📕 “Presença de Cruz e Souza” (Zabot)

PRESENÇA DE CRUZ E SOUSA

Onévio Zabot

No VIII Encontro Catarinense de Escritores e Leitores evento realizado em novembro último em Joinville, coube também à Academia de Letras Cruz e Sousa de Itapoá destacar a presença deste poeta na literatura brasileira. Fundada em 26 de agosto de 2006, a academia publicou doze antologias. E sem benesses públicas. Méritos a Cacá Velasquez, escritor e mecenas das letras.

Um parêntese: Itapoá, localizada no litoral norte catarinense, por si só é um paraíso encantado. “Pedra que surgena língua dos indígenas. Quem circula na orla, conforme oscila a maré, percebe ao largo, a pedra símbolo da cidade. Dança como um cisne ao sabor das ondas.

Quanto ao poeta João da Cruz e Sousa – imortalizado como O Cisme Negro -, nasceu na Desterro de então, hoje, Florianópolis, em 24/11/1961 e faleceu em Minas Gerais, 19/03/1898 ceifado pela tuberculose aos 37 anos. Tempo, entretanto, mais do que suficiente para projetá-lo como um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos, e,segundo Roger Batisde, um dos três maiores poetas simbolistas do mundo, ombreando-se com Stefan George e Stéphane Mallarmé.

Filho de escravos alforriados, o pai: Guilherme da Cruz, mestre pedreiro e a mãe: Carolina da Conceição: lavadeira.  Adotado pelo casal, Marechal Guilherme Xavier e Sousa e Clarinda Xavier de Sousa, frequenta o Ateneu Catarinense. Estuda línguas: latim, grego, francês e inglês, e matemática e ciência naturais com o notável professor Fritz Muller, que trocava correspondência com Charles Darwin, autor do clássico: A Origem das Espécies, obra revolucionária.

Muito jovem, inclina-se para as artes, especialmente a literatura. Viaja Brasil afora apresentado peças de teatro. Denúncia a escravidão. Na Desterro dirige o Jornal Tribuna Popular. Com Virgílio Várzeas pública: Tropos e Fantasias. Apenas 60 exemplares, dada a escassez de recursos. Nos idos de 1890, a convite de Virgílio Várzeas, parte para o Rio de Janeiro, centro cultural do país. Entra em contato com as obras dos simbolistas franceses. Além de Mallarmé, Charles Baudelaire, Paul Verlaine e Théophile Gautier, entre outros.

Sua trajetória foi marcada por adversidades: segregação social, haja vista sua origem africana, e o drama familiar. A tudo, no entanto, supera com paciência, criatividade e talento, dando mostras de genialidade.  Nele confirma-se a máxima: “A paciência é uma árvore de raízes amargas, porém seus frutos são doces

O simbolismo caracteriza-se pela musicalidade e pelo misticismo. Não deixa de ser uma reação ao realismo e ao naturalismo, então dominantes. E à escola parnasiana;corrente na qual se destacavam os poetas Olavo Bilac, Raimundo Corrêa, e Alberto de Oliveira.  

Nunca é demais lembrar que neste período surge a psicanálise de Freud: estudos sobre o ego – consciência; o super ego – subconsciente e id – inconsciente.

Cruz e Sousa, segundo Juan Marcello, rompe paradigmas. Silenciosamente, e sem alardes, publica: Missal, 1893 (prosa), Broquéis, 1893, (poesia). E Evocação (1898), Faróis (1900) e Últimos Sonetos (1905), obras póstumas.  Ao perceber que a tuberculose minava a sua saúde entrega ao amigo Nestor Victor os originais dos livros que deveriam ser publicados. E Nestor Victor – fiel escudeiro – cumpre a missão.  

Cruz e Sousa tinha plena consciência da estética simbolista; daí a persistência. Mas como remava contra a onda parnasiana, em evidência na época, a crítica passou ao largo. Somente após a sua morte, Rafael Magalhães Junior, Abelardo Montenegro, George Batisde e Lauro Junkes, este natural de Antônio Carlos, encarregaram-se de difundi-la, dando-lhe a devido lume.  

Juan Marcello, aplicando a teoria da desconstrução de Jacques Derrida, sinaliza para a grandeza e a originalidade da obra de Cruz e Sousa enquanto escritor de vanguarda.  

Cruz e Sousa evita polêmicas. Prefere responder com sua arte, com criatividade, legando-nos uma obra coerente e coesa do ponto de vista estético e de engajamento, cujatrajetória o projeta como um ícone da literatura brasileira e mundial. Soturnos subtrópicos.

Prova que a cor da pele não importa; importa o talento, a capacidade de captar a realidade, seja no campo das ciências, seja campo das artes, a qual se dedicou com esmero, situando-se à frente de seu tempo. Expressa esse viés em versos enigmáticos e melancólicos caso do poema: Violões Que Choram.

“Ah, plangentes violões dormentes, mornos, /soluços ao luar, choros ao vento…/Tristes perfis, os mais vagos contornos, /bocas murmurantes de lamento”.

De resto, quanto ao VIII Encontro de Escritores Catarinenses e Leitores – uma promoção da Associação das Letras -, foi um sucesso.

Aplausos, portanto, a Simone do Nascimento, presidente da entidade, e coordenadora geral – e a toda a equipe organizadora do evento.  

                                                                          Joinville, 28 de novembro de 2020

Onévio Zabot

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