Um sapo chamado Fritz
1: Fritz, um sapo nas terras do príncipe
Na Alemanha, havia um Frosch, digo, um sapo. Ele foi para o Brasil para ser príncipe. Bem, isso é o que ele achava, mas teve de enfrentar tanta desventura que só vendo. Vire a página e comece a história do Fritz, eine Frosch… Hum-hum, um sapo nas terras do príncipe.
Um dia, Fritz ouviu falar sobre as terras do príncipe. Ele, que tinha mania de realeza, logo achou que, se fosse para lá, se transformaria em príncipe. Sem titubear, pulou para dentro de um navio. Sapo, mais do que príncipe, pula com facilidade, você sabe.
O navio partiu numa viagem muito longa. Sapo gosta mesmo é de viver no molhado, mas dentro do Schiff, quer dizer, do navio, era praticamente seco. Lá fora havia um mundo de água, mas, puxa! Tão difícil de alcançar. Fritz, morto de sede, olhava para o mar e engolia a seco. Dava até pena. Mas gente não costuma ter pena de sapo e quando ele ouviu algumas pessoas se aproximarem, pulou e foi se esconder atrás de um enorme saco de Mehl, digo, farinha… Não consigo parar de usar palavras em alemão: força do hábito.
Dentro do saco, Fritz engoliu tanta farinha e se enfarinhou tanto que parecia um fantasma. Só dava pra ver os olhos grandes abrindo e fechando. Ele encostou-se num canto e ficou imóvel, para não chamar a atenção de ninguém. E Frosch... Ai, sapo, sabe fazer isso muito bem.
– Hei! Sapinho! Venha cá! – Disse Walter, um carpinteiro que vinha para as terras do príncipe construir casas. – Está com fome?
Fritz piscou os olhos, porque é assim que sapo diz sim. O homem entendeu e entregou-lhe um pedaço de pão.
O pão grudou na boca do sapo de um jeito que não queria sair mais. Walter percebeu e serviu-lhe um pouco de água. Fritz aproximou-se da cuia e pulou. Ali nasceu uma bela amizade.
Depois de 67 dias de viagem, eles chegaram ao Brasil. Fritz e Walter desceram juntos no porto de São Francisco do Sul, sob um calor muito forte. Gentilmente Walter jogou um pouco de água sobre o sapo.
Mal pisaram em terra firme, embarcaram em um navio menor para continuar a viagem até as terras do príncipe. Ufa!
O lugar era bem diferente do que Fritz imaginava, e parece que era diferente do que as pessoas imaginavam também. Todos olhavam espantados para a mata enorme, sem dizer uma palavra. Não havia Häuser nem Strassen… Você sabe: casas nem ruas. De repente, um trovão se ouviu. E no mesmo instante, começou uma forte chuva. Fritz sentiu-se bem. Abriu a boca e bebeu da água que caía do céu. Curioso sobre a nova terra, Walter esqueceu de Fritz. Satisfeito com seu banho de chuva, Fritz não se lembrou de Walter. O sapo alemão caminhou pela margem do rio brasileiro esquecido da vida. Passou por diferentes lugares e até por um sítio de sambaqui, onde velhas conchas e pedras machucavam seus pés.
Também, pudera! Frosch não usa Schuh.
Durante o passeio, Fritz caiu na real, e ficou muito do chateado ao lembrar que chegara ao Brasil e necas de virar príncipe. “As terras do príncipe não são assim tão boas”, pensou. Enquanto pensava e chutava coquinho, Fritz não percebeu que um sapo amarelo se aproximara. Quem passasse por ali àquela hora, só ouviria o coaxar dos dois. Mas na verdade, Fritz ria da aparência do sapinho e o sapinho, por sua vez, reclamava irritado:
– Do que você está rindo?
– Da sua fantasia. Muito engraçada.
– Não é uma fantasia! – Respondeu o sapo amarelo.
Neste momento, Fritz parou de rir e a chuva parou de cair.
