📘 “A consolidação da maçonaria” (Lufiego)

A CONSOLIDAÇÃO DA MAÇONARIA BRASILEIRA
E O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

2022. Duzentos anos de Independência do Brasil! Duzentos anos de criação do Grande Oriente do Brasil. É possível, e necessário, fazer a crítica às consequências nefastas do processo de Independência, e apontar as principais mazelas brasileiras: atividade política, sistema tributário, organização administrativa, e desigualdade social decorrente da vergonhosa falta de escolaridade de grande parte da população. Cada uma delas comportaria várias dissertações. A autocrítica da maçonaria executiva também se impõe; a emancipação social do povo brasileiro ainda é uma missão a cumprir, em que pese o esforço feito pelos maçons José Álvares Maciel e Padre Rolim em 1789, Cipriano Barata e Hermógenes Pantoja em 1798, Francisco de Paula Cavalcanti e Albuquerque e irmãos em 1801, Domingos José Martins e Padre Roma em 1817, Gonçalves Ledo e José Bonifácio em 1822, Frei Caneca em 1824, Bento Gonçalves e Garibaldi em 1835, Américo Brasiliense e Rangel Pestana em 1873, Visconde do Rio Branco e Joaquim Nabuco em 1888 e Deodoro da Fonseca e Benjamin Constant em 1889. Nada obstante, não temos motivos para perder o otimismo e a crença na definitiva emancipação do povo brasileiro. O Grito do Ipiranga, símbolo e fastígio do processo de Independência, não desfez essas amarras, que vieram dos tempos coloniais, corolário de um sistema de ocupação exploratório e não de povoamento, como se deu, ao contrário, nas 13 Colônias. Por outro lado, a forma como as coisas transcorreram nos legou o que só nós brasileiros temos. O que recebemos da história em 40 anos, da Conjuração Mineira à abdicação do maçom Guatimozim (1789 a 1831), supera em muito os complexos problemas brasileiros. O que recebemos, outros povos não têm, e os problemas que temos oportunizam a apoteose das soluções. Grandes nomes estão por vir na história do Brasil, pois há muito o que fazer.

A marca geral do processo de Independência foi a reatividade. Não seria impróprio colocar entre os principais protagonistas da trama, Napoleão Bonaparte e as Cortes de Portugal, nem seria sem propósito destacar como grande diferencial a vinda da Família Real para o Brasil. Nesse diapasão, o primeiro passo foi dado por Portugal ainda no século XVIII. Como sabemos, premido por injunções geopolíticas, o governo lusitano criou as famosas academias. Foram inúmeras as academias fundadas no Brasil, e para elas afluíram os primeiros maçons brasileiros, iniciados nas Lojas das universidades europeias. Com o tempo, no último lustro do século, o movimento academicista trouxe à luz, para que construíssem a história do Brasil, e os alicerces da maçonaria brasileira, dois grandes centros avançados de debates das ideias iluministas e do anseio emancipacionista: Cavaleiros da Luz na Bahia e Areópago de Itambé em Pernambuco. Nessas duas academias, precursoras das Lojas maçônicas brasileiras, que reuniam os maçons mais ilustres da colônia, respectivamente lideradas pelo deputado Dr. Cipriano Barata e por Dom Manuel de Arruda Câmara, dois dentre os vultos maiores da brasilidade, a maçonaria cria raízes definitivas no Brasil, iniciando o processo de organização em Lojas e Potências – levará vinte e poucos anos para o surgimento do Grande Oriente Brasílico, o glorioso GOB, igualmente bicentenário, porque fundado em 17 de junho de 1822. Foi nesses dois centros maçônicos, que os planos teóricos traçados na Prancheta dos Mestres deflagraram nas ruas de Salvador e do Recife fatos determinantes de nossa história. Episódios épicos que se somam com destaque ao processo de Independência do Brasil: Conjuração Baiana, evento que gerou vários grandes mártires, ao invés de um, infelizmente esquecidos pela juventude brasileira, e Revolução Pernambucana, o mais importante de todos os movimentos emancipacionistas. Em ambas, vários maçons tiveram participação destacada de liderança e apoio.

