronista, porém, achava que tinha bastante tempo. Ia para casa, escrevia à mão. Só depois datilografava e encaminhava para o jornal.

A coluna tinha o nome de “Vendo… Ouvindo… Comentando…”. E resumia bem o que Luciene fazia. “Ficava a par dos acontecimentos vendo, ouvindo. E depois comentava em uma linguagem voltada para a mulher da época:  “Do mais alto bom gosto e riqueza, o Baile das Debutantes de 1959 pode e merece ser classificado como o ‘Baile das Notas Altas’. (…) E assim, quando no salão de festas na Harmonia-Lyra, todo iluminado de cintilantes luzes e enfeitado de flores primaveris, deu-se início à apresentação das debutantes, elas surgiram belas e fascinantes, ainda que com uma lágrima furtiva deslizando mansamente pelas faces coradas”.

Mesmo sem anotar nada, as descrições de Luciene eram minuciosas. Ela relatava quem estava nos eventos sociais, as atividades e muitas vezes os trajes. Tudo em detalhes que permitem que o leitor possa imaginar aqueles momentos. Também informava sobre os eventos futuros, ajudando a pautar a vida social das moças e rapazes da época.

Material para a coluna não faltava. Os bailes faziam parte da rotina da moçada e eram realizados nos salões da Harmonia-Lyra, no Club Joinville, na Sociedade Ginástica, na Liga das Sociedades. “Tinha muitos bailes. Todo final de semana acontecia alguma coisa. A Harmonia-Lyra reunia a alta sociedade”, recorda Lucinda.

 

Clube da Lady em Joinville

Nos anos 60, as damas da sociedade local se reuniram e criaram o Clube da Lady em Joinville, a exemplo do que já existia em Florianópolis. Nos textos de “Luciene” aparece a reunião para formar o grupo, a sua finalidade e a primeira diretoria. “Graças à simpatia e cordialidade das damas de nossa high society, fama que ultrapassando fronteiras levou seus nomes às cidades circunvizinhas, fomos nós, da sociedade joinvilense, por recomendação das distintas damas de Florianópolis, escolhidas para possuirmos também o Clube da Lady, essa associação de ideais maiúsculos, que através da beleza de seus movimentos visa o auxílio dos menos favorecidos”, explicava. Informava ainda a primeira diretoria: “Ficou constituída assim a 1ª diretoria: presidente: Carmen da Fonseca Lobo; 1ª vice-presidente: Jacy Lobo; 2ª vice-presidente: Zilka Cubas; 3ª vice-presidente: Lady Doria; 1ª secretária: Florinda Kasting;  2ª secretária: Maria Krause;  1ª tesoureira: Regina Zimath; 2ª tesoureira: Edla Jordan; departamento de Imprensa e Propaganda: Fraya S. Vieira, Juracy Brosig, Lucinda Boehm”.

Para participar, explicava a colunista, era “simplíssimo”: “Basta fazer uma assinatura de “Lady”, revista de requinte e atualizada em todos os sentidos, com seções de moda, culinária, arte e conhecimentos gerais, e automaticamente, você será uma sócia do Clube da Lady. O que é, sem dúvida, um passo vitorioso em sua vida. Porque ser Lady é unir o útil ao agradável”, convidava.

Pela coluna de “Luciene” passavam entidades e eventos conhecidos na cidade. No início dos  anos 60, ela podia descrever tanto um baile na Liga quanto a inauguração das obras na Sociedade Ginástica: “No ambiente esplendente de luzes da Liga de Sociedades, onde a expectativa pairava no ar e se fazia sentir nos mínimos gestos, aconteceu o Baile de Gala, organizado por esse exemplar educandário, que tanto tem feito por Joinville, que é o Colégio Bom Jesus”.

Sobre a inauguração de obras na Sociedade Ginástica, a colunista não economizou elogios ao então prefeito Helmut Fallgatter, que esteve à frente do Executivo municipal de 1961 a 1966. “Quem viu o Ginástico de ontem e quem vê o de hoje, sem grandes reflexões há de reconhecer que foi necessária uma vontade férrea e um cérebro pensante pleno de administração e organização para iniciar e concluir essa obra grandiosa, esse sonho maciço de pedra e concreto, orgulho para uma terra de príncipes. (…) E desde o início até o final foi  o senhor Helmut Fallgatter o responsável pela concretização desse empreendimento”.

Falava ainda de eventos que ainda hoje são notícia em Joinville, como a Festa das Flores. Na gestão de Baltasar Buschle, entre 1958 e 1961, a colunista informava: “Depois das controvérsias entre a EFA e a Ajao, havia uma certa dúvida sobre a exposição de flores e artes; o que não deixou de ser apreensão sem fundamento, pois ela aconteceu com o brilho revolucionário de sempre, sensibilizando, pela arte que encerra em seus mínimos detalhes, a quantos a visitaram”.

 

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