Enquanto o sapinho amarelo falava sobre a riqueza da fauna brasileira, Fritz viu sair de cada canto da mata um sapo diferente. Ele olhou em silêncio para cada um deles e, sem ninguém entender, desembestou a chorar. Como ele podia pretender se tornar príncipe, se os sapos que nasceram ali não são?
Teimoso como só um sapo pode ser, Fritz pôs na cabeça que seria príncipe. Muito decidido gritou: “Vocês nasceram para ser sapos e sempre serão sapos. Mas eu tenho um sonho e vou realizá-lo”.
Um sapo velho e desbotado adiantou-se e falou com sua voz cansada:
– Garoto, você não sabe das coisas. Sapos, sapos são. O orgulho de virar príncipe pertence aos homens.
O coaxar do velho sapo fez Fritz lembrar de Walter.
– Eu tenho um amigo homem!
Fritz saiu correndo… Digo, pulando para encontrar o seu amigo.
E logo a noite caiu sobre as terras do príncipe.
As construções estavam bem adiantadas e algumas famílias já começavam a plantar. Em breve o lugar receberia o nome de Colônia Dona Francisca. Walter deitou na margem do rio para descansar. Fritz aproximou-se e até quis falar sobre seu desejo de tornar-se príncipe, mas fala de sapo é o coaxar e os homens não entendem o que não é palavra. O velho carpinteiro até percebeu a inquietação de Fritz e bem que tentou saber o que ele queria dizer, mas não conseguiu.
Mais tarde, Fritz apareceu com uma coroa de ramos na cabeça, para mostrar que queria ser Prinz… Príncipe. A coroa era um pouco maior que a cabeça e cobria os olhos do sapríncipe. Guilherme, um jovem norueguês, que viajara no mesmo navio, gritou para Walter:
– Olha só o sapo! Quer ser príncipe.
Fritz sorriu confiante.
Walter pegou o sapinho com cuidado e falou:
– Parece mesmo um Prinz, pena que não é gente para ser um echter Prinz… Isso quer dizer, ser um príncipe de verdade.
O ramo de coroa murchou na cabeça de Fritz e pela primeira vez um sapo andou em vez de pular. Por mais de um ano ninguém ouviu falar de Fritz. Ninguém sabia onde tinha ido parar die Frosch que queria virar Prinz.
Walter chegou a comentar sobre Fritz em uma carta para sua família da Alemanha.
“Mein familie,
Já faz um ano que eu cheguei no Brasil.
A vida aqui é muito difícil. Pouco conforto e muito trabalho. Mas é um lugar bonito. Vocês precisam conhecer! Fiz algumas amizades na viagem. Conheci também um sapo. Isso mesmo! Um sapo muito especial, só faltava falar. Parecia que a qualquer hora ia se transformar em príncipe. Mas, infelizmente, ele sumiu.
Como disse, a vida aqui é difícil, mas a colônia está crescendo, vai virar cidade e vai receber um novo nome. Pena que meu amigo sapo não está aqui! Porque, hoje, nós vamos fazer uma festa para comemorar.”
Houve uma grande comemoração entre os imigrantes. Chegava ao fim a Colônia Dona Francisca para nascer a cidade de Joinville. Todos beberam e comeram bastante. Até os animais saíram da mata para participar daquela alegria toda. As pessoas dançavam e cantavam sem parar, mas Fritz não apareceu.
Dois meses depois, a cidade continuava sendo construída a todo vapor. Os imigrantes trabalhavam muito. E nesse clima de trabalho aconteceu algo que mudaria a história da cidade e de todos os bichos que viviam ali: Guilherme estava cuidando dos cavalos quando algumas madeiras do estábulo começaram a ceder. Não demorou e a construção caiu sobre o norueguês. Na confusão, Fritz reapareceu. Quando viu Guilherme caído, saiu pulando com muita agilidade para Hilfe rufen… Digo, pedir socorro.
