Visões de Blake (Joel)
Desejo que o seu dia seja cheio de altos e baixos, como os rios de montanha que se energizam nas quedas e se quedam nos vales em códigos óxidos feitos para o ócio dos peixes. Não sei quanto tempo da sua vida você conseguiu investir em observar as corredeiras dos pequenos cursos d’água. O que digo é que, nada nutre tanto essa porção indócil que se dedica às manifestações do infinito. A água corrente é, das mensagens, a mais clara; das metáforas, a mais rara; das formas e substâncias, a mais convidativa ao mergulho da alma. Dentro do movimento das águas e em silêncio, o Deus habita. Largue o seu dia por um instante e livre-se do curtume dos desejos, sente-se à beira de qualquer água corrente, mesmo a torneira aberta da pia, e toque com os pés o fluir que surge e desaparece, incessante. No decurso das nascentes é que “escuto o som das algemas da mente” a se quebrar nas vagas.
Hoje é aniversário de Willian Blake, poeta, tipógrafo e xilogravador. Acima de tudo, o homem que teve olhos de ver e deu forma ao que viu, sem temer as dilacerações místicas. Foi obstinado gravador das visões sombrias a que se devotam hoje a arrancar os olhos, os sensíveis. No oposto de quem canta, suas visões e formas flamejam nas piras dos poemas, que são ditos em voz ríspida, como quem risca um fósforo no áspero da garganta. Quixote do outro lado da Mancha, descabido dos formatos, ousando derreter os moldes do próprio barro, na hora ausente das contrições piedosas. E dele sei: desde sempre ser a própria lenha.
Antes que esse dia se torne um ancião balindo débil, breve, tão breve que não requeira funerais, finjo imaginar os monjolos d’água e as bigornas martelando a carne na forja das fúrias. Todos os dias, como hoje, “um verme pela treva voa invisivelmente”. Na terceira noite da deslunia, um filete da lua escorre pelos lábios intumestados do horizonte. Por fim, hei de imprimir o meu reflexo na face oculta da vastidão vazia, com um poema breve e a mão livre das xilografias.
Joel Gehlen