Tivesse o Rei da Espanha, e sua numerosa Corte, fugido de Napoleão e, por exemplo, migrado para Caracas – não diria Buenos Aires ou Cidade do México pela posição geográfica extremada de ambas, muito distantes do centro da área colonial hispânica – possivelmente hoje teríamos um gigantesco país falando o idioma de Cervantes, quem sabe chamado Estados Unidos da América Espanhola, mas não. Foi o Príncipe português D. João e a Rainha Louca, sua mãe, com cerca de 15 mil cortesãos, que fugiram do corso conquistador. 1808, ano em que se iniciou a penúltima fase do processo de Independência. A fase derradeira começaria em 1821, justamente quando do retorno da Família Real e sua Corte à Europa. Em ambas, sobretudo na última, a maçonaria brasileira esteve à frente do processo. O primeiro grão-mestre do GOB é o Patriarca da Independência, e outro igualmente grão-mestre, o segundo, é o próprio Guatimozim. Dois personagens fora de série, que efetivamente enriqueceram a história do Brasil e da maçonaria brasileira.

D. João VI, coroado rei no Brasil, coagido pelas injunções políticas decorrentes da Revolução do Porto e pelas ameaças das Cortes portuguesas (1), retornou a Portugal, e deixou aqui não mais uma colônia, mas parte do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. As Cortes lusitanas, infelizmente não entenderam isso. Arrogantes, para decepção de brasileiros e maçons como José Bonifácio e Hipólito da Costa, que defendiam a manutenção do Reino Unido, tentaram fazer a roda da história retroceder, com o plano de reduzir o Brasil novamente à condição de colônia. Conseguiram apenas acelerar o processo de Independência. Os primeiros a perceber o erro histórico das Cortes foram os deputados brasileiros que lá estavam e que de lá saíram às pressas para não sofrer represálias: os maçons Cipriano Barata e Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, um dos três irmãos do célebre trio. A família Andrada era uma família maçônica!

Devemos a D. João VI, que não era maçom, a permanência de D. Pedro no Brasil como Príncipe Regente, fator fundamental para que não se repetisse aqui a desintegração territorial em vários países menores, como verificado na América hispânica. D. Pedro era português de nascimento e brasileiro de coração. Chegou ao Brasil aos 9 anos de idade, e foi criado à solta, longe dos pais, com o irmão D. Miguel, e na companhia da avó enlouquecida, que aterrorizava as noites com gritos alucinados, que reverberavam pelos corredores do casarão no qual moravam. Teve duas grandes mulheres: a primeira lhe deu um império; a segunda seria um justo motivo para sua exclusão da Ordem Maçônica, o que não ocorreu, até porque a maçonaria sequer teve tempo, pois o Imperador proibiu o funcionamento das Lojas, logo após a coroação. Ademais, as lideranças maçônicas brasileiras não teriam tido o interesse, e nem a coragem, para expulsar o Imperador. Naquele momento, bens muito maiores estavam em jogo, e a questão da regra moral passou ao largo. Na realidade fática, muitos maçons beijavam a mão de Dona Titila; justiça seja feita à José Bonifácio, amigo sincero da Imperatriz Dona Leopoldina, uma mulher de visão, seguramente a mais firme de todas as mãos e um dos maiores personagens do processo de Independência. Leopoldina, na gestão política pró-Brasil junto a D. Pedro, e Maria Quitéria, nas armas para libertar o coração baiano do Brasil das últimas tropas portuguesas, são dois vultos femininos que a história deveria reconhecer e dar o devido destaque. Nada obstante, o espaço que os intelectuais brasileiros dão à Domitila de Castro não pode ser criticado, ao contrário, cuida-se de outra grande mulher, carrega o estigma da amante, estigma que se desvanece diante da personagem histórica relevante. Aliás, com a perceptível tentativa de progressão dos cânones sociais, é possível que um dia a criticada seja a Dona Leopoldina.

