A infância de Fiuza (Marinaldo)

A INFÂNCIA DE FIÚZA
TEXTO PRESENTE PARA RONALD FIUZA

 

Minas Gerais. Um guri faz coisas triviais de uma criança. Realiza seu tempo. Não sabe ainda que
o tempo nunca passa, que ele se estende, e passa a fazer parte da mutação genética de todo mundo. Esse
guri é um guri e suas peculiaridades. Escreve e pinta, desenha e risca, joga tudo fora, observa. Em algum
lugar aprendeu sobre primavera, em algum lugar leu seu primeiro poema, em algum lugar esse poema se
alastra. Molecular, celular, sistêmica, comportamental, cognitiva, a sua visão lhe prepara o pão antes de
estar pronto, e o menino Fiúza tenta adivinhar o formato que a massa vai ficar depois do crescimento,
depois que o fermento comer toda sensatez que o calor lhe tirará.
A mãe olha com graça aquela criança. Tenta entendê-la pela forma, tenta descobri-la pelo jeito, se
ri, olhando pela janela que fica em cima da pia, do garoto no quintal vendo as palavras se misturarem e se
ligarem como fazem as estrelas. Não há um ser humano completamente bom ou mau, o menino escreverá
um dia, a assertiva que lerá em pensadores operários da filosofia. Mas a mãe só vê bondade, aquele
jeitinho de quem nasceu para ser padre tentando explicar a fé pela ciência.
Crescido, o boletim cheio de notas bonitas, mas o sorriso…discreto. A metafísica se juntando a
lógica, embora a lógica não seja absoluta, como a verdade não é, embora essa assertiva também por ele,
viria a ser contestada. Foi colocando emoção do que poderia ser apenas raciocínio que ele chegou em
Munique. Lá longe, o frio intenso, e a luz vertendo como uma sangria! O guri continuando, ainda ali,
agora um pesquisador que trazia seus ares de detetive. Depois dali, Barcelona, a cidade que de cima
parece uma colmeia se vista pelo ângulo de Eixample, distrito organizado como os códigos de um DNA.
Dali os gostos foram se apurando. As leituras se aprofundando. A leitura do mundo passou a ser melhor
interpretada diante de tantas luzes trazidas pelos eletricistas da razão: Sartre, Goethe, Freud, e o tal do
“Aquino”, que virou Santo, tanto, que poderia ser Aquífero.
Antes de tudo isso, das 15 sociedades científicas, dos noventa trabalhos produzidos, das pesquisas,
dos desvios de rota, dos acertos, das gestões, dos poemas e da política, da fé e da dúvida, da ausência e da
permanência de antigos constructos, ainda resta o guri. Seus ímpetos por querer ver o coração das coisas,
sua inclinação latina para a observação do que é o entendimento, sua inspiração para olhar o cerne, tudo
continuando presente. Presente no seu conhecimento acintoso, na sua empatia com o que é apenas
aparentemente vago, presente na sua humanidade que ainda se pergunta se nascemos bons e convivemos,
se nascemos instinto e nos acostumamos, ou apenas nascemos, com a gente dentro da gente, e que com o
passar do tempo passa a se movimentar…
…Confesso que relutei a escrever sobre Fiuza, porque ele havia me dito que estava ansioso para
receber o seu presente, e isso, me gerou uma ansiedade enorme. Também porque li o seu livro e fiquei
muito feliz com o resultado, ao saber que alguém tão cheio de argumentos convivia no mesmo “clã” que
eu. Dado a me apaixonar pela palavra, tenho lá as minhas referências, mas sempre exprimi uma exaltação
a mais por que usa a palavra como encanto, e como escudo. Falo escudo porque considero o estudo uma
armadura. E é armado, escondido atrás de um elmo que produzo para me defender dos olhares críticos e
dos julgamentos, que consegui criar coragem para escrever esse texto presente para você, Ronald,
tentando encontrar o menino e suas peraltices, o menino e suas estripulias, o menino e suas brincadeiras
atrevidas de criança quando começa a descobrir que o corpo produz prazer, o menino neurocientista que
ainda não existia, mas já era.
Nota: A palavra Fiducia, em italiano, significa confiança. Por algum motivo minha mãe confundia essa
palavra com Fiúza. Uma das minhas primeiras memórias que tenho é minha mãe dizendo para meu pai:
“não saia da minha fiúza”.

Marinaldo de Silva e Silva

 

Ronald Fiuza

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