Viajante nos Livros (Maria Cristina Dias)
Viajante nos Livros (A Viagem)
Maria Cristina Dias
Muito se fala sobre viajar com a leitura, abrir horizontes, conhecer novas histórias, novos personagens, lugares infindos. Sim, é tudo verdade. E muito mais.
Recentemente, entretanto, parei para refletir sobre o leitor, aquele ser que compra uma passagem para a sua poltrona e embarca em um novo livro, sabe-se lá para onde. Geralmente compra várias passagens (compulsivos, que somos), mas embarca sozinho – e de uma forma única. Acredite, não há dois leitores iguais. A leitura e o leitor se entrelaçam em relações tão subjetivas, que é impossível padronizar ou tentar definir.
Mas há alguns tipos interessantes, que podem ser observados por aí.
Há leitores que encaram o livro como uma missão a ser cumprida. Têm que dar conta, têm que avançar, têm que dominar. “Hoje está pago”, diriam, se ler fosse um programa de condicionamento físico. Tantas páginas por dia, com uma disciplina invejável para agarrar o volume e não o largar antes de ver a meta cumprida.
Uma estratégia, sem dúvidas, que ajuda a criar bons hábitos. Quando aliado ao prazer, pode tornar-se imbatível. O perigo é deixar o prazer de lado – isso, jamais!
Eles também podem ser turistas naquele mundo que se revela a cada página. Passear pelos parágrafos, desbravando rapidamente os lugares, tentando registrar os detalhes na mente para não esquecer de nada. Hoje estão fascinados por um lugar e o engolem com voracidade, como se as palavras pudessem escapar de suas mãos ou de seus olhos. É como estar de férias, curtindo cada dia, antes que ele escoe pelos dedos.
Amanhã, acordam sedentos e vão para outro lugar, conhecer um livro novo, um autor novo. Engatam em uma nova história e tornam a se apaixonar, pois é de paixões que vivem os amantes da leitura.
Ao final do ano, nos matam de inveja ao exibir aquelas listas maravilhosas de livros lidos. Como conseguem com tantas forças contrárias? Com o celular que não para de apitar, as obrigações sociais, o trabalho que invadiu as noites e fins de semana, e não tem mais hora de acabar? Vá saber! Mas conseguem! E partem felizes para novos destinos.
Esse leitor, entidade introspectiva que a gente inutilmente tenta decifrar, pode ser um viajante e percorrer as páginas devagar, como quem quer desvendar um lugar misterioso, se surpreender nas esquinas, parar para tomar um café com bolo ou olhar o pôr do sol. Pode se apaixonar por um personagem e retardar a leitura propositadamente para não o deixar ir embora tão rapidamente. É aquele que se angustia à medida em que vai chegando ao final.
Esse leitor viajante gosta de retornar aos lugares que já visitou e onde já foi feliz. Quem nunca? Voltar a um livro é buscar o conforto de um amor amigo, o cobertor quente em uma noite fria, em um mundo muitas vezes hostil.
Mas é difícil fazer a lista no fim do ano quando se releu o mesmo livro pela terceira vez. Ou quando se foi atrás da biografia do escritor para ter o prazer de encontrar em suas memórias os lugares e pessoas que povoam seus livros. “Ah, esse aqui eu conheço!” E depois disso, voltar ao livro mais uma vez para ter a certeza de que aquele detalhe está mesmo ali.
A leitura se torna uma jornada a ser percorrida. Algo que pode extrapolar os limites da página e sair independente por aí, buscando desdobramentos e se infiltrando em espaços não imaginados.
Identificá-lo é relativamente fácil. É aquela pessoa que te seduz ao descrever uma história e vai entrelaçando-a com outras nem sempre escritas, com uma música ou um aroma, com uma experiência que viveu por aí ou com uma reflexão. Seus olhos brilham ao falar e sua estante nunca se esvazia, pois é incapaz de passar adiante o velho amigo.
Quem ousa questionar o que é melhor? Os tipos diversos se avolumam e observá-los pode ser tão interessante quanto a leitura em si. Comprando o bilhete e embarcando na viagem já está bom demais.