Em 1821, D. Pedro, recebeu de seu pai, o Rei, um emprego que não ambicionava: a regência do Brasil. Imediatamente, tornou-se o centro do processo de Independência. Em Portugal, as Cortes o consideravam um “rapazote” inconsequente e despreparado. A pressão que exerceram, exigindo o retorno do “rapazote” à Europa, e impondo a extinção das estruturas de Estado aqui implantadas por D. João, como por exemplo o fim dos tribunais sediados no Brasil, foi um tiro que saiu pela culatra, graças à visão de Dona Leopoldina, à presença de José Bonifácio junto ao Príncipe, ao clamor das províncias de São Paulo e Minas Gerais, e o apoio dos maçons e do povo do Rio de Janeiro. D. Pedro, inicialmente compreendeu que deveria ficar e ficou! Ato contínuo, percebeu que não poderia permitir às injunções das Cortes no Brasil, e não permitiu. Por fim, atendendo ao apelo dos povos do Brasil e da maçonaria, e ao conselho de sua mulher e de seu ministro, arrancou do chapéu os laços com as cores portuguesas e – a pé ou no lombo de uma mula, porque tinha acabado de subir a muralha paulista, jornada impossível para cavalos – declarou o desligamento do Brasil do Reino de Portugal.

Na época, inexistiam partidos políticos e os grupos políticos dividiam-se em dois: maçonaria e antimaçonaria. Internamente, por seu turno, a maçonaria também estava dividida em dois grupos, que disputavam a atenção de D. Pedro: a maçonaria vermelha, republicana, que abriu mão do ideal maior em favor da manutenção da integridade brasileira, na crença das promessas de D. Pedro pelo advento de um regime constitucional e democrático, chefiada por Gonçalves Ledo, cujas reuniões ocorriam na Loja Comércio e Artes na Idade do Ouro, e a maçonaria azul, monarquista, chefiada por José Bonifácio, cujas reuniões ocorriam no Apostolado. No horizonte, três possibilidades acenavam como possíveis e eram debatidas pelos maçons. A primeira, a manutenção do Reino Unido, com parte do território na Europa, Portugal, e parte no Novo Mundo, o colossal Brasil. Hoje, teríamos algo em comum com os “gauleses”, que têm territórios lá e cá, posto que a Guiana é parte integrante da França. A segunda, a adoção da monarquia constitucional, sendo D. Pedro o Rei. A Terceira, a proclamação da República. Na verdade, não tivemos nenhuma das três, pois a face absolutista de um monarca, com muitas ideias liberais e vida libertina, prevaleceu sobre as promessas feitas antes do Sete de Setembro, e os brasileiros foram castigados com uma monarquia absolutista. Em 1824, para decepção dos brasileiros e revolta de Frei Caneca, que subiu à tribuna da Câmara do Recife para protestar, a Constituição do Império foi outorgada pelo Imperador, pondo fim aos anseios democráticos de republicanos e monarquistas, tendo antes, porém, determinado o fechamento das portas da maçonaria no Brasil, ao invés de sanar o motivo alegado, ou seja, a extrema rivalidade entre vermelhos e azuis, D. Pedro I resolveu dificultar os trabalhos maçônicos.
Não se deve adotar, nem jurar como Constituição do Império, o projeto apresentado para este fim”
Frei Caneca

Entrementes, quaisquer que tenham sido os erros cometidos no processo de Independência do Brasil, principalmente o advento de um regime absolutista, e a manutenção do status quo ante do povo brasileiro, permanecendo o povo livre na pobreza e no analfabetismo e o povo escravo na escravidão, tais erros podem ser remediados em duas ou três gerações. Menos a escravidão, é verdade, nem mil anos apagarão tamanha ignomínia. No entanto, é preciso reconhecer o legado ímpar que recebemos. Mais que o território gigantesco, o maior legado foi a formação da nação brasileira, formada por todas as raças do colossal Brasil. Uma imensa nação unida visceralmente pela cultura da língua comum. Na América espanhola, como vimos, o fracionamento em vários países resultou da falta de um centro político único em torno do qual o processo de emancipação política pudesse girar, mantendo a integridade do território. Não podemos esquecer que as distâncias na área de domínio espanhol eram gigantescas, maiores que os extremos do Brasil. Também pesaram. Aqui, como centro de atração, o grande diferencial, foi a presença de um legítimo Príncipe, capaz de ser coroado Rei ou Imperador, mantendo em torno de si aquelas regiões brasileiras, na época, com enorme potencial de se tornarem países independentes. Os grupos políticos existentes na época, sobretudo a maçonaria vermelha, tiveram o mérito, e nós a sorte, de reconhecer este processo de manter o Brasil unido, como de fato mantiveram.