A primeira pessoa que ele encontrou foi Walter, e apesar da saudade, eles mal se cumprimentaram. Fritz tinha pressa e nem pôde contar que havia passado um ano inteiro andando sozinho pelas matas da Stadt, digo, cidade. O sapo coaxou desesperado para avisar a situação de Guilherme. Walter não podia entender seu coaxar, mas percebeu que algo sério estava acontecendo, porque os olhos de Fritz demonstravam urgência. O Sapo pulou de volta ao estábulo e Walter o seguiu.
Quando chegaram, Walter foi logo tirando as tábuas de cima do norueguês. Não demorou e várias outras pessoas chegaram, entre elas, Wolf, um médico suíço que tomou conta de Guilherme. Quando todos foram agradecer a Walter por sua atitude, ele apontou para Fritz, die deutsche Frosch, e disse:
– Quem salvou a vida de Guilherme, foi meu amigo, o sapo.
A partir daquele dia, Fritz ganhou o título de príncipe, devido ao seu heroísmo e honra. E ficou muito feliz, porque sapo que vira príncipe fica mesmo muito feliz.
2: Fritz, olha o trem!
Ele andava pela cidade como um nobre, ou melhor,
pulava como um verdadeiro sapo nobre, um sapríncipe.
De tanto sentir-se especial, por ser um sapo príncipe e ter uma coroa na cabeça, Fritz, andava de cabeça erguida pelas ruas da cidade. De tão erguida não viu onde pisava. Pisou no que não era chão e caiu. Dez metros de queda livre. Chegou no fundo e tocou uma terra mole e úmida
– Que buraco escuro! E ainda é dia.
Como aquele batráquio poderia sair dali? É certo que sapo sabe pular muito bem, mas nunca houve sapo que conseguisse pular so hoch, digo, tão alto, para sair de um buraco de 10 metros de profundidade. Coachar tão pouco adiantou. Depois de lutar um bocado, Fritz desistiu.
Quem saberia decifrar sua angústia?
Sabe o que é pior do que você estar preso em um buraco fundo e escuro? É começar a chover quando você está preso em um buraco fundo e escuro.
Fritz lembrou de seus alte Freunde, os velhos amigos da viagem de navio que o levaram da Alemanha para o Brasil. Lembrou dos sapos brasileiros que conheceu na chegada e de quando ganhou o título de príncipe, por ter ajudado a salvar o jovem Guilherme, que ficara preso sob as madeiras de uma construção.
De tanta lembrança, lembrou que andar com o nariz empinado não é nada bom. Como se diz em alemão: Wer nach oben schaut, fällt in das Loch, quem olha para cima, pode cair no buraco.
A chuva aumentou, os pingos eram maiores e mais pesados. A água, agora, escorria pelas paredes. Fritz agarrou-se como pode e tinha tanto medo de morrer que seu coração disparou, sua respiração ficou ofegante e seus músculos doíam.
– Espera! O que é isso? O que está acontecendo? – Fritz olhou para baixo e viu que a água estava subindo.
– Mein Gott! E eu também! – gritou.
Fritz estava boiando e isso poderia salvar sua vida. O buraco enchia e Fritz subia, subia, subia. Uma esperança acendeu nos olhos do sapo. Fritz tinha boa lembrança da chuva. Foi ela que o recepcionou quando ele chegou a Joinville, foi ela que matou sua sede. Agora, a chuva ajudava-o novamente.
Meio atordoado, Fritz não sabia se aquela chuva caía mesmo ou se era só sua mente cansada e confusa fazendo-o lembrar da chuva que o salvou.
Der Frosch wurde ohnmächtig, o sapo desmaiou.
Quando recobrou a consciência, sentiu o sol forte queimar-lhe a cara. Fritz não estava mais no buraco. Estava em uma rua com grande movimentação. Carroças e pessoas passavam por ele. Não se deu conta, mas havia perdido sua coroa. Coroas não fazem falta, quando o coração é nobre.
O sapo olhou para os lados e não reconheceu o lugar.
– Não foi aqui que eu caí.
Não foi mesmo. Fritz estava agora perto de uma Bahnhof, digo, uma estação de trem. Ele que mal sabia o que era isso. Ficou curioso. Oras, que ficou o quê! Sapo não fica, sapo é curioso. Fritz ouviu perto de si um pai ensinando ao filho e aproveitou para aprender também.
