A lenda do gambá (Hilton)

A LENDA DO GAMBÁ

Hilton Görresen

 

Ultimamente, um gambá tem visitado meu quintal. Os desprotegidos sacos de lixo amanhecem furados, cascas de ovo e de batata espalhadas no chão. Algumas vezes sua ousadia o leva a entrar em casa, à noite, farejando os armários da cozinha.

Isso despertou minha curiosidade a respeito do animal. A primeira noção que tive de gambá foi daquele bichinho preto com uma listra branca nas costas, que, ameaçado, borrifa no oponente um “perfume” exótico, e que pode ser visto nas revistas em quadrinho e nos desenhos animados.

Engano. Aquele é o gambá americano. Não sei por que cargas d’água, os dois animais, que são diferentes, levam por aqui o mesmo nome. No Nordeste é conhecido como sariguê. O nosso, se assim posso chamá-lo, é um marsupial, como o canguru, carrega os filhotes consigo, numa espécie de bolsa. Exala um cheiro adocicado e desagradável.

O outro, que é mamífero, parece que é dotado de um spray nas circunvizinhanças anais (vamos de popular: no rabo), de onde dispara um jato do terrível perfume. Dizem que o vivente atingido por esse jato pode jogar as roupas fora.

Reza a lenda que o nosso marsupial adora uma birita. O jeito de caçá-lo é deixar um potinho com cachaça nos locais visitados à noite. Sorvida a beberagem, o animalzinho fica tão de porre que no outro dia é fácil apanhá-lo. Não preciso dizer que por conta desse fato é que os bêbados inveterados são chamados de “gambás”.

A versão científica esclarece que o que os deixa atordoados, parecendo de ressaca, é o sangue que costumam sugar do pescoço dos animais abatidos, como galinhas e ratos. Mas que eles adoram uma branquinha, isso é verdade.

Atualmente, está proibida a eliminação dos bichinhos, e existem até pessoas que os criam, como animais de estimação, com direito a nomes carinhosos como os de cachorros. Já imaginou, um gambá atendendo pelo nome de Fofucho? Mas sei de muita gente que adora um cozido de sua carne, dizem que é um prato saboroso. Bem, nunca experimentei, e não tenho vontade de fazê-lo.

Voltando ao meu desaforado visitante noturno, como não me deixo influenciar por seus dotes naturais (dizem que sabe fingir-se de morto para enganar os inimigos…), desejo apenas uma fórmula para espantá-lo de vez de meu terreno, deixando em paz minhas cascas de ovo e de banana.

TEXTO PUBLICADO NO JORNAL A GAZETA DE SBS EM 17.04.21

 

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