ORDEM DO DIA: EMANCIPAÇÃO

1817. O verão ensolarado no Nordeste fazia com que os vapores e cheiros estivessem suspensos no ar. O bom tempo, no entanto, não eliminava o mau humor das pessoas em geral e dos maçons pernambucanos em particular, dentre eles um capixaba: Domingos José Martins, um próspero comerciante, que empenharia a riqueza e a vida na Revolução, que se avizinhava. O dia realmente tinha sido muito quente, e a noite se instalara estrelada. O último participante que faltava, bateu maçonicamente à porta do sobrado. Recebido pelo responsável pela vigilância externa, ao invés de subir, desceu as escadas em direção ao subsolo no qual era armazenado o vinho. A mesa estava posta: os paramentos da Loja indicavam o Grau dos trabalhos. Apenas os Mestres estavam presentes. Os demais estavam ocupados com a preparação do banquete. O grupo não era numeroso. Ao sentar-se justificou ao Venerável Mestre a chegada em cima da hora. A noite tão limpa, tão clara, embora não fosse de lua-cheia, foi o motivo pelo qual optou pelo caminho mais longo, a fim de não ser observado pelas indiscrições profanas. O Venerável assentiu com uma leve inclinação de cabeça. A Loja Pernambuco do Oriente foi aberta com as fórmulas místicas de praxe, tendo o Capelão, Irmão João Ribeiro, padre católico, feito comovente invocação às bênçãos do Grande Arquiteto do Universo, simbolizado por luminosa figura geométrica posta sobre a mesa. Aliás, todos os símbolos norteadores e instrumentos de trabalho estavam postos sobre a mesa.

Os ânimos estavam exaltados, os Obreiros mordiam os lábios para não murmurar e manter o silêncio e o devido respeito. Atento a isso, o Venerável Mestre determinou a imediata abertura da Ordem do Dia. Inicialmente, foi lida uma prancha enviada pelos maçons da Paraíba, cuja mensagem garantia o apoio irrestrito da Loja paraibana ao movimento emancipacionista, reconhecendo que não restava alternativa senão a sedição, e que a Paraíba estaria irmanada a Pernambuco na expulsão dos marinheiros. (2) O padre João Ribeiro, sábio e pacifista, ardoroso defensor das ideias iluministas e do direito fundamental de emancipação dos povos, no entanto estremeceu diante da palavra “sedição”. Suas mãos suaram frio, pois o momento de ruptura estava próximo. A Loja foi posta em recreação e a palavra foi franqueada ao Orador, Irmão Cabugá, que se manifestou de forma pungente.

– Podeis fazer uso da palavra Irmão Orador, disse o Venerável Mestre. Todos estão autorizados a se manifestar, estamos em recreação. Saudando a todos de forma muito fraterna, o Irmão Cruz Cabugá não escondeu sua indignação com a atitude da Corte, sob a autoridade do Príncipe Regente Dom João, que havia criado novos tributos para sustentar a Corte e pagar a conta de iluminação pública das ruas principais do Rio de Janeiro.

– Venerável Mestre, meus queridos Irmãos. O clamor popular pede a ruptura e a independência de nossa terra e de nossa gente. O abuso dos marinheiros passa de todos os limites. Acovardados, fugiram de Napoleão e vieram para o Brasil, e aqui têm parasitado os brasileiros. Embora tenham sido desalojados de suas casas, os cariocas estão sendo beneficiados pelas reformas e criações de D. João. E nós, o que recebemos, meus Irmãos? A conta para pagar, é isso o que recebemos.

– A preocupação é muito grande, caríssimos Irmãos. A maçonaria precisa agir para libertar o povo do jugo insaciável da Coroa e sua Corte de sanguessugas, apartou o Irmão Barros Lima, que viria a ser o estopim do movimento revolucionário, com um ato heroico em defesa de sua dignidade.