– Estação ferroviária é onde os trens chegam.
– Como um porto? – perguntou o filho.
– Sim. Mas em vez de água, tem trilhos. E em vez de navios, chegam trens.
– Como as coisas mudaram – pensou Fritz, enquanto já imaginava uma viagem de trem para a Alemanha, mas em seguida ouviu:
– Dá para conhecer a Europa de trem?
– Não, meu filho. Trens não atravessam oceanos. Mas dá para irmos a São Francisco do Sul, que tal?
Fritz ficou decepcionado ao saber que trens não atravessam oceanos. Em olho de sapo cabe muita decepção. O movimento na rua aumentou e todos caminhavam para a mesma direção. Curioso como sempre, Fritz seguiu-os. Para onde estariam indo? O sapríncipe chegou à estação ferroviária e espantou-se. Era uma construção grande, com uma torre bonita e bem alta. Fritz pulou até a plataforma onde as pessoas esperavam a chegada do primeiro die Eisenbahn, você sabe, trem.
Atrapalhado pelas pernas no caminho, Fritz não conseguia ver muita coisa. Decidiu procurar um lugar melhor. O doido foi até o trilho e se ajeitou, bem do folgado, em um dos dormentes.
Foi aí que aconteceu.
Quando ele olhou de novo para a plataforma, viu os olhos arregalados mais bonitos que já tinha visto na vida!
Eram os olhos de Futrika.
O coração de Fritz quis sair pela boca e seu corpo estremeceu. Paixão faz a gente tremer? Não tinha imaginado que pudessem existir So schöne Augen! – Olhos tão belos! Mas, o que era aquilo? Os olhos dela arregalavam-se cada vez mais. Sua boca abria-se cada vez mais. Ela gritou.
– Olha o Treeeeeeeeeeem!
Não era de amor que Fritz tremia, era pela trepidação dos trilhos. Ah! Era por amor também.
Sapo pula com facilidade. O trem? Ufa! Passou.
O tempo, tão rápido quanto o trem, também passou.
Fritz e Futrika eram vistos juntos, pulando para cima e para baixo Glücklich und verliebt – felizes e apaixonados. Em olho de sapo cabe muito amor.
Os sapinhos enamorados tinham muitos planos, um deles era viajar de trem. Mas havia um problema: na estação de Joinville, só havia trens de carga. Trem de passageiro ainda demoraria alguns anos para passar pela cidade.
– Onde já se viu estação não ter trem? – Perguntou Futrika impaciente.
– Mas tem.
– Mas é pra carregar coisa, não gente.
Ao ouvir a palavra “gente”, Fritz arregalou os olhos e disse:
– Não somos gente!
Futrika, com os olhos brilhantes, coaxou animada:
– Fritz, você é o máximo! Se não somos gente, podemos viajar em trem de carga.
Fritz inchou feliz.
– Um dia, Futrika, eu quis ser gente e virar príncipe. Fiquei triste quando soube que eu seria sempre um sapo – confidenciou Fritz.
– Você é meu sapo favorito – revelou Futrika.
Ele sorriu e continuou:
– A boa notícia de ser sapo e não gente, é que posso viajar de trem de carga.
– Eu também – sorriu a sapinha apaixonada.
Bem, gente, eu nem preciso dizer que subir no vagão foi moleza para os dois, não é? Assim, Fritz e Futrika fizeram a primeira viagem juntos, de trem. Agora eles já planejam voar. Ops! Sapo voa? Quem vai dizer que não? Do Fritz a gente pode esperar so etwas! Você sabe, qualquer coisa!
As histórias do sapo Fritz, personagem criado por Jura Arruda, podem ser lidas em versão ilustrada por Nei Ramos. Os livros estão à venda nas livrarias. O terceiro livro chamado Fritz, Um Sapo Nas Alturas está em fase de ilustração, será lançado em 2018 e fechará a trilogia.