Você é fofoqueiro?

Eu nunca tive muita paciência com fofocas. Por vezes o assunto confidenciado até me interessava e eu deixava o fofoqueiro se divertir, mas, quando eu confirmava o gênero da prosa, tentava mudar o rumo.

Como pode haver tanto interesse nesse tipo de conversa?  Vi uma vez o relato de uma pesquisa que levantou, em bares, cafés e restaurantes, qual seria o assunto predominante. Foi, disparado, a vida dos outros!

Quando a mão faz uma concha em torno da boca e a cabeça gira, se aproximando do ouvido do outro, pode saber que vem veneno. É aí que se sabe quem está falido, quem fez plástica ou quem foi traído.

Eu me espantava ainda mais ao observar que não bastavam as conversas sacanas ao pé do ouvido. O assunto tinha tanto apelo que criaram programas de televisão e revistas especializadas em fofoca. E o mais triste é ver nossos parentes lendo essas revistas, bem nas nossas “caras”.

Sempre achei que fofocar significa destruir! É arma dos ardilosos, daqueles que, sorrateiramente, atacam a quem invejam. Uma de minhas máximas prediletas diz que “o sábio fala de ideias, o homem comum fala de coisas, o idiota fala de outras pessoas”. Eu queria ser, pelo menos, um homem comum e preferia falar de futebol ou política. Quando falava de literatura ou filosofia, achava-me superior aos mortais.

Só que não é verdade. Para meu espanto e decepção, a fofoca está hoje reabilitada! E não é porque nem toda fofoca é maldosa (não é!). É porque a fofoca é necessária! Foi essencial para a viabilização e evolução do Homo sapiens.

Sabemos que as características que nos diferenciaram dos demais primatas foram o bipedismo, o uso de ferramentas e a linguagem, todas possíveis a partir do crescimento do cérebro. O homem é mais fraco e mais lento que a maioria dos animais da savana e só se viabilizou pelo comportamento flexível trazido principalmente pela linguagem e inteligência.

A primeira função da linguagem deve ter sido emitir sons de alerta para sinalizar perigo ou oportunidade. Isso outros animais também fazem, apontando a situação de suas presas ou fugindo de seus predadores. À medida que a linguagem do Homo sapiens se tornou mais sofisticada que os sons dos macacos, a qualidade da informação melhorou e nossos avós puderam aumentar as chances de sobrevivência.

O segundo passo da linguagem foi possibilitar a transferência de informação mais complexa e a elaboração mental dessas informações, pelo pensamento linguístico. Assim foram possíveis avaliações sofisticadas do ambiente, como estratégias de caça e de proteção. Estavam garantidos os pequenos grupos de humanos, suas táticas de caçadores-coletores e suas migrações. Até então, a dinâmica dos pequenos grupos nômades se fazia de maneira similar a outros primatas, com o macho alfa e sua corte definindo o comportamento da pequena tribo.

A fofoca veio como terceiro estágio, para viabilizar os grandes grupos. A estratificação e a hierarquia indispensáveis para que o grupo crescesse exigiam mais informação: quem é quem, quem é confiável ou não é, quem ajudou antes, quem traiu. A linguagem passou a tornar essas informações possíveis. Os grupos se estruturaram.

A fofoca venceu!

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