– Chega de subserviência. As palavras foram ditas com os dentes cerrados, por Cruz Cabugá, que retomou o discurso. Precisamos ouvir o clamor popular. As negras forras têm toda razão em reclamar; Ana Canindé subiu nas tamancas e rodou a baiana bradando contra os lusos em plena praça pública. A negra Otília exige dos homens uma atitude. O povo está revoltado. Tamanha insensibilidade por parte dos portugueses definitivamente não pode ser tolerada. Sim! Insensibilidade meus Irmãos, para dizer o mínimo, pois a seca nos castiga há dois anos, o preço dos alimentos está altíssimo, e a verdade é que não existem alimentos para todos. Já somos tributados em tudo, não temos autonomia para nada; Olinda e Recife são mais tradicionais e produziram muito mais riquezas para Portugal do que o Rio de Janeiro, e ainda por cima nos mandam a conta da iluminação pública! Inaceitável, Venerável Mestre. Domingos Martins, que presidia os trabalhos, mais uma vez inclinando a cabeça, demonstrou concordância, e tomou para si a palavra.

– Escutai com atenção meus Irmãos! Irmão Orador, sentai-vos por um instante. Em pé, sem estar à Ordem, fez a seguinte declaração: todas as Lojas maçônicas pernambucanas, paraibanas e cearenses estão de acordo com o Irmão Cabugá. Nosso Irmão Tenente José Mariano tem um relato a fazer.

– Obrigado Venerável Mestre. E as Lojas do Rio Grande do Norte também estão conosco, Venerável Mestre, Irmão Orador, meus Irmãos. Em diligência determinada pelo Irmão Domingos Martins, fomos em comissão visitá-las. Pediram para externar-vos o compromisso que possuem com a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Era isso Venerável Mestre. Todos aplaudiram mentalmente. O Venerável Mestre retornou a palavra ao Irmão Orador, que continuou com a flama do patriota e paladino das causas populares.

– O Brasil não merece esse tipo de governante, que explora o bom e pobre povo brasileiro. A tolerância maçônica, meus caríssimos Irmãos, não é a conivente com o erro, com o abuso de poder, com a opressão. Os franceses levantaram-se bravamente contra os poderes e abusadores da hipossuficiência do povo. E nós, meus Irmãos, o que faremos? O povo pernambucano fará jus à sua tradição libertária? Honrará o espírito de Guararapes? Chega de exploração, exigimos liberdade e independência!

– Precisamos ir às armas meus Irmãos! Bradou inflamado o Capitão Domingos Teotônio. O Venerável Mestre assentiu pela terceira vez, balançando afirmativamente a cabeça. O Orador retomou a palavra.

– Que a rebelião seja deflagrada! Cruz Cabugá tinha os olhos raiados e a voz embargada pela grande emoção. Mesmo assim continuou. – Nossas bandeiras são a proclamação da República, a liberdade de imprensa e religião, a liberdade de pensamento e expressão, abolição dos tributos criados pela Corte, substituídos por um sistema justo, a tripartição do poder, cada um dos quais independente e atuando em harmonia com os demais. Juízes julgarão somente quando provocados legalmente, não terão o poder moderador, nem a última palavra em assuntos executivos governamentais. Precisamos aumentar o soldo dos militares, pois são a força que nos manterá livres e organizados. E acima de tudo meus Irmãos: liberdade! Fim da escravidão, igualdade civil. Sejamos todos patriotas! Muito obrigado meus Irmãos. A aprovação foi unânime, embora Domingos Martins, enquanto o Orador clamava pela abolição da escravatura, tenha lembrado da resistência que seria imposta pelos grandes proprietários de terras, que se utilizavam há séculos da mão de obra escrava, e também eram de fundamental importância para o movimento sedicioso, porque chefiavam milícias próprias necessárias para o provável embate contra os portugueses. O desafio hercúleo estava lançado.

– Meus Irmãos, declaro encerrada a Ordem do Dia, determinou o Venerável Mestre. Já é meia-noite, recolhamos nossas ofertas pecuniárias à filantropia em favor dos pobres e desassistidos da sorte; encerremos os nossos trabalhos e fechemos a Loja, invocando mais uma vez as bênçãos do Grande Arquiteto do Universo sobre o Brasil. Assim seja!

– Assim seja! Todos repetiram uníssonos.

(1) Cortes com o significado de assembleia, parlamento. Não confundir com a Corte do Rei, no caso em tela, formada por milhares de nobres e funcionários reais. 
(2) Assim eram chamados os portugueses.

 

